Voltar a escrever para espantar a náusea

Desde que voltei de viagem, após as eleições municipais de 6 de outubro, embora tenha retornado à lida da redação, meus poucos escritos desde então foram todos em verso, nenhum em prosa jornalística. Na verdade, embora editando e administrando a redação da Folha diariamente, por obrigação profissional, não vinha sentindo a menor vontade de escrever, muito embora não soubesse muito bem por quê. Pois no final da manhã de hoje, ao voltar da academia (até porque o verão vem aí), conferi a coluna de Arnaldo Jabor, leitura obrigatória de toda terça, na edição impressa de O Globo, para descobri os motivos desse meu insondável hiato de escriba, neste blog e na Folha.

Por certo, entre a saída capital do cianureto e a alienação química da champanhe, propostas nos versos de Cole Porter, há um universo de possibilidades, nem que seja simplesmente não escrever sobre os rumos deste mundo que nos leva a reboque em sua vertigens de peão sobre si e sobre o sol, na imensidão escura do universo. De qualquer maneira, mesmo não concordando com todos os motivos elencados no artigo do jornalista e cineasta quase sempre marcado pela polêmica, ninguém com um mínimo de consciência crítica há de discordar da condição geral nauseante por ele conferida à realidade presente do Brasil, da América do Sul, do Oriente Médio e, de resto, deste pequeno planetinha girante e azul.

Fossêmos, então, atentar apenas à circunscrição desta nossa planície goitacá, novamente sob as nuvens das indefinições jurídicas sobre quem nos governará a partir de 2013, como os blogueiros Gianna Barcelos e Cleber Tinoco noticiaram aqui e aqui,  não há nem à nível local nenhum motivo para fugir da “náusea” sentida por Jabor ao vislumbrar horizontes mais amplos. Assim, na dúvida sobre o que fazer, talvez o menos pior seja mesmo voltar a escrever.

Abaixo, o artigo…

A náusea

O grande Cole Porter tem uma letra de música que diz: “Conflicting questions rise around my brain/ Should I order cyanide or order champagne?” (“Questões conflitantes rondam minha cabeça/ devo pedir cianureto ou champanhe?”)

Sinto-me assim, como articulista. Para que escrever? Nada adianta, nada. E como meu trabalho é ver o mal do mundo, um dia a depressão bate. A náusea – não a do Sartre, mas a minha. Não aguento mais ver a cara do Lula, o homem que não sabe de nada, talvez nem conheça a Rosemary, não aguento mais ver o Sarney mandando no País, transformando-nos num grande “Maranhão”, com o PT no bolso do jaquetão de teflon, enquanto comunistas e fascistas discutem para ver quem é mais de “esquerda” ou de “direita”, com o Estado loteado por pelegos sem emprego, não suporto a dúvida impotente dos tucanos sem projeto; não dá mais para ouvir quantos campos de futebol foram destruídos por mês nas queimadas da Amazônia, enquanto ecochatos correm nus na Europa, fazendo ridículos protestos contra o efeito estufa; não aguento mais contar quantos foram assassinados por dia, com secretários de segurança falando em “forças-tarefas” diante de presídios que nem conseguem bloquear celulares, não suporto a polêmica nacionalismo-pelego x liberalismo tucano, tenho enjoo de vagabundos inúteis falando em “utopias”, bispos dizendo bobagens sobre economia, acadêmicos decepcionados com os ‘cumpanheiros’ sindicalistas, mas secretamente fiéis à velha esquerda, que só pensa em acabar com a mídia livre, tremo ao ver a República tratada no passado, nostalgias masoquistas de tortura, indenizações para moleques, heranças malditas, ossadas do Araguaia e nenhuma reforma no Estado paralítico e patrimonialista, não tolero mais a falta de imaginação ideológica dos homens de bem, comparada com a imaginação dos canalhas, o que nos leva à retórica de impossibilidades como nosso destino fatal e vejo que a única coisa que acontece é que não acontece nada, apesar dos bilhões em propaganda para acharmos que algo acontece. Odeio a dúvida de Dilma, querendo fazer uma política modernizante, mas batendo cabeça para o PT, esse partido peronista de direita.

Não aturo a dúvida ridícula que assola a reflexão política: paralisia x voluntarismo, processo x solução, continuidade x ruptura; deprimo quando vejo a militância dos ignorantes, a burrice com fome de sentido, balas perdidas sempre acertando em crianças, imagens do Rio São Francisco com obras paradas e secas sem fim, o trem-bala de bilhões atropelando escolas e hospitais falidos, filas de doentes no SUS, caixas de banco abertas à dinamite, declarações de pobres conformados com sua desgraça na TV; tenho engulhos ao ver a mísera liberdade como produto de mercado, êxtases volúveis de ‘descolados’ dentro de um chiqueirinho de irrelevâncias, buscando ideais como a bunda perfeita, bundas ambiciosas querendo subir na vida, bundas com vida própria, mais importantes que suas donas, odeio recordes sexuais, próteses de silicone, pênis voadores, sucesso sem trabalho, a troca do mérito pela fama, não suporto mais anúncio de cerveja com louras burras, abomino mulheres divididas entre a ‘piranhagem’ e a ‘peruice’, repugnam-me os sorrisos luminosos de celebridades bregas, passos de ganso de manequim, notícias sobre quem come quem, horroriza-me sermos um bando de patetas de consumo, rebolando em shoppings assaltados, enquanto os homens-bomba explodem no Oriente e Ocidente, desovando cadáveres na Palestina e em Ramos, ônibus em fogo no Jacarezinho e Heliópolis, a cara dos boçais do Hamas querendo jogar Israel no mar e o repulsivo Bibi invadindo a Cisjordânia, o assassino pescoçudo Assad eliminando o próprio povo, enquanto formigueiros de fiéis bárbaros no Islã recitam o Alcorão com os rabos para cima, xiitas sangrando, sunitas chorando, tudo no tão mal começado século 21, século 8.º para eles ainda, não aguento ver que a pior violência é nosso convívio cético com a violência, o mal banalizado e o bem como um charme burguês, não quero mais ouvir falar de “globalização”, enquanto meninos miseráveis fazem malabarismo nos sinais de trânsito, cariocas de porre falam de política e paulistas de porre falam de mercado, museus pós-modernos em forma de retorcidos bombardeios em vez da leveza perdida de Niemeyer, espaços culturais sem arte nenhuma para botar dentro, a não ser sinistras instalações com sangue de porco ou latinhas de cocô de picaretas vestidos de “contemporâneos”, não aguento chuvas em São Paulo e desabamentos no Rio, enquanto a Igreja Universal constrói templos de mármore com dinheiro arrancado dos ignorantes sem pagar Imposto de Renda, festas de celebridades com cascata de camarão, matéria paga com casais em bodas de prata, políticos se defendendo de roubalheira falando em “honra ilibada”, conselhos de ética formado por ladrões, suplentes cabeludos e suplentes carecas ocultando os crimes, anúncios de celulares que fazem de tudo, até “boquete”; dá-me repulsa ver mulheres-bomba tirando foto com os filhinhos antes de explodir e subir aos céus dos imbecis, odeio o prazer suicida com que falamos sem agir sobre o derretimento das calotas polares, polêmicas sobre casamento gay, racismo pedindo leis contra o racismo, odeio a pedofilia perdoada na Igreja, vomito ao ver aquele rato do Irã falando que não houve Holocausto, cercados pelas caras barbudas da boçal sabedoria de aiatolás, repugnam-me as bochechas da Cristina Kirchner destruindo a Argentina, a barriga fascista do Chávez, Maluf negando nossa existência, eternamente impune, confrange-me o papa rezando contra a violência com seus olhinhos violentos, não suporto Cúpulas do G20 lamentando a miséria para nada, tenho medo de tudo, inclusive da minha renitente depressão, estou de saco cheio de mim mesmo, desta minha esperançazinha démodé e iluminista de articulista do “bem”, impotente diante do cinismo vencedor de criminosos políticos.

Daí, faço minha a dúvida de Cole Porter: devo pedir ao garçom uma pílula de cianureto ou uma “flute” de champagne rosé?

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Este post tem 10 comentários

  1. Gildo Henrique

    Boa introdução.
    Excepcional artigo.

  2. juliano

    boa voltaa redação …………..

  3. Fatima Melo

    Fantástico, perfeito………..adorooooooooo Jabor sou fã, tudo que escreveu real realidade!
    Conheci oJabor num Congresso em SP um espetáculo!

  4. Juliana

    O que me dá náuseas é essa política e esses políticos dessa cidade de cínicos.A justiça a serviço do mercado de toma lá dá cá.Nojo.

  5. laila

    Não vou pedir cianureto e já cansei de vomitar por conta dessa política nacional, estadual e municipal, nojenta! mas o que me passa, vira e mexe, pela cabeça, é ir-me embora…para algum lugar do qual eu não me envergonhe!

  6. Maria

    Arnaldo Jabor sempre gênio,desde de” Eu sei que vou te amar…” sou fã de carterinha dele.
    Que bom vê-lo de volta,Aluysio,estava com muitas saudades

  7. sergio

    Caro,onde vc se localiza neste texto.Eu acho que todos fazemos parte dele,de uma forma ou de outra.

  8. Marcos

    Lemos um texto inteligente e coerente com a realidade mundial, nacional e municipal. Para quem gosta de ler e fazer reflexões sobre o problemas cotidianos.
    O bacana é que pelo menos neste espaço não apareceu nenhum dono de “boquinha” para defender seus interesses, apenas posts de quem pensa.

  9. Rose David

    Passo por situação idêntica. Me conforta, de uma certa forma, saber que é um mal que não atinge apenas a mim. Estava até preocupada comigo mesma. Enfim…

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