O bem que um juiz e um promotor podem fazer a um país

As investigações dos crimes contra a administração pública espalharam-se como fogo, desnudando a compra e venda de votos e as relações de políticos e o crime organizado

 

Juiz Sérgio Moro
Juiz Sérgio Moro

 

Jornalista e escritor Elio Gaspari
Jornalista e escritor Elio Gaspari

Há dez anos, o juiz Moro disse tudo

Por Elio Gaspari

 

O juiz Sérgio Moro, que conduz o processo das petrorroubalheiras, fala pouco e não polemiza para fora. O que ele está fazendo, todo mundo sabe. O que ele quer fazer, e como quer fazer, parece uma questão aberta. Em 2004, Moro publicou um artigo intitulado “Considerações sobre a Operação Mani Pulite” na revista CEJ, do Conselho da Justiça Federal. Está tudo lá.

A Operação Mãos Limpas italiana foi uma das maiores faxinas ocorridas na Europa. Começou em 1992, com a investigação de um gatuno banal. A magistratura, o Ministério Público e a polícia puxaram os fios da meada, investigaram seis mil pessoas e expediram três mil mandados de prisão. Caíram na rede 872 empresários (muitos deles ligados à petroleira estatal) e 438 parlamentares.

O serviço provocou a queda e o exílio voluntário do primeiro-ministro Bettino Craxi. Ele dissera o seguinte: “Todo mundo sabe que a maior parte do financiamento da política é irregular ou ilegal” (Craxi morreu anos depois, na Tunísia). A faxina destruiu a mística dos dois grandes partidos do país, o Socialista e a Democracia Cristã. Eles dominavam a Itália desde o fim da Segunda Guerra. Passados dois anos, minguaram. O PS teve 2,2% dos votos, e a DC, 11,1%.

A corrupção política italiana assemelhava-se bastante à brasileira na amplitude, na naturalidade com que era praticada e até mesmo na aura protetora e fatalista que parecia torná-la invulnerável.

No seu artigo, Moro mostra como a implosão da máquina de políticos, administradores e empresários levou à “deslegitimação” de um sistema corrupto: “As investigações judiciais dos crimes contra a administração pública espalharam-se como fogo selvagem, desnudando inclusive a compra e venda de votos e as relações orgânicas entre certos políticos e o crime organizado”.

 

O Moro de 2004 diz mais:

• “É ingenuidade pensar que processos criminais eficazes contra figuras poderosas, como autoridades governamentais ou empresários, possam ser conduzidos normalmente, sem reações. Um Judiciário independente, tanto de pressões externas como internas, é condição necessária para suportar ações dessa espécie. Entretanto, a opinião pública, como ilustra o exemplo italiano, é também essencial para o êxito da ação judicial”.

 

• Os juízes:

“Uma nova geração dos assim chamados ‘giudici ragazzini’ (jovens juízes), sem qualquer senso de deferência em relação ao poder político (e, ao invés, consciente do nível de aliança entre os políticos e o crime organizado), iniciou uma série de investigações sobre a má conduta administrativa e política”.

 

• A rua:

“Assim como a educação de massa abriu o caminho às universidades para as classes baixas, o ciclo de protesto do final da década de 60 influenciou as atitudes políticas de uma geração”.

“Talvez a lição mais importante de todo o episódio seja a de que a ação judicial contra a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da democracia. É esta quem define os limites e as possibilidades da ação judicial. Enquanto ela contar com o apoio da opinião pública, tem condições de avançar e apresentar bons resultados”.

 

• As malas:

“A corrupção envolve quem paga e quem recebe. Se eles se calarem, não vamos descobrir, jamais”.

 

• As confissões:

“A estratégia de investigação adotada desde o início do inquérito submetia os suspeitos à pressão de tomar decisão quanto a confessar, espalhando a suspeita de que outros já teriam confessado e levantando a perspectiva de permanência na prisão pelo menos pelo período da custódia preventiva no caso da manutenção do silêncio ou, vice-versa, de soltura imediata no caso de uma confissão”.

 

• A imprensa:

“As prisões, confissões e a publicidade conferida às informações obtidas geraram um círculo virtuoso, consistindo na única explicação possível para a magnitude dos resultados obtidos pela Operação Mani Pulite”.

 

• Serviço: O artigo de Moro está na rede. Não tem juridiquês.

 

Publicado aqui, no Blog do Noblat

 

 

delações Lava-Jato

 

Entrevista com Deltan Dallagnol, procurador da Lava-Jato

O procurador fez o 1º termo escrito de delação do Brasil, em 2003, com Alberto Youssef. Ao Globo, disse que as colaborações usam “uma sardinha para pegar um tubarão”.

 

Procurador Deltan Dallagnol (foto de Giuliano Gomes)
Procurador Deltan Dallagnol (foto de Giuliano Gomes)

 

Por Leticia Fernandes

O Globo — Houve mudança no Judiciário brasileiro com relação ao papel da colaboração premiada em investigações de grande repercussão?

Deltan Dallagnol — O que existiu foi a alteração legislativa, que consagrou uma prática que já existia desde 2004. O primeiro acordo de colaboração escrito e dividido em cláusulas da História do Brasil foi feito exatamente com o (doleiro) Alberto Youssef, em dezembro de 2003, pela então força-tarefa do caso Banestado, em que participamos alguns dos procuradores da Lava-Jato. Foram 17 acordos. Na época, eles (os réus) transferiram para os cofres públicos, como indenização, aproximadamente R$ 30 milhões. Esse valor não foi alcançado em ações criminais propostas em que não houve acordo de colaboração. Ou seja, nossa experiência já mostrava que (a delação) é um ótimo caminho de investigação, que encurta custos judiciais e promove retorno aos cofres públicos.

 

O Globo — Teriam chegado aos resultados se não fosse por meio da colaboração?

Deltan — A gente não teria chegado aos resultados alcançados no caso da força-tarefa anterior, do Banestado, nem nesse caso da Lava-Jato, sem as colaborações. Não tenho dúvidas. Elas alavancaram a investigação.

 

O Globo — Como foi feito o primeiro acordo com Alberto Youssef?

Deltan — Em quase 100% dos casos, a defesa propõe ao MP. Não vamos atrás da pessoa para buscar acordos. Não é só uma técnica de investigação, mas uma escolha da defesa. Quando foi feito o primeiro acordo (do caso Banestado), decidimos fazer na forma de cláusulas. Se você for ver, a situação (do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa) está bem amarrada. Se ele mentir, perde todos os benefícios, e a gente continua podendo usar as provas que ele nos forneceu. Ou seja, acaba sendo um acordo bem mais favorável à sociedade. A gente está numa situação de vulnerabilidade, fazendo acordo com uma pessoa que cometeu um crime. Então precisamos amarrar o acordo para que o interesse da sociedade fique garantido. Dos 12 acordos da Lava-Jato, 10 foram feitos com pessoas soltas.

 

O Globo — Houve preocupação na hora em que Youssef quis fazer um novo acordo? Ele violou o primeiro…

Deltan — Com certeza. Era uma preocupação do procurador-geral da República. Esse acordo só seria feito se fosse muito benéfico para a sociedade. E uma coisa que está no acordo do Costa é uma previsão que já existia antes: a de que, se a pessoa voltar a cometer crime, perde todos os benefícios, tanto que, quando vimos que o Youssef continuava cometendo crimes, o processamos.

 

O Globo — Antes da nova legislação, as partes ficavam inseguras ao fazer o acordo?

Deltan — O que a gente fez para diminuir a área de insegurança foi exatamente esse acordo escrito. A lei anterior não previa isso. Dizia só que a pessoa ia colaborar e receber um benefício. Para garantir, foi a força-tarefa do Banestado, em 2003, que começou a fazer o acordo em cláusulas, uma prática inovadora. Em 2013, foi promulgada a lei de combate ao crime organizado, a primeira legislação a prever o instrumento escrito de colaboração. Antes, existia a prática disseminada de aceitar colaboração sem acordo e dar um benefício em razão disso.

 

O Globo — Como costuraram as negociações para fazer tantos acordos? Como vocês têm trabalhado nesse caso?

Deltan — Um dos princípios que a gente segue é o de que você não vai fazer a colaboração para trocar um peixe grande por um peixe pequeno. Você faz a colaboração para trocar um peixe pequeno por um peixe grande ou para trocar um peixe por muitos peixes. Esse é um princípio de utilidade social. Quando você pega uma sardinha, você pode comer essa sardinha, ou usá-la como isca para pegar um tubarão. Esse e outros vários princípios, usados pela experiência americana e italiana, são utilizados para a gente guiar nossa conduta. Se não tivéssemos feito os acordos de colaboração, provavelmente não teríamos revelado esse esquema de corrupção bilionário na Petrobras. Nós ainda estaríamos processando crimes envolvendo poucos milhões.

 

O Globo — Há mais acordos que podem ser firmados no desenrolar da Lava-Jato?

Deltan — Sempre existe. Muitas pessoas nos procuram para fazer acordo, mas, na maior parte dos casos, não fazemos porque entendemos que eles não atenderiam ao interesse público. Só vamos fazer acordo quando preenchidos alguns pressupostos: reconhecimento de culpa, ressarcimento do dano, ainda que parcial, e fornecimento de informações e provas sobre crimes de que a gente não dispunha. Essas denúncias feitas agora só foram possíveis por causa da colaboração feita com o Augusto Mendonça, o Júlio Camargo e com a empresa Setal. Sem essas colaborações, não conseguiríamos ter alcançado um conjunto de outras empresas que praticaram crimes de elevada gravidade. É um instrumento muito precioso nesse contexto de crimes de alta complexidade.

 

O Globo — No caso da Lava-Jato, a delação partiu dos investigados? Há um diálogo com o colaborador sobre as cláusulas do acordo?

Deltan — Em todos os casos, a iniciativa partiu da defesa. Há um diálogo, mas não vamos deixar a sociedade desprotegida. Claro que é possível discutir, mas tem um núcleo duro de cláusulas em que não mexemos. A cláusula de que, se o réu mentir ou omitir fatos, é causa de rescisão, por exemplo. Ela consta em todos os acordos. A gente não abre mão disso.

 

O Globo — Por que ainda há tanta resistência entre advogados? Eles dizem que o recurso obriga o réu a abrir mão do seu direito de defesa.

Deltan — O réu abre mão voluntariamente do exercício desse direito para ganhar um benefício. O benefício fica condicionado ao não exercício dos recursos. Por causa da colaboração, vamos pedir uma redução da pena, e o prazo prescricional do crime depende do quanto da pena é aplicada. Se esse prazo for ultrapassado, o processo penal inteiro é cancelado. Quando você concorda com a redução da pena, você está aumentando as chances de prescrição daquele caso. Então, não faz sentido a gente fazer um acordo de colaboração e, ao mesmo tempo, permitir ao réu recorrer e conseguir uma total impunidade. É uma decorrência lógica.

 

O Globo — Também se diz que o uso da delação supre a incapacidade de investigação do MP.

Deltan — O primeiro acordo só foi fechado porque a gente tinha provas muito sólidas em relação àquela pessoa (Paulo Roberto Costa), tanto que ela recorreu ao acordo. Vamos investigar tudo e todas as situações, mas não podemos recusar os instrumentos de investigação da lei. Hoje, temos várias circunstâncias que impedem o avanço das investigações. Há crimes cuja descoberta é muito difícil, como lavagem de dinheiro, quando normalmente o dinheiro passa por outros países, e é difícil conseguir a cooperação de paraísos fiscais. E a corrupção, em que, se você não quebrar o pacto de silêncio entre corrompido e corruptor, não consegue trazer a público o que aconteceu.

 

Publicado aqui na globo.com

 

Das bananas ao chuvisco, a última semana do mundo a Campos

Ponto final

 

 

Noticiário da semana

A semana que se encerra teve seus noticiários bem definidos. Em Campos, o que dominou foi a reação popular e das entidades da sociedade civil organizada contra o aumento de mais de 31% no IPTU e taxa de iluminação pública, impostos pela prefeita Rosinha Garotinho (PR) e os vereadores do seu “rolo compressor”, na sessão da Câmara de terça. As exceções  governistas na defesa do bolso do contribuinte foram Jorge Magal (PR), que se absteve nas duas votações, e os vereadores do PRB Alexandre Tadeu e Dayvison Miranda, que votaram contra o reajuste da taxa de iluminação.

 

No Brasil

No Brasil, se o Petrolão tem dominado o noticiário desde o primeiro turno da eleição presidencial, mesmo que no segundo a presidente Dilma Rousseff (PT) tenha sido reeleita, a maior novidade da semana veio com a revelação na sexta, feita pelo jornal O Estado de S.Paulo, da lista de 28 políticos que teriam se beneficiado dos bilhões desviados da estatal. Segundo seu ex-diretor Paulo Roberto Costa delatou ao Ministério Público Federal (MPF), o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) e o senador Lindberg Farias (PT) estariam entre eles. Os dois, como fizeram todos os demais acusados, negaram qualquer envolvimento.

 

No mundo

No mundo, o monopólio das atenções ficou por conta do anúncio de reaproximação entre EUA e Cuba, feito na quarta pelo presidente Barack Obama. Depois de um primeiro mandato politicamente tímido, embora tenha recolocado a economia da maior potência do mundo nos trilhos, Obama aproveitou o descompromisso eleitoral do último mandato para pôr em prática toda sua agenda progressista represada. Após enfrentar poderosos interesses em ações executivas ousadas a favor da saúde pública e dos imigrantes ilegais dos EUA, seu primeiro mandatário negro cedeu à interseção do Papa Francisco para celebrar a missa de corpo presente de um dos últimos anacronismos da Guerra Fria (1945/89).

 

A liberdade da opressão

Bem verdade que anacrônica também é a última ditadura comunista das Américas em Cuba, assim como a simpatia acéfala que lhe devotam no Brasil e no mundo as carpideiras do Muro de Berlim, quedado já há 25 anos pelas mãos do povo alemão. Mas diferente da força bruta que cria os mártires, o contraste físico e natural gerado na aproximação, como foi o caso em Berlim, é a maneira mais inteligente de expor à impossibilidade quem oprime em nome da liberdade, assim como os idiotas que lhe dão crédito, no gozo da liberdade de outro regime. Além de acelerar as mudanças na Cuba dos irmãos Castro, Obama consegue na mesma tacada geopolítica isolar ainda mais a Venezuela chavista de Nicólas Maduro.

 

Bananas e chuvisco

Se é o petróleo que sustenta a Venezuela e seu chavismo bolivariano típico de “República de Bananas”, por tudo que os escândalos em série a partir do Petrolão têm revelado (e ainda revelarão), a coisa não parece ser muito diferente no Brasil tomado de assalto pelo lulopetismo há 12 anos. E com evidências diárias de uma Prefeitura falida, mas de orçamento bilionário às custas dos royalties do petróleo, quem poderá conhecer a realidade de Campos e enxergar um quadro diferente na “República do Chuvisco”?

 

Poderia ser pior

Como chegar ao poder pelo voto, num estado democrático de direito, é tão legítimo quanto o juízo da opinião pública ou de um magistrado, resta esperar que as instituições com obrigação constitucional de investigar cumpram o seu papel. Se ao campista com alguma consciência crítica, o sentimento estadual e federal é o da mais sincera inveja do Ministério Público do Paraná, onde as investigações avançam a cada dia sobre o Petrolão, resta o consolo de que poderia ser pior.

 

Poderia ser melhor

Felizmente, decisões recentes como a do juiz Ralph Manhães de Azevedo, da 1ª vara Cível de Campos (aqui), no caso das 25 famílias humildes abandonadas pela Prefeitura, em meio a escombros, na comunidade da Margem da Linha, ou a da desembargadora Georgia de Carvalho Lima (aqui), da 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio (TJ-RJ), que ratificou a decisão da 2ª Vara Cível de Campos e determinou que o governo Rosinha Garotinho (PR) convoque os concursados do Plano de Saúde da Família (PSF), servem para provar que ainda não somos uma Venezuela ou uma Cuba. O fato de ambas as ações terem sido movidas pela Defensoria Pública, não por nenhum promotor ou procurador, é que confunde.

 

 

Publicado hoje na coluna Ponto Final, da Folha da Manhã

 

Mercado de Campos — Caráter criminoso permite provocação ao Ministério Público?

Mercado

 

 

 

Jornalista, presidente da Associação de Imprensa Campista (AIC) e representante desta no Conselho de Proteção do Patrimônio Municipal (Coppam), Vitor Menezes
Jornalista, presidente da Associação de Imprensa Campista (AIC) e representante desta no Conselho de Proteção do Patrimônio Municipal (Coppam), Vitor Menezes

Um crime bem arquitetado

Por Vitor Menezes

 

O caso do Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes, que teve projeto para o seu entorno aprovado, nesta semana, pelo Coppam (Conselho de Preservação do Patrimônio Arquitetônico do Município), poderia ser listado como apenas mais um em uma cidade que despreza a sua riqueza histórica e cultural. No entanto, por sua imponência, impacto social e centralidade, ele assume uma relevância especial.

O resultado, até o momento, dos debates que se deram nos últimos meses, desde quando o Shopping Popular foi removido para que ocorressem “reformas”, é o de que a Prefeitura de Campos insiste em executar uma obra que manterá o prédio histórico espremido entre estruturas que o encobrirão, como se o campista tivesse vergonha de ter um dos mercados mais belos e antigos do Brasil, inaugurado em 1921.

O oposto disso, como podem pensar alguns, não seria necessariamente excluir os permissionários — camelôs e feirantes — do local. Sabe-se da relação afetiva e das imposições econômicas que os levam, e até mesmo aos lojistas do entorno, a defenderem o adensamento popular naquela pequena quadra, o que é compreensível. No entanto, o chocante foi não ter sido apresentada uma só solução criativa que explorasse um raio mais amplo do entorno, possivelmente no sentido da Rua Benta Pereira, fazendo com que o chamado complexo do Mercado se tornasse ainda maior, confortável, seguro e atraente.

Optou-se pela visão limitada da cultura do puxadinho, que tem a sua beleza e inventividade quando fruto da criatividade popular para enfrentar a escassez de espaço e de recursos, mas que se revela indesculpável quando verificada em grandes empreendimentos, especialmente naqueles feitos pelo poder público e em relação aos quais se espera uma responsabilidade maior com o futuro.

O resultado será mais um crime contra a história de Campos, a se somar aos solares que agonizam, ao antigo Trianon que se foi e ao assassinato do Monitor Campista. E o desserviço se estende ao aspecto de fazer toda uma população acreditar, por meio do mau exemplo, que esta opção é a acertada, que negar a beleza, desprezar a memória e edificar prédios sem alma a parcos metros de monumentos históricos é normal, é necessário, é “progresso”.

Registre-se que aqui não se discute o mérito técnico do projeto apresentado ao Coppam pelo arquiteto Cláudio Valadares, que apenas, como profissional, precisou se ater ao espaço definido pelo “cliente” para a obra. Fruto de um amadurecimento do debate nas redes sociais, e até mesmo no próprio Conselho, é até possível reconhecer um grande número de melhorias em relação às intenções do início do ano para o local.

Neste sentido, trata-se até de um crime bem arquitetado. Mas isso não retira o seu caráter criminoso, o que permite que o assunto seja objeto de provocação no Ministério Público, em razão de o projeto ferir acintosamente a proteção do entorno de um bem tombado.

O atual governo de Campos aprofunda, com esta decisão, as consequências de opções históricas infelizes sobre o local, tomadas pelo governo Raul Linhares, quando ergueu uma enorme cobertura metálica para abrigar a feira livre e encobriu um lado do Mercado, e pelo primeiro governo Anthony Garotinho, quando ergueu estrutura semelhante para criar o Shopping Popular. Para estes dois momentos ainda poderia haver a desculpa de que a consciência de preservação histórica não estava consolidada, tanto sob o ponto de vista cultural quanto da legislação. Hoje, no entanto, o cenário é diferente. Atualmente, as escolhas poderiam ser muito melhores. E não tardará para que as novas gerações paguem o preço de mais este erro.

 

Publicado hoje na Folha

 

Peregrino sai atirando e revela crise no PR do Rio

Peregrino e Garotinho

 

 

Por Marcelo Remigio

RIO – Terceiro maior partido na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), ao lado PSD, e segundo em número de cadeiras na bancada fluminense na Câmara dos Deputados, o PR enfrenta sua maior crise no estado. Desde a derrota do deputado federal (PR) e ex-governador Anthony Garotinho ao Palácio Guanabara — não conseguiu garantir nem mesmo a participação no segundo turno das eleições deste ano —, integrantes da executiva estadual, parte dos parlamentares e um grupo expressivo da militância não se entendem. O ex-secretário-geral da legenda, Fernando Peregrino, que deixou o partido este mês, já anuncia para o início de janeiro um ato simbólico de desfiliação em massa de descontentes com o atual diretório regional.

Além de uma debandada coletiva do partido, os descontentes da legenda ameaçam cair nos braços do governador do Rio e adversário político de Garotinho, Luiz Fernando Pezão (PMDB). O apoio de parte da bancada do PR ao peemedebista enfraqueceria a oposição na Assembleia e a influência do ex-governador na casa. Há ainda a formação de um grupo independente no partido, que não pretende seguir as decisões da executiva, não necessariamente apoiando o governo de Pezão.

Os desentendimentos no PR de Garotinho — presidente regional — se arrastam desde a eleição municipal, em 2012, quando o partido fez dobradinha com o DEM no Rio. A legenda indicou a deputada estadual Clarissa Garotinho, filha do ex-governador, para vice na chapa do deputado Rodrigo Maia à prefeitura carioca. A escolha não agradou Peregrino, que tinha como desejo a disputa pelo município, mas acabou concorrendo à Câmara Municipal. Ele não conseguiu uma cadeira de vereador.

A disputa interna pelo controle do partido e divergências nas decisões da legenda levaram a um novo embate entre a família Garotinho e Peregrino. Mais uma vez Clarissa foi o pivô dos desentendimentos. Peregrino acusa o partido de ter colocado toda a sua estrutura em favor da campanha de Clarissa a deputada federal, preterindo os demais candidatos. A meta da família é cacifar a parlamentar para a disputa pela prefeitura do Rio em 2016. Peregrino concorreu a uma vaga de deputado federal, mas não conseguiu ser eleito.

 

DECISÕES SERIAM FAMILIARES

A deputada do PR — que foi eleita para a Câmara com a segunda maior votação do estado — teria, de acordo com Peregrino, impedido dobradinhas eleitorais e até prejudicado a campanha do pai ao governo do estado:

— Ao impor ao partido que toda a estrutura eleitoral fosse usada em favor de sua campanha, ela acabou prejudicando Garotinho. Muitas vezes ele foi para a rua sem qualquer apoio. Cabos eleitorais e a pouca militância eram usados por ela. A derrota não veio só de embates externos com ‘Pezões’ ou ‘Crivellas’. Fiz esse alerta — reclama Peregrino, que aponta a autoconfiança como outro motivo para a derrota do deputado. — O PR deixou de ter decisões ideológicas para ser um partido de decisões familiares. Cumpri meu papel, defendi eles (família Garotinho), fui leal. Mas saturei. Trabalhistas históricos que acompanham Garotinho não têm mais voz, desrespeitaram o histórico político do grupo — acusa o ex-secretário geral.

O PR tem hoje na bancada federal fluminense seis cadeiras, o mesmo número que o PSD. O PMDB soma oito parlamentares. Dos seis, quatro parlamentares acompanham Garotinho nas decisões e dois são independentes — também não dependem da transferência de votos para se elegerem. Já na Assembleia Legislativa, o PR possui sete deputados, atrás apenas do PMDB, com 15 parlamentares, e o PSD, com oito. Pelo menos cinco parlamentares têm se mantido fiéis ao ex-governador.

— Mas a influência de Garotinho tende a diminuir. Ele deixará de ter mandato, não possui mais a caneta de governador. A casa de Garotinho começou a cair. Já Clarissa é uma adversária dentro do próprio partido, disputa votos com os próprios colegas. Isso só atrapalha o partido — explica um deputado estadual.

Durante as eleições deste ano, Clarissa e Peregrino seguiram caminhos diferentes na campanha. Como se fossem filiados da partidos diferentes, promoviam reuniões em separado. De acordo com interlocutores de Clarissa, Peregrino teria até impedido a participação do grupo de Clarissa na condução do plano de governo de Garotinho. O ex-secretário geral, que foi um dos coordenadores da campanha do PR, também não teria cumprido agendas de rua para pedir votos para o ex-goverN ador.

As disputas internas no PR tem respingado até no apoio da bancada à eleição do futuro presidente da Assembleia Legislativa. O grupo de Clarissa defenderia o apoio a um novo mandato do atual presidente Paulo Melo (PMDB), apesar de adversário político de Garotinho. Já os descontentes querem apoiar a volta do deputado eleito Jorge Picciani (PMDB) ao cargo. A família Garotinho rejeitaria Picciani em função de seu filho, o deputado estadual reeleito Rafael Picciani, ser um nome para a disputa da prefeitura do Rio.

 

CLARISSA EVITA EMBATE

No centro da crise enfrentada pelo PR no Rio, a deputada Clarissa não quis comentar as críticas feitas por Peregrino e a possibilidade de o partido minguar com desfiliações prometidas para janeiro:

— Por todo o respeito que tenho pelo Peregrino e por tudo que ele fez por meus pais, prefiro não falar sobre essa questão. Peregrino sempre foi leal à minha família, foi um bom secretário no governo da minha mãe (Rosinha) e nunca abandonou meus pais quando foi preciso.

Garotinho também não comenta a postura de Peregrino e os estragos provocados pelas desfiliações no PR.

 

Publicado aqui na globo.com 

 

Dentro da Margem da Linha, ainda existe justiça em Campos

Ponto final

 

 

Há justiça em Campos?

Diante de tantas evidências de irregularidades na Prefeitura de Campos, se atropelando quase diariamente e misteriosamente ignorados pelos órgãos de investigação estadual e federais, as perguntas mais frequentes nas rodas de conversa, ou comentários em redes sociais e na blogosfera goitacá, são variações de uma só: existe justiça no município? Pois ontem deu para acreditar que sim, a partir da sentença do juiz Raph Manhães de Azevedo, dando ao governo Rosinha 48 horas para providenciar moradia às 25 famílias, incluindo crianças, que deixou abandonadas entre escombros na comunidade da Margem da Linha, desde o dia 24 de novembro.

 

“Total descaso do município réu”

Ao assinalar o “total descaso do município réu para com aqueles que necessitam dos serviços por este prestado” e o “total despreparo do poder público em lidar com os mais necessitados, sem demonstrar qualquer compreensão com o sofrimento que vem passando aquelas pessoas que residiam e ainda residem na comunidade da Linha”, o magistrado disse que os fatos foram “amplamente divulgados na imprensa local”. Na verdade, apenas a Folha o vinha fazendo, chegando a ser alvo de um pedido de direito de resposta da procuradoria do município, datado do último dia 3 e só entregue no dia 5, no qual pateticamente pretendeu ditar a pauta, a reportagem e a edição do jornal.

 

O pedido e a resposta

A resposta, além da insistência da Folha na cobertura jornalística do caso, diante de famílias humildes a cada dia mais próximas de passar o aniversário do nascimento de Cristo numa manjedoura de tijolos quebrados e vergalhões, veio com a decisão judicial de ontem. Nela, expressa a incredulidade de qualquer cristão: “não é crível que as famílias que se encontram desabrigadas na comunidade da Linha sejam removidas sem qualquer critério ou deixadas ao relento, após suas residências terem sido demolidas ou inutilizadas pela falta de infraestrutura mínima”.

 

Casa ou cadeia?

E para deixar bem claro aos responsáveis que tudo tem um limite, a decisão judicial evidenciou que ele já passou há muito tempo da Margem da Linha: “para cada caso de descumprimento desta decisão, além da configuração de crime de desobediência em seu estado de flagrância, autorizando a prisão (…) dos destinatários desta decisão, quais sejam: o secretário municipal de Família e Assistência Social, secretário de Governo e secretário municipal de Defesa Civil”.

 

Jornal 1 x 0 governo

Com a Folha eleita a alvo de pedidos de direito de resposta inverídicos e arrogantes, como pelo chuviscar garotista de processos judiciais por conta do sucesso sem paralelo local nos blogs que hospeda, fica o endosso àquilo que bem observou ainda ontem o blogueiro Christiano Abreu Barbosa, ao noticiar (aqui) a sentença com exclusividade: “A decisão da Justiça mostra que, mais uma vez, o jornal estava certo e a prefeita errada”.

 

Justiça ainda há

Mas, perto do Natal, o melhor presente para quem acompanhou a história pela Folha veio na determinação judicial: “Deverá também o réu (o município), no prazo de 48 horas, com relação às famílias mencionadas (…) receberem aluguel social” ou “serem removidas para os conjuntos habitacionais deste município através de mandados de verificação e imissão de posse em imóveis que não estejam ocupados”. Quem não entendeu, que olhe nos olhos a criança da foto principal da capa desta edição, feita ontem pelo repórter fotográfico Valmir Oliveira, antes mesmo da sentença provar que ainda há justiça em Campos.

 

Publicado hoje na coluna Ponto Final da Folha da Manhã

 

Deixadas para trás pelo “Morar Feliz” do governo Rosinha, as crianças da Margem da Linha precisaram de uma decisão judicial para garantir seu Natal fora dos escombros (foto de Valmir Oliveira - Folha da Manhã)
Deixadas para trás pelo “Morar Feliz” do governo Rosinha, as crianças da Margem da Linha precisaram de uma decisão judicial para garantir seu Natal fora dos escombros (foto de Valmir Oliveira – Folha da Manhã)

 

 

Capa da Folha de hoje
Capa da Folha de hoje

 

 

 

Acic repudia aumento abusivo de Rosinha no IPTU e taxa de iluminação

A assessoria da Associação Comercial e Industrial de Campos (Acic) divulgou hoje, no início da tarde, uma nota oficial de repúdio ao aumento de mais de 31% no IPTU e na taxa de iluminação pública, propostas pela prefeita Rosinha Garotinho (PR) e aprovada pelos vereadores governistas, com os votos contrários da oposição (relembre aqui). Confira abaixo:

 

Acic Campos

 

Acic repudia o aumento abusivo do IPTU e Taxa de Iluminação

O presidente da Associação Comercial e Industrial de Campos (Acic), Amaro Ribeiro Gomes, informou que estará marcando reunião com a sociedade civil e organizada para discutir o aumento abusivo da Taxa de Iluminação Pública e do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) pela Prefeitura de Campos com o aval dos vereadores que aprovaram o reajuste.

Na manhã, desta quinta-feira, a diretoria da Associação Comercial e Industrial de Campos, realizou uma reunião para discutir este assunto. Após horas, decidiram convocar a sociedade para entrar nesta luta, já que os índices aplicados na correção do imposto superam aos índices da inflação do país e que vem desagradando tanto às pessoas físicas como os comerciantes.

Amaro Ribeiro Gomes, destacou que se existe defasagem deveria ser aplicado de forma escalonada para não prejudicar à população campista, que tenta manter suas obrigações em dia. O presidente da Acic também não tira a responsabilidade da Câmara dos Vereadores de Campos, que aprovaram o reajuste, sem que pelo menos discutissem os valores a serem corrigidos.

 

Atualização às 14h48: O blog Na Curva do Rio, da Suzy Monteiro, postou a informação em primeira AQUI.

 

As diferenças entre Campos e SJB na defesa do bolso do cidadão

Ponto final

 

 

Semelhanças e diferenças

A vizinhança, os hábitos de veraneio e o curso do rio Paraíba do Sul, que corta um município antes de encontrar sua foz no outro, sempre aproximaram Campos de São João da Barra (SJB). Já naquilo que os diferencia, a história talvez guarde poucos exemplos como as atitudes recentes dos vereadores que representam (ou deveriam) cada cidade. Dos campistas, na sessão da última terça, só os cinco da oposição tiveram coragem de votar contra o aumento abusivo de 31,7% do IPTU (aqui)? Pois um dia depois os nove edis sanjoanenses recusaram unanimemente a proposta de um aumento médio ainda maior do mesmo imposto (aqui), durante sua sessão de ontem.

 

Contribuinte defendido e lesado

O exemplo dos vereadores de SJB na defesa do bolso dos seus munícipes, que os elegeram e pagam seus salários, se torna ainda mais gritante no contraste com a omissão vergonhosa do Legislativo de Campos, quando constatado que no município vizinho todos os nove edis votam com o governo. Bem verdade que a atitude sanjoanense foi influenciada pela forte reação popular no município vizinho, da qual a Folha foi porta-voz, contra o aumento do governo Rosinha Garotinho (PR) empurrado goela abaixo do povo campista, na sua “Casa do Povo”, por um “rolo compressor” bancado pelas benesses pagas pelo contribuinte indefeso e mais uma vez lesado.

 

Oposição cidadã

Se foi o caso, os vereadores sanjoanenses merecem elogio, na pior das hipóteses, pela capacidade de reação, ao não repetirem os erros do vizinho. Bem verdade que, entre os governistas de Campos, Jorge Magal (PR) se absteve, não só na votação do aumento do IPTU, como no aumento de 31,7% da taxa de iluminação pública, igualmente acima da inflação, mas igualmente aprovado, a despeito os votos contrários também dos ex-“independentes” e atuais governistas Alexandre Tadeu e Dayvison Miranda (ambos do PRB), que se uniram momentaneamente à oposição na defesa do bolso do cidadão.

 

Abuso não desce o rio

Segundo as fontes sanjoanenses revelam, o aumento do IPTU proposto pelo governo Neco (PMDB) seria inicialmente entre 500% a 1.000%, reajuste que teria sido reduzido numa reunião do prefeito com os vereadores, na última quinta-feira, para um índice entre 80% a 100%. Como ainda assim era bem superior ao aumento já abusivo de Rosinha, os governistas vizinhos avaliaram a reação do povo campista, temeram pela dos sanjonenses e recusaram a proposta, solicitando ao prefeito o recadastramento imobiliário do município e jogando a questão para 2015.

 

Reação ou tosa

Na dúvida de como ficará a questão do IPTU de SJB e Campos, algumas certezas. A primeira: os aumentos impostos aos campistas são abusivos. Segunda: Neco apoiou Luiz Fernando Pezão (PMDB) em outubro, enquanto Rosinha ficou com quem sequer chegou ao segundo turno, vencido pelo governador em cinco das sete zonas eleitorais de Campos. Terceira: quem deveria pagar a conta de uma eleição perdida é quem a perdeu, não quem elegeu o vencedor. Quarta: São João da Barra jamais cobrou taxa de iluminação pública aos seus munícipes. Quinta: quem agir como cordeiro, será tosquiado.

 

 

Publicado hoje na Folha