Sete balas, 32 contos — Paula Vigneron lança livro hoje no Sinasefe

Aos 22 anos, Paula Vigneron lança hoje seu primeiro livro, com contos que escreve desde os 15 (foto de Tércio Teixeira - Folha da Manhã)
Aos 22 anos, Paula Vigneron lança hoje seu primeiro livro, com contos que escreve desde os 15 (foto de Tércio Teixeira – Folha da Manhã)

 

 

Sete balas ao luarPor Aluysio Abreu Barbosa

 

“Compartilhando segredos, aventuras, paixões tão passageiras quanto um sopro de vento”. Desde o seu primeiro conto, “Solidão”, escrito por uma adolescente de 15 anos, Paula Vigneron impressiona pela maturidade da prosa ao compor o prefácio que não há para o seu livro de estreia, cujo lançamento com noite de autógrafos acontece hoje, às 20h, no Espaço Cultural Fulinaíma do Sinasefe, na rua Álvaro Tâmega, nº 132, Centro. Reunidos em ordem não cronológica pela editora carioca Autografia, são 32 contos escritos entre 2008 e 2015, fechados com aquele que, pela força do título, a autora escolheu para batizar também seu livro: “Sete balas ao luar”.

Jornalista e crítica de cinema, lidas desenvolvidas como ramos da mesma raiz de escritora em semeadura precoce, Paula apresenta muitas influências em seus contos; e não só literárias. Do cinema, por exemplo, a jovem escritora assumidamente ecoa do sueco Ingmar Bergman (1918/2007) e do estadunidense Woody Allen — o diretor de drama, não o comediante — alguns questionamentos existenciais primários da humanidade: Quem sou? De onde vim? Para onde vou? Quanto tempo tenho? Que diabos estou fazendo aqui?

Com a cara de Woody Allen impressa às máscaras opostas (e complementares) da comédia e da tragédia, é esta segunda o alvo dos disparos de “Sete balas ao luar” — inclusive no conto que dá nome ao livro, ambientado no sertão de Sergipe, com as bênçãos de “São Lampião”. Quase sempre ácido, algumas vezes mórbido, há humor aqui e ali. Mas é a realidade na qual Virgulino Ferreira da Silva foi executado a tiros que prevalece na ficção de vida e morte de Zé do Cangaço:

— Segurou, novamente, as munições que trazia em seu bolso. Pediu a Lampião que não precisasse usá-las contra si na tentativa desesperada de calar os gritos interiores (…) Ao seu lado, colocaram a sua carabina e sete balas, em forma de cruz, para protegê-lo nas noites de luar.

E mesmo “lá para as terras do Sudeste”, onde “a forte estiagem havia atingido a todos, independente de classe e cor”, a coisa não parece não independer tanto assim. Algumas páginas antes, em cenário talvez familiar aos campistas, um menino de rua se levanta e deita no papelão, “seu companheiro de dias e noites assustadoras”, para encarnar o “Invisível” dentro de uma sociedade que desfila sua ânsia de consumo no “calçadão do Centro da cidade” — qual seria?

Se o final feliz passa longe das histórias de fôlego curto e pegadas fundas de Paula Vigneron, a leveza bate ponto em seu processo de criação, quase sempre emprenhado de música. Da MPB de Chico Buarque, Elis Regina e Milton Nascimento ao suingue jazzístico de Frank Sinatra. Este, aliás, conhecido como “A Voz”, tem a sua vencendo o limite entre realidade e ficção ao entoar “The way you look tonight”, no conto “A primeira dança”.

Além de inspiração, quem também dá as caras como personagem é Woody Allen. O cineasta novaiorquino faz uma ponta no conto “1975”, quando pisca à protagonista atônita. Vinda de uma viagem no tempo e no espaço para uma Manhattan imaginária, ela baila sem respostas ao som de “Cause I was Born to the blue”, após ser convencida pelo conselho do seu par:

— Pare de se questionar, querida. Você pensa muito. Sinta mais e reflita menos.

Recurso utilizado desde o primeiro conto adolescente, a narrativa retroativa em flashback bate ponto em boa parte do livro. A partir dela, um passado geralmente mais feliz é contraposto ao presente de desencanto, causado por alguma perda ou traição, algum tipo de tragédia humana quase sempre fadada a gerar outra, tão grave ou mais, ao final. E, única certeza da vida, a morte parece estar à espreita nas esquinas dos parágrafos.

Todavia, no lugar de ponto final, é posta a possibilidade de (re)começo. Em “Condenados”, terror e humor negro se misturam numa história deliciosa de voyeurismo e vendeta:

— Sem dúvida, a vingança é um prato que se come frio. Frio, assim como meu corpo inerte que, agora, apodrecia sob a terra (…) Permaneceríamos juntos como juráramos diante do padre quando nos casamos. Na alegria e na tristeza. Na saúde e na doença. Na riqueza e na pobreza. Mas nem a morte nos separa.

Em alguns contos, personagens e autora parecem unidos por laços semelhantes. Em “Ilhas”, difícil não pescar algo de autobiográfico na Marina, em quem Fábio acaba por fim acreditando ter “deixado marcas nas terras quase intocáveis em que a doce garota estava escondida e isolada pelas águas furiosas que a atormentavam”.

Neste istmo capaz de transformar qualquer ilha em península, ligando-o a outra ilha ou ao continente, também é possível avistar a prosista real refletida no fictício escritor Daniel, na maré baixa do conto “Comunhão literária”:

— As palavras eram suas companheiras. Refugiava-se nelas para encontrar o destino que lhe cabia (…) acreditava na independência delas e suas ações. O rapaz, no fundo, era guiado pelas letras (…) Comovia-se com a dor do outro, que passava a ser sua até conseguir transformá-la em palavras.

Do lado de cá das páginas, a moça também!

 

Folha Letras de hoje, na contracapa da Folha Dois
Folha Letras de hoje, na contracapa da Folha Dois

 

Publicado hoje na Folha Dois

 

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