Guilherme Carvalhal — O míssel

Carvalhal 08-09-16

 

 

Um dia, na pequena, pobre e desconhecida nação de Rondanovi, o presidente realizou um comunicado oficial transmitido por todas as estações de TV:

— Iremos construir o primeiro míssil de nosso país.

O povo embasbacou. Acharam que afrouxou um parafuso do presidente, que de tanto lidar com líderes políticos de nações em guerra se deixou contaminar pelo espírito belicista. Nos programas de debate político, os comentaristas tentavam compreender quais as intenções dessa proposta, sem chegarem a nenhuma resposta lógica, tendo em vista que Rondanovi jamais entrou em uma guerra e nem havia qualquer probabilidade ou pretensão para o mesmo.

Diante da repercussão, a assessoria de comunicação da presidência iniciou um forte trabalho de divulgação para explicar em detalhes o que se passa por trás da proposta. Utilizaram de todos os meios para a população compreender por completo e sem desvios as reais intenções do mandatário.

O plano do governo visava inserir a república na modernidade das técnicas de combate. Em plena época dos drones e de veículos de combate não-tripulados, o país ainda utilizava velhos fuzis da Segunda Guerra Mundial. Esse passo à frente precisava acontecer o mais breve possível e o momento era esse, pois as nações imperialistas facilmente invadiriam o país de olho em sua jazidas de potássio e no plantio de flores artesanais, principal produto de exportação.

Meio a contragosto, os eleitores engoliram a ideia. Não parecia nada de urgente, mas poderia ser útil. Poderia não ter utilidade, mas não havia pressa para acabar. E assim tocaram adiante.

Com o início do projeto, aumentou a demanda no consumo de aço. Os engenheiros testavam muitas possibilidades, então a mineração de ferro e a siderurgia cresceram. Também surgiu demanda por combustível para o motor. E daí se seguiram vagas na indústria de peças, pintura, na estrutura de disparo, etc.

Em poucos meses o desemprego do país despencou a níveis espantosos. Os estatísticos analisaram e concluíram que foi o melhor desempenho financeiro de sua história. A cadeia bélica estimulou de arrasto a agricultura, a construção civil, o comércio e o setor de serviços. Rondanovi finalmente ganharia respeito.

A empolgação contagiou os cidadãos. A felicidade cresceu, as festas aumentaram, os compositores criavam melodias enaltecendo o ponto de excelência ao qual a nação atingia. As crianças agora se orgulhavam de usar os uniformes escolares nos tons da flâmula e pela primeira vez a fala do presidente na Assembleia Geral da ONU foi levada em consideração pela comunidade internacional:

— Ainda exportaremos mísseis — mencionou um dos chefes da equipe de desenvolvimento em um talk show. Seu otimismo o levou a considerar futuramente a instalação de um amplo complexo industrial militar, com a produção de armas, veículos, aeronaves e até sonhava com o ápice: a bomba atômica.

Meses depois, quando o presidente anunciou a conclusão do projeto e que Rondanovi agora dispunha de seu próprio míssil com tecnologia nacional, o povo enlouqueceu. Pelas muitas cidades o festejo tomou conta das ruas e nunca se registrou tantas execuções do hino nacional.

No dia oficial do lançamento, a população compareceu em peso à base aérea. Empunhavam a bandeira do país em total êxtase com a novidade. A banda marcial executava muitas músicas e no palanque o locutor discursava em tom ufanista.

Quando principiaram a contagem, o público acompanhou uníssono. 10, 9, 8, a emoção aumentava, corações palpitavam, 7, 6, 5, o presidente roía as unhas querendo que tudo desse certo. 4, 3, 2, os mais frágeis até desmaiaram antes da hora.

1. O míssil subiu e muitos flashes de câmeras de celulares brilhavam registrando o instante. O míssil atingiu uns vinte metros de altura quando se notou que perdia força. A explosão diminuía bem antes de chegar ao apogeu e ele perdia altura paulatinamente. Junto a esse efeito, a fuselagem começou a desmontar, soltando placas de metal e disparando rebites feito tiros. Aquela estrutura nas cores da bandeira e com o brasão de armas do país se desmontava, deixando a ossatura externa exposta. Essa sucata caiu até o auge do vexame: a ogiva espatifou no chão e não explodiu.

O povo chorou ao testemunhar o sonho não concretizado. As esperanças se desmontaram e se transformaram em rebotalho chovendo sobre a ampla planície. Cabisbaixos, deram as costas abandonando a cerimônia marcial e o presidente, esse aos prantos perante a vergonha pública. Resignados, retornaram para casa aguardando o dia em que novas promessas do presidente resgatassem sua capacidade de serem felizes.

 

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