Artigo do domingo — Para quem lutou lado a lado na mesma linha

Criança em Termópilas (Foto de Aluysio Abreu Barbosa)
Menino diante a Leônidas em Termópilas (Foto: Aluysio Abreu Barbosa)

“Venha buscá-las!”

 

Para quem só conhece Grécia Antiga a partir do filme “300” (2007), de Zack Znyder, pode parecer que a força física, habilidade e coragem individuais fizeram com que um pequeno contingente de helenos, liderado por 300 espartanos, conseguisse resistir por três dias, na Batalha de Termópilas (480 a.C.), à invasão do Império Persa contabilizada em 1 milhão de soldados. Mas quem conheceu o episódio por Heródoto (484/425 a.C.), em sua “História” (livro que batiza a ciência, não o contrário), ou por seus companheiros de lida subsequentes, sabe que a grande responsável pela façanha foi a tática coletiva dos gregos.

Com cerca de 35 kg de bronze sobre o corpo, entre armadura, elmo, caneleiras, braceletes e o escudo redondo (hóplon, daí o soldado de infantaria ser chamado de hoplita), mais a lança longa (sarissa) e uma espada curta, só usada como último recurso, um único soldado grego era pesado, lento e desajeitado. Todavia, a partir da coesão numa mesma linha, cada hoplita tinha o peito protegido pelo escudo erguido pelo braço canhoto do companheiro à sua direita, enquanto fazia o mesmo com quem estava à esquerda. E, a despeito da aparência coletiva de um porco espinho na batalha, unidos no compromisso de defesa das suas cidades, os gregos foram quase imbatíveis.

Treinados desde muito jovens na sua arte da guerra, no atletismo e na filosofia (saber ainda não compartimentado em ciências particulares) todo soldado grego era um cidadão, treinado para lutar e ciente do por quê. E há quem afirme, como o historiador francês Fernand Braudel (1902/85), que a democracia teve parto natural, sobretudo na Atenas cosmopolita e mercantil, quando essa tática de paridade coletiva da linha de hoplitas migrou do campo de batalha à vida civil. Um escudo erguido sobre o peito do companheiro em defesa da cidade na guerra, um voto para definir seus rumos na ágora.

Na última semana, o jornalista e blogueiro Alexandre Bastos se despediu da Folha da Manhã. Agora, responde pela coordenação da Chefia de Gabinete do governo eleito Rafael Diniz (PPS), que assume o poder em 1º de janeiro de 2017. Mas foi neste jornal que, entre vindas e idas, Bastos passou quase metade da sua vida. Em 2001, aos 19 anos, teria sua primeira experiência profissional na Folha, como corretor de anúncios, por indicação da sua tia materna, a saudosa jornalista Ângela Bastos (1946/2007), que fez história no jornalismo campista e na Folha.

Na redação do jornal, Bastos iniciaria em 2004, aos 22 anos. Após ter estreado como jornalista na revista “Caraca”, dos publicitários Gustavo Alejandro Oviedo e José Ronaldo, ele enviou um artigo intitulado “A Terra do Nunca”. O texto crítico sobre a mentalidade tacanha de alguns setores da sociedade goitacá abriu as portas para que se tornasse articulista da Folha, onde passou a opinar semanalmente sobre política, esporte e cultura.

No ano seguinte, em 2005, aceitou o convite para trabalhar como repórter da Folha Dois, onde foi colocado como “foca” do jornalista Aloysio Balbi, com quem já comungava a mesma criatividade superlativa no texto. Sete meses depois, mesmo a contragosto, foi posto na editoria de política, até deixar a Folha pela segunda vez em 2006, ano de eleição municipal suplementar, na qual atuou pela primeira vez como assessor de imprensa.

Em 2007, Bastos voltou ao jornal como editor da Folha Dois, função na qual permaneceu até o fim daquele ano, quando atuou novamente como assessor de imprensa. Por fim, retornou à Folha em novembro de 2008, onde ficou até agora. Nestes últimos oito anos, foi repórter e editor (novamente contra a vontade) de política, repórter e editor interino de esportes, colaborador do “Ponto Final”, colunista social e blogueiro — função na qual se revelou um fenômeno de popularidade inédito e ainda sem par na mídia virtual goitacá.

Piadista talentoso, quase sempre capaz de arrancar uma gargalhada de quem chegaria com uma queixa, Bastos padece assumidamente da mesma contradição do coelho Pernalonga: adora brincar, mas se revela pouco paciente quando alvo da brincadeira. Como jornalista, além da criatividade no texto, tem perspicácia incomum na apuração. Se às vezes “morcega” no meio de campo, como o ex-craque francês Zinedine Zidane, é capaz de sair da aparente letargia, quando a cobrança se impõe, para produzir de relance uma sequência de jogadas inesperadas e, não raro, definir a partida.

Mais do que ele possa ter aprendido em nosso convívio, Bastos foi para mim um “professor” generoso do jogo jogado da política, do qual se tornou antes melhor leitor, apesar de uma década mais novo. Tivemos nossos problemas, sobretudo no entrechoque de vaidades. Mas soubemos superá-los e, penso, construímos uma sólida amizade, sobretudo quando a idade revelou a ambos que produzíamos um melhor jornalismo atuando na mesma linha, um ao lado do outro e de todos os demais — sem ninguém à frente ou deixado para trás.

Sobre seu novo desafio no governo de Campos, respondeu quem antes vivia de indagar: “Agora, quando a nossa cidade vive o fim de um ciclo, vejo que também é o momento de iniciar um novo momento em minha vida. Deixar o papel de narrador e entrar em campo. Unir aquela vontade de mudar o mundo, que estava presente nos primeiros artigos, com o lado mais pragmático de quem já é pai de família e sabe que os grandes feitos dependem mais de transpiração do que de inspiração”.

Da lição final de João Cabral de Melo Neto (1920/99) aplicada da poesia ao jornalismo e à própria vida, agora em campos diferentes na defesa da mesma cidade, redefinida em rumo pela democracia conquistada ao custo de tantas batalhas perdidas e ganhas ao longo da história, desejo, em nome da redação da Folha, toda a sorte do mundo a um dos seus nomes mais talentosos. No que há de particular, destaco: ter atuado profissionalmente ao lado de Bastos é dos orgulhos que levarei destes 26 anos de jornalismo.

Ao futuro, ecoa a resposta do rei Leônidas (540/480 a.C.), comandante espartano morto em Termópilas, ao persa que lhe ofereceu ouro para entregar as armas: “Malon lave!” (“Venha buscá-las!”).

 

Publicado hoje (13) na Folha da Manhã

 

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Este post tem 11 comentários

  1. Sandra Santos

    A verdade dita com todas as letras .Parabéns Alexandre Bastos “O defensor”.O nossos nomes tem a mesma origem .Somos leais e defensores da verdade.Profissional competente ,marido dedicado ,pai amoroso .Eu tive a maior alegria em participar,como auxiliar , de sua maior obra :teu filho Antônio.Que Deus te guie ,siga com ele .

  2. LUIZ FERNANDO FRANÇA VIANNA

    BASTOS, SENTIREI SUA FALTA, POIS SEMPRE FUI LEITOR ASSÍDUO DO SEU BELO ESCREVER, SEMPRE COM IMPARCIALIDADE!MAS SE É PARA AJUDAR AO RAFAEL DINIZ, NOSSA ESPERANÇA PARA DIAS MELHORES EM NOSSA CAMPOS DOS GOYTACAZES-RJ.,PARABENIZO.

    RESPEITOSAMENTE,

    LUIZ FERNANDO

  3. Adriana Viana

    Que venham os bons. Eu vejo um novo começo de era, de gente fina, elegante e sincera. Que o verde floresça.

  4. Marta

    Sei que fará o seu melhor, Bastos.Torço pelo seu bom desempenho.Sucesso.Siga em frente.

  5. AFONSO CARLOS

    NA QUALIDADE DE ASSINANTE E LEITOR DESSE MAGNÍFICO JORNAL DESDE O PRIMEIRO EXEMPLAR, RECEBO SEM SURPRESA A UNIÃO RAFAEL-BASTOS, DUPLA HONESTA SOBRE TODOS OS PONTOS, DIGNA DO RESPEITO DE UMA COMUNIDADE TÃO SOFRIDA E ESPERANÇOSA DE DIAS MELHORES. COM DEUS NO COMANDO CAMPOS VOLTARÁ A SORRIR.

  6. Alexandre Bastos

    Em 2004, ao enviar um texto por e-mail, ganhei professor que me tirou da zona de conforto e me colocou em campo para jogar. Muito obrigado, meu amigo. Gratidão eterna!

  7. Arnaldo França Vianna

    parabens Alexandre voce merece, sucesso

  8. Azevedo

    Uma justa homenagem a quem soube na lida diária, trazer ao leitor, com maestria e destreza os assuntos pertinentes à política, contribuindo para o bom debate.Em especial da nossa Campos e região.

  9. carlinhos j.carioca

    Desejo toda sorte e sucesso ao Bastos,claro que vou sentir a sua falta diariamente,porém,espero que seja uma pessoa receptiva e nos de informações sobre a nossa cidade,porque a anos que nada sabemos,a não ser das propagandas mentirosas pagas na mídia.Sei que não será seu trabalho,mas isso eu cobrarei do Rafa que é um funcionamento digno da Ouvidoria,coisas que JAMAIS FUNCIONOU.Me lembro que sempre cobrei dos governos(independente de nomes),e já houve casos de me ligarem da propria Ouvidoria para solucionar o problema cobrado…nesses ultimos anos nem pelo Site,telefone ou email…nada consegui.Um grande abraço e obrigado pelas suas informações e carinho com os seus eleitores.

  10. Luciano Barreto

    Tenho grande admiração aos textos e argumentos do Bastos e desejo sucesso nessa nova etapa, a folha e nós perdemos de um lago, mas com certeza Campos ganhará, e sentiremos saudade de suas colocações e cometários e criticas políticas. Vida longa guerreiros.

  11. Savio

    Aí está uma homenagem justa e com uma analogia muito bem colocada e merecida. Sou um leitor assíduo da Folha da Manhã, onde guardo com carinho o primeiro exemplar do jornal, acompanho a evolução tecnológica, bem como a preocupação na manutenção da qualidade da informação.

    Estou certo de que o Alexandre Bastos estará cumprindo com o mesmo zelo a sua função junto ao novo Governo, mas vamos sentir falta aqui no espaço dos blogs da Folha da Manhã.

    Parabéns ao Aluysio por reconhecer as qualidades do parceiro, e estou certo de que com a parceria ambos cresceram, parabéns ao Bastos por continuar na lida e com o aumento das responsabilidades e que continue sendo tirado da “zona de conforto” e conquistando vitórias nas grandes batalhas!

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