Ocinei Trindade — Rosíssima Garotíssimo

 

Ocinei 20-12-16

 

 

“Quando a festa estiver no auge, é hora de ir embora”. Ouvi da cantora Tina Turner a frase anterior durante entrevista quando ela se despedia dos palcos em grandes shows. Fiquei pensando, pensando, e acho que faz sentido mesmo, pois quando a festa está se arrastando até o dia clarear, quase sempre há bêbados, decadentes e decrépitos além da conta pelo salão. A festa fica com cara de baile dos horrores ou com alegria forçada. Rosinha Garotinho, a bela, teve tudo para sair de cena no auge da festa, mas creio que não será bem assim neste fim de mandato como prefeita de Campos dos Goytacazes.

Rosinha poderia ter saído de cena com algum prestígio após deixar o cargo de governadora do Rio de Janeiro (foi a primeira mulher eleita na história estadual para a função), um dos estados mais importantes do Brasil. Apesar de acusações e críticas por parte da sociedade, da elite e setores da imprensa à época, ela tinha popularidade suficiente juntamente com seu marido, o ex-governador Anthony Garotinho, para ajudarem a eleger o seu sucessor, Sérgio Cabral Filho. E assim foi. Depois, como se sabe, tornaram-se inimigos políticos. O poder de Cabral espalhou-se bem mais, como também sabemos.

Rosinha queria ser atriz, cantora, artista, apresentadora de televisão. E foi assim, apesar dos desvios e fracassos nessas áreas. Seus melhores desempenhos na dramaturgia até hoje foram ser esposa e matriarca, além de dublê de governante. Sempre linda, certamente. Para mim, ela e o ex-governador Anthony Garotinho não são políticos provincianos como muitos cariocas preconceituosos adoram desdenhar de quem vem do interior fluminense, mas são personagens que já fazem parte da história política, do imaginário popular, além do anedotário que costuma render todo tipo de piada e críticas.

O casal Garotinho parece mesmo um par perfeito. Eles são muito inteligentes, apesar dos vícios do poder. Um casal mais próximo dos Kirschner do que dos Clinton, e anos-luz distante dos Obama. Se comparados a outros casais de políticos brasileiros, os Garotinho diferem do casal Amin, do casal Camata e do ex-casal Suplicy.  Os Garotinho costumam causar mais comoção por onde passam. Basta lembrar a cena da ambulância em frente ao hospital público que levaria preso o ex-governador para o presídio de Bangu. Cena histórica, apesar das atuações terem dividido opiniões. Uns acreditaram, de fato, mas outros consideraram fingimento e nada convincentes, faltando um diretor mais competente (quem sabe o Luiz Fernando Carvalho). Esta cena em particular, para mim, foi a típica situação de gente que preferiu ficar até o fim da festa, quando poderia ter ido embora  na melhor parte. E se assim fosse, não precisariam ser vistos em situação vexatória ou serem alvo de fofoca e intrigas. Ninguém quer ir para Bangu, seja bandido ou gente de bem, a não ser em casos extremos (há quem se sinta mais seguro dentro do que fora da cadeia). E ter dois ex-governadores presos em Bangu ao mesmo tempo é quase um atentado à segurança nacional, como chegou a ser um tremendo risco quando Cabral e Garotinho estiveram no local naquela mesma semana surpreendente.

Muitos amam Rosinha e Garotinho. Já outros querem ver sua condenação máxima (seria ódio, inveja ou desprezo?). Há muitos anos, uma amiga vidente teve um sonho terrível com o casal. Sonhara que as cabeças de Rosinha e Garotinho estavam decapitadas e expostas em vidros como se fossem troféus em praça pública. Não sei se ela associou o casal a outro casal histórico: Lampião e Maria Bonita. Fiquei chocado também com a suposta imagem que ela narrara. Na semana passada, quem teve sonho ruim fui eu. Sonhei que Garotinho me telefonou me fazendo uma série de questionamentos sobre o que escrevo. Ele não se identificou, não reconheci sua voz e perguntei quem era. Quando disse seu nome, respondi: “quanta honra receber sua ligação”. Acordei assustado, mas voltei a dormir e tive outro sonho ruim. Passei a língua por toda a boca e dei por falta de três dentes. Um pesadelo, na verdade. Qual será o significado dos sonhos? Acho que os políticos brasileiros têm nos aterrorizado cada vez mais. Dormir tranquilo é para os fortes.

As ambições do casal Garotinho às vezes lembram aquelas que o casal Macbeth aspiraram em um reino não tão distante daqui. Vale tudo para chegar e se manter no poder? Alguns falam que nenhum político sobrevive sem sujar as mãos ou sem mentir. Há políticos que dão um jeito de matar seus adversários de uma maneira ou de outra (desconstroem, caluniam, criam fatos, fazem a mentira se tornar verdade e vice-versa, minam a existência dos oponentes, envenenam a alma, adoecem, aniquilam, jogam pesado, mas se um dia for preciso abraçar o inimigo e se tornarem aliados, assim o farão). Matam também seus eleitores e seguidores, pois eles nos enchem de esperança e promessas de uma vida mais digna, justa e melhor, mas não dão conta, nos deixando ainda mais vulneráveis, inseguros e mais empobrecidos: o dinheiro púbico é desviado em obras por empreiteiras de grande porte como a Odebrecht, além daquelas de fundo de quintal ou empresas fantasmas. Conseguem nos tirar o melhor que possuímos. Roubam-nos dinheiro e dignidade. Até quando?

Todos nós sempre soubemos dos esquemas de propinas que envolvem políticos, empreiteiros e fornecedores em todo o Brasil, mas como provar e acabar com essa prática criminosa sem juízes, promotores e policiais suspeitos ou acima de qualquer corrupção? É difícil cobrar índole e decência das autoridades quando a população pratica também tantas mentiras e desonestidades (das menores às enormes). Somos nós que elegemos políticos com fichas sujas, suspeitas de crimes ou condenados pela justiça. A imprensa tem noticiado uma lista enorme de políticos de todo o país que receberam algum tipo de ajuda em milhões de reais de executivos da Odebrecht. Entre eles, Rosinha, Garotinho e Clarissa, além de tantos outros do estado do Rio de Janeiro como Francisco Dornelles, Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Lindberg Farias, e outros nomes menos expressivos. Todos negam envolvimento, pois admitir um crime desses é sentença garantida. E por aí vai esgoto abaixo nossa moral política brasileira. Triste, muito triste esse fim de festa.

Quando Rosinha se candidatou à reeleição para a prefeitura de Campos dos Goytacazes, eu estava fora da cidade e quis escrever uma crônica sobre ela. Desisti. Pessoalmente, eu tinha uma mágoa e queixas com o seu governo que devia a mim e à minha mãe dinheiro de aluguéis referentes ao Programa Saúde da Família iniciado nas gestões passadas, e que fora extinto pela gestão da prefeita. Outras cerca de sessenta famílias que alugaram suas casas para o PSF se viram na mesma situação, além de terem seus imóveis depredados, sem devolução ou aluguéis em atraso.  Foram mais de quatro anos sem receber pagamentos (quando por fim pagaram, foi sem correção e sem juros) e as obras de reparação do imóvel não foram concluídas. Um prejuízo financeiro e emocional, pois minha mãe dependia desse imóvel para se manter, e morreu sem ter o caso solucionado. Este é um exemplo do que é a má-gestão pública com o dinheiro público. Pedi a todos os seus assessores próximos uma solução, e apenas recebia tapas nas costas e promessas: “vamos resolver”. E olha que eu era uma pessoa relativamente conhecida, trabalhava na imprensa (imagina um anônimo sem contatos dentro do governo?). A festa já tinha terminando para mim e eu fui obrigado a esperar até o final, sem nenhum sorriso nos lábios, nem música, nem comida ou bebida. Algumas pessoas do governo nem me cumprimentam mais. E outros, mais ofendidos, me excluíram do Facebook (quase uma ciberinquisição, vejam só).

Não sei se a lista de delações de executivos da Odebrecht envolvendo os membros da família Garotinho é verdadeira, mas as denúncias já são investigadas pelos agentes da operação Lava-Jato. Não sei que apelidos lhes foram dados pelos executivos da mega-construtora, já que eles já são naturalmente apelidados ou em nome ou em sobrenome, Não sei se eles chegaram ao fim da carreira política com tantas denúncias e inimizades em toda a parte como verificamos.

Não sei se daqui a dois anos, Rosinha, Clarissa ou Garotinho se candidatarão ou se conseguirão serem eleitos para qualquer cargo ou mandato político. Não sei se uma nova festa será programada por eles e seus aliados e quem irá aos bailes da família. Não sei se o próximo governo que sucederá Rosinha conseguirá recuperar a auto-estima e a esperança da população de Campos. Não sei se Rosinha que agora usa cabelos longos e lisos retomará sua carreira de atriz iniciada nos palcos do Teatro do Sesi e Teatro de Bolso de Campos; se fará novelas bíblicas na TV Record como A Terra Prometida; ou se gravará um álbum com os cantores Elymar Santos e Joanna; se vai se dedicar apenas à família e aos netos; se vai escrever um novo livro de memórias ou de denúncia sobre quem quer prejudicar e eliminar seu marido, a ela e os seus (o estilo Truman Capote poderia inspirar a narrativa, quem sabe) como ela relatou sofridamente sobre o homem-bomba ao jornalista Roberto Cabrini no programa Conexão Repórter, do canal SBT.

Não sei se os Garotinho se converterão à uma nova fé, e quem sabe, se repetirão a antiga tradição judaica de mudar de nome quando uma nova vida se iniciar, como Abraão, Sara, Paulo e Jacó o fizeram. Só sei que a festa de 2016 está acabando. No dia 31 de dezembro, o último a sair da Prefeitura de Campos deve apagar a luz. Não desejo o mal a nenhum de nossos governantes. Ao contrário. Que sejam abençoados. E que, se forem condenados pela justiça dos homens ou divina, que paguem, pois “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois eles serão fartos” (Matheus 5:6). Acho que este fim de festa não foi feliz nem para os Garotinho, nem para as pessoas que vivem nesta cidade, e também no estado do Rio de Janeiro e em todo o Brasil. Perdemos muito. Estamos com a imagem bastante desgastada. Melhor seguirmos a sugestão de Tina Turner ao sair de cena. É hora de ir embora para a casa. Por enquanto, não há nada mais para festejar.

 

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