Fabio Bottrel — Perguntas
Leonard Cohen – Going Home
Caro leitor, gostaria que parasse de ler esse texto por um instante, fechasse os olhos por alguns segundos e tentasse imaginar uma cor que ainda não exista.
Não dá.
Portanto, nossa mente não é tão ilimitada quanto aparenta.
Como tentou fazer com as cores, unindo uma à outra na esperança de surgir uma nova, será que não fazemos isso com o mundo a nossa volta?
Jakob Von Uexküll, filósofo e biólogo estoniano, criou uma teoria chamada Umwelt, que infere a realidade como o mundo subjetivo de cada organismo vivo, ou seja, enxergamos a realidade até onde os nossos sentidos nos permitem enxergar e a interpretação que damos a ela. Tomando o mundo como a projeção de nossas percepções sensoriais, a interpretação física e cultural que damos a ele, unindo fatos desde os primórdios, não poderia estar de alguma maneira desconexa? E para reforçar tal comportamento desarmônico não poderia ser a criação de um Estado que perpetua tal interpretação distorcendo a realidade? Como dificilmente vemos um assaltante com realidades diferentes um do outro, então, para quem foi feita a lei?
Como escreveu Samuel Richardson, a lei não foi feita para os homens honrados, mas inquieta-me a pergunta: foram feitas por eles? O que separa um homem honrado de um não honrado está nas ações presentes sendo irrelevante a trajetória de vida da qual ela se originou?
Há pouco tempo escutei de um rapaz: “Bandido bom é bandido morto. ” Quando o ódio se torna clichê demanda reflexão numa juventude com bagagem pequena para tanto peso. Percebi sua decepção diante da discordância quando disse que bandido bom não existe, antes de querer-lhe a morte gostaria que tivesse a mesma educação, e se aí sim se tornar um bandido, talvez o argumento proceda. Mas o que levou o rapaz a pensar dessa maneira foi o ato ou o contágio pela interpretação coletiva, será que o ódio surge de uma interpretação errada?
Será que a poesia não é mera escavação da alma, mas a realidade que não enxergamos?
Abri os olhos nessa bela manhã, mal vi o sol e as perguntas já chegaram, com elas trouxeram a lembrança do Soneto Antigo de Cecília Meireles:
Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.
Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.
O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.
Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.
Cecilia Meireles