Ricardo André Vasconcelos — O que nos espera no fim da crise?

No Brasil as crises institucionais são cíclicas, como ondas que interrompem períodos democráticos intercalando com ditaduras. Nos estertores do século XIX um marechal de pijama deu um golpe meia-bomba, mandou o Imperador para o exílio e fundou a República. Nesses 128 anos, revoluções, golpes, suicídio e impedimentos de presidentes foram a rotina de uma sociedade em lenta construção política. A Constituinte de 1891 elegeu os marechais alagoanos Deodoro e Floriano pela via indireta, mas entre 1894 e 1930 houve eleições regulares. O voto não era secreto, as mulheres e analfabetos não votavam e com a maioria da população órfã das letras, as eleições, apesar de regulares, eram marcadas por fraudes e delas só participam as elites que para as mesmas dirigiam as ações de governo.

Mesmo assim, esta era chamada de “República Velha”, foi quando se promoveu maior número de eleições diretas para a Presidência da República. Ininterruptamente foram eleitos 10 presidentes. É verdade que alguns, como Artur Bernardes, governou quatro anos sob Estado de Sítio; e outros combateram, como uma crueldade ainda não devidamente ensinada nas escolas, diversas rebeliões até a consolidação da República.

Aliás, me intriga o motivo pelo qual alguém — quem? — resolveu batizar uma avenida, atualmente tão importante nesta cidade de Campos dos Goytacazes, com o nome cidadão mineiro Artur Bernardes, que além de tudo era inimigo político e pessoal do campista Nilo Peçanha. Este sim, democrata convicto que governou o país entre 1909 e 1910 em substituição a Afonso Penna, que morreu no meio do mandato e de quem o era vice.

Finda a República Velha e o revezamento entre presidentes paulistas e mineiros, o gaúcho Getúlio Vargas, à frente de um movimento revolucionário impediu a posse de mais um paulista ungido pela eleição de “bico de pena” (Júlio Prestes) e governou por 15 anos até ser deposto por um golpe militar em 1945. Mas não sem antes enfrentar uma guerra civil em 1932, quando os paulistas exigiam o cumprimento de um dos objetivos do movimento revolucionário: nova constituição, que só viria dois anos mais tarde e para durar pouco. Em 1937 Getúlio impôs nova Carta Magna, fechou o Congresso, implantou o Estado Novo, eufemismo para uma ditadura que durou oito anos.

Em 1946 começou um ciclo democrático. Nova Constituição e um presidente (Eurico Gaspar Dutra), que apesar de militar aliado de Getúlio a quem ajudara a derrubar, nada fazia sem antes consultar o “livrinho”, uma edição miniaturizada da Constituição que levava no bolso. De 1946 à outra ruptura constitucional, em 1964, foram eleitos pelo voto direto quatro presidentes: Dutra, que concluiu o mandato. Getúlio, que voltou pelo voto direto em 1950 e deu um tiro no peito em 1954; Juscelino Kubitscheck em 1955 e Jânio em 1960. João Goulart era vice de Jânio a quem substituiu com a renúncia após oito meses de mandato e foi derrubado por um movimento civil militar em 1964, inaugurando novo período de trevas que durou 21 anos.

Na chamada “Nova República”, com a eleição indireta de Tancredo/Sarney em 1985, foram realizadas até agora sete eleições diretas, com a peculiaridade de que três foram reeleitos e dois sofreram impedimento pelo Congresso Nacional. No próximo ano a Constituição Cidadã completa 30 anos e nossa evolução política entrecortada por crises e soluções sempre não democráticas está prestes a se deparar com novo desafio: regredir (como fez praticamente em todas as crises anteriores) ou finalmente evoluir para um patamar seguro de estabilidade institucional.

Como este parece ser o fim de mais um ciclo da vida política nacional, resta torcer para que a história não se repita e que a saída seja democrática, sem hipertrofia de nenhum dos poderes e pelo fortalecimento da fonte de todo poder consagrada pelo § único do artigo 1º da Constituição Federal: Todo o poder emana do povo…

 

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