Orávio de Campos — A arte no espaço urbano

 

 

 

Quando estivemos, com muito orgulho e disposição, à frente da extinta secretaria municipal de Cultura, no governo de Rosinha Garotinho, nos deparamos com diferentes desafios institucionais e o mais interessante deles foi exercitar a compreensão sobre os chamados pichadores anônimos que, em tese, saem por aí (inter) ferindo, com suas tintas negras, na harmonia estética de muros, edifícios, igrejas, viadutos, patrimônios históricos…

Para melhor entender os atos desses artistas não convencionais, na melhor acepção que o termo possa/pode nos sugerir, em princípio preferimos partir da idéia da produção de uma arte marginal aliada aos seus efeitos ideológicos, como é comum nas análises das artes que fluem das culturas populares, logicamente, sem as teorias da cultura erudita divulgadas por Walter Benjamim (1892-1940): um intelectual da (ainda) idolatrada Escola de Frankfurt.

O senso comum tenta ensinar que os “pichadores” não são artistas porque “emporcalham o espaço público”, dando-lhes um aspecto deplorável em prejuízo para os proprietários particulares e, principalmente, para o poder público — encarregado da manutenção de suas prédios e representações históricas e culturais.  Mas aceitar esta hipótese seria a mesma opinião da maioria de uma sociedade entorpecida pelos discursos midiáticos, quando os sabemos descompromissados com a “verdade”.

Em princípio, já que não podemos identificar os autores dessas proezas muralistas, recorremos à filosofia imanente que traduz o sentido da comunicação, como o desejo incoercível de traduzir, com diferentes linguagens, a expressão de pessoas e ou grupos com uma identidade ideológica definida. Realmente, se analisarmos esta arte urbana vamos encontrar hieróglifos eivados de mensagens, na maioria das vezes, envolvidas pelas subliminaridades. Não é diferente do que observamos no campo da Folkmídia, isso para dar razão ao pranteado pesquisador Joseph Luyten.

 

 

Escolhem, os pichadores, onde as mensagens são/serão mais visíveis, como igrejas, patrimônio históricos (como os casos do Obelisco e do Monumento ao Expedicionário, esta obra-prima do artista Modestino Kanto, atualmente limpo graças ao professor Vilmar Rangel), apenas para citar estes exemplos. Mas, apesar de múltiplas ações desses insignes pichadores, podemos, sem susto, afiançar que a cidade de Campos dos Goytacazes é a “menos pichada de todo o interior do Rio de Janeiro”.

Isso credita-se ao trabalho dos grafiteiros, grupos igualmente políticos, mas que transformaram suas vocações na expressividade dos desenhos que, em tese, também, falam das mensagens que querem traduzir no espaço público. E, descobrimos, em nossas boas relações com essas trupes artísticas, com ênfase para o Mestre Andinho Ide e a Anna Franchesca, os princípios da evolução dos desenhos artísticos que, em boa hora, se preparam para adentrar, como já ocorre na Europa, nos grandes museus encarregados de preservá-los. Coisas dos tipos: arte e transgressão.

Como ocorre com outras expressões da mesma raiz, como o funk, os desafios do rap, o street-dance, (integrantes da arte hip-hop), a pichação pode ser identificada como uma trajetória entre a exclusão e a integração, eito radical citado por Michael Herschman no artigo “Por uma leitura político-cultural do espaço público”, publicado no livro ”Nas Fronteiras do Contemporâneo – Território, identidade, arte, moda, corpo e mídia” (Mauad,2001, p.117).

Não temos dúvida. Os pichadores, que respeitam eticamente os espaços dos grafiteiros, numa espécie de costume produzido pela convivência em lugares comuns, através de seus estilos de vida e da experiência social, buscam “retraçar novas fronteiras socioculturais e espaciais”, sem a preocupação ingênua de que estão prestando um trabalho meritório em favor das artes plásticas atuando no cerne do ciberespaço – lugar para onde se concentram todas as tendências da pós-modernidade.

Cremos que as negociações que propusemos nos parcos momentos de apoio ao hip-hop (poderia ter feito muito mais), — dentro de um espaço ainda tenso, porquanto a estética está sujeita à lide de uma análise na maioria das vezes equivocada — produziram a afirmação de diferenças e as hibridações parecem garantir visibilidade, vitalidade e algum poder para esses artistas ciberespacianos.

 

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