Debate sobre arte desnuda os extremos da sociedade brasileira

 

No feriado de ontem, postei aqui um texto na tentativa de resumir os debates gerados na democracia irrefreável das redes sociais por dois colaboradores do blog: o especialista em investimentos financeiros Igor Franco e o jornalista, blogueiro e servidor federal Ricardo André Vansconcelos. A partir de visões ideológicas opostas (e complementares), ambos trataram do mesmo tema.

No dia 9, Igor escreveu aqui sobre a reação de dona Regina, uma senhora do povo, num programa da TV Globo. Legitimamente, ela questionou o fato de uma menina de 4 anos, acompanhada da mãe, ter tocado os pés de um homem adulto nu, numa performance artística no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo. O título do texto foi a pergunta feita por dona Regina aos globais: “Mas, e a criança?”.

Já no dia 11, foi a vez de Ricardo André abordar aqui não só o caso do MAM paulista, como a polêmica exposição artística anterior, interrompida após forte reação popular, no banco Santander, em Porto Alegre. E intitulou sua reflexão sobre os fatos como “Nostalgia do obscurantismo”.

Nos comentários que seguiram (aqui e aqui) o rastilho de pólvora das redes sociais, o debate sobre a necessidade de regulação etária a determinados tipos de manifestação artística, acabou se ampliando sobre a própria conceituação de arte. Muitas vezes carente de fundamento, feita por quem nunca teve por hábito frequentar museus, exposições de pintura e escultura, ou teatros.

Em sentido contrário, postei primeiro um comentário (aqui) ao link do texto do Ricardo, no Facebook, anexado a uma imagem de uma obra de arte que considero inquestionável. Tanto em valor estético, como pelo fato de ter servido, por acaso ou sorte, como elo de ligação direta entre a Antiguidade Clássica e o Renascimento.

E depois repliquei a imagem e o texto do comentário no blog, numa postagem intitulada com uma indagação: “Desde antes de Cristo — Pornografia, pedofilia, zoofilia ou apenas arte?”. Confira abaixo:

 

 

Pois hoje, ao constatar que mais comentários haviam sido feitos sobre o link (aqui) na página do blog no Facebook, me deparei com muitos que, mesmo diante daquela considerada entre as maiores obras de arte da humanidade, insistiam em “conceituar” a arte em direção oposta. E, muito mais perigoso, querendo fazê-lo por pretensão moral e religiosa.

Num esforço de manter o debate no campo dialético, que vai ficando cada vez mais difícil, dada a polarização da sociedade pelos extremos, reproduzo abaixo alguns desses comentários — com nomes e fotos apagados, por importarem menos que as ideias. E, depois, a resposta que julguei necessária, diante de questões que, para além da arte, parecem querer redifinir para pior, muito pior, nosso próprio conceito de humanidade:

 

 

 

Caros XXX XXX, XXX XXX e XXX XXX,

Dizer que o complexo escultórico de Laocoonte e seus filhos é “pecado”, configura pecado capital e sem aspas contra a própria arte. Quem parece ter fé nisso é a Igreja Católica Apostólica Romana, que exibe a obra com orgulho no Museu do Vaticano, em posição de destaque no seu vasto acervo, sem restrição etária à visitação.

Em suas antigas religiões pagãs, verdade que a homossexualidade era prática aceita entre os gregos e romanos. Mas vamos combinar que esses dois povos são em sua maioria católicos, de orientação moral judaico-cristã, há algum tempo. Teodósio adotou o catolicismo como religião oficial do Império Romano, da qual a Grécia também fazia parte, desde 380 d.C. Quer dizer: tem um pouco mais de 1.600 anos.

De qualquer maneira, querer renegar o legado dos antigos gregos e romanos, por conta de conceitos morais diferentes, é de uma imbecilidade sem par. Dos gregos, herdamos a base de todas as ciências humanas. Dos romanos, sobretudo as leis e o urbanismo. E, de ambos, o próprio conceito de humanismo, sem o qual o cristianismo não existiria, revolucionário, sobretudo, pela introdução do amor do homem pelo homem, através de Cristo, na relação com Deus.

Foi esse mesmo humanismo greco-romano que, resgatado através das artes, resultou no Renascimento. Assim como, um pouco mais tarde e no campo das ideias, foi dar no Iluminismo. Ademais, até por respeito à figura de Paulo, artífice do que hoje chamamos de cristianismo, ele só conseguiu sê-lo por se tratar de um judeu de cultura grega e ex-servidor de Roma, por cujas estradas propagou a nova fé.

Ainda assim, Paulo está errado ao dizer: “néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, sem misericórdia; os quais, conhecendo bem o decreto de Deus, que declara dignos de morte os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que as praticam” (Romanos 1:31-32). Levado ao pé da letra, isso significaria condenar à morte não só todo homossexual, como qualquer um que não se achasse no direito de arbitrar sobre a orientação sexual do seu semelhante, desde que observadas as questões da maioridade e, lógico, do consentimento.

É o mesmo equívoco primário que comete XXX, ao afirmar: “Sou tradicional, sou família e os inconformados que mudem de País”. Quem não partilhar do seu conceito moral, não será forçado a fazê-lo, tampouco obrigado a se mudar para lugar algum. E quem não respeitar isso por princípio moral, o fará por imposição da lei — aquela mesma que herdamos dos romanos pagãos.

Religião e arte existem desde que o homem passou a se distinguir dos demais animais, como maneira de se ligar ao Mistério. E, entre ambas, talvez fosse sábio que os tantos críticos de arte recém-convertidos observassem a ressalva feito por um certo rabi da Galileia: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22:21).

 

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Este post tem 4 comentários

  1. Genildo

    É de apavorar as mentes medíocres que não pensam, no tempo do império grego-romano, havia muita ignorância pela falta de conhecimento, até algumas décadas atrás a igreja Romana não estimulava acesso à Palavra de Deus revelada através da Bíblia, então havia uma ignorância geral, a igreja se autodenominava autoridade para liberar almas para o céu ou inferno, o que o Papa dizia era ordem para os padres e fiéis, vendia-se até indulgência, com evolução veio o conhecimento com após a reforma sendo agora todos estimulados a conhecerem Deus, seus propósitos e suas leis, com o avanço da tecnologia e o acesso por pessoas que tem senso moral, pudor, e valores familiares, também veio a manifestação do que havia de errado em termos moral, isso que chamam arte é o que podemos considerar das mesmas mentes despudoradas do passado, só que agora não mais na ignorância de um tempo onde só os mais privilegiados sabiam ler e podiam manipular os menos favorecidos com uma cultura nojenta feita por mentes deformadas que chamavam de arte.
    Parabenizo o colega que destacou família, só quem valoriza sabe o que isso significa, podem uma meia dúzia querer levantar a bandeira da imoralidade como arte, que certamente haverá 60 milhões que não abrirão mão dos princípios e valores cristãos que regem a moral e ética familiar.

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro Genildo,

      O Império era Romano. Os gregos, na verdade, foram por ele militarmente dominados. Como acabaram dominando culturalmente seu dominador. De resto, vc tem razão: “É (sic) de apavorar as mentes medíocres que não pensam”.

      Abç e grato pela participação!

      Aluysio

  2. Genildo

    Obrigado pela retificação e pela visão de família, que o Senhor abençoe a sua e dos leitores.

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro Genildo,

      Que a benção de Deus recaia sobre todos nós, sem perder de vista a ressalva: “Nessa época, muitos ficarão escandalizados (…) e se odiarão mutuamente. Então, numerosos falsos profetas surgirão e enganarão a muitos” (Mateus 24:10-11).

      Abç e grato pela participação!

      Aluysio

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