Arthur Soffiati — Chuvas e cheias na região, há 10 anos e agora

 

Há dez anos

Por Arthur Soffiati(*)

 

Em 2008, choveu mais do que se esperava. As chuvas torrenciais começaram em novembro. Mais na bacia do rio Ururaí (a qual dou outra denominação atualmente) do que na do Paraíba, embora as duas sejam interligadas. Não sei lidar com números. Talvez tenha havia precipitação semelhante nas duas bacias, mas os efeitos mais destruidores foram sentidos na bacia do Ururaí pelas suas dimensões. O Ministério Público Estadual me perguntou como ele poderia ajudar a população da localidade de Ururaí, que estava embaixo d’água. Sugeri a detonação dos diques da lagoa Feia para aumentar a capacidade dela em absorver água. Confesso que eu não tinha certeza de que a água considerada excedente seria absorvida por uma lagoa maior. Sei apenas que seu espelho d´água aumentaria. Em 1900, uma estimativa dava para a lagoa 370 km². Em 2008, ela oscilava em torna de 170 km². É inconcebível que ela tenha perdido 200 m² em um século de forma natural. Foram certamente os avanços de proprietários de suas margens sobre seu leito, seguindo a sugestão da Engenharia Gallioli, empresa que trabalhou para o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS).

 

Lagoa de Cima em dezembro de 2008 – Folha de São Paulo

 

O Ministério Público Estadual teve dificuldades de encontrar um juiz que aceitasse autorizar a detonação, embora houvesse um parecer técnico favorável, não de minha autoria, que não tenho formação adequada para formular um. Imobilizado pela justiça estadual, o MPE buscou o apoio do MPF, que ofereceu uma ação à justiça federal e dela obteve uma liminar para implodir cinco diques. Vivi um mês de muito movimento. Voo de helicóptero a todo momento. Locação de pontos para a colocação de dinamite. Diga-se a nosso favor que contamos com o apoio do Deputado Federal Geraldo Pudim, da Marinha, da Polícia Federal, do Batalhão Florestal do Estado, da Defesa Civil de Campos e da Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Naquela época, ainda não existia o INEA. O quadro foi bem diferente daquele vivido por pescadores em fins da década de 1970 e princípio da década de 1980.

 

Pescador tarrafeando no asfalto em dezembro de 2008 – Folha da Manhã

 

Houve confronto? Sim. Como evitá-lo? Práticas antigas estavam sendo questionadas e contestadas. Logo, formou-se uma oposição às operações comandadas pelo MPE. Por conta delas, o quinto dique não foi detonado. Muitas acusações foram levantadas: o rompimento dos diques permitiu à água acumulada avançar sobre localidades; certos lugares, como Retiro, foram invadidas por cobras; um estudo científico demonstrou que a implosão dos diques não contribuiu minimamente para reduzir o nível das águas, embora, na prática, não tenha sido esta a percepção dos moradores de Ururaí e Ponta Grossa dos Fidalgos; o Promotor de Justiça Estadual Marcelo Lessa, que comandava as operações, foi denunciado à Corregedoria do MPE. Mais tarde, depois que o momento crítico passou, depus a favor dele.

 

Ururaí alagado – Monitor Campista – dezembro de 2008

 

Com a implosão de quatro diques erguidos por proprietários, a área de lagoa saltou de 170 km² para 200 km². Não há mais como alcançar os 370 km² medidos pelo engenheiro Marcelino Ramos da Silva em 1900. Quatro grandes áreas pesqueiras foram conquistadas. Até agora, parece uma conquista irreversível e necessária. Em 2010, por solicitação do MPF, inspecionei a lagoa com alguns pescadores e as áreas adicionadas à lagoa continuavam sendo usadas para a pesca.

 

Implosão de dique na lagoa Feia – Monitor Campista – dezembro de 2008

 

Em 2009, o já existente Inea contratou os serviços da Coppetec/UFRJ, para fazer levantamento com fim de redragagem dos canais abertos pelo DNOS e encontrar soluções para minorar os efeitos de enchentes. Oficialmente, o Inea foi o autor do projeto, licenciou-o e inspecionou-o. Coube a Odebrecht executar os trabalhos com verbas do PAC. Novos embates. Marilene Ramos, arrogante secretária Estadual do Ambiente, veio com soluções prontas para a baixada e com ideias mirabolantes, tais como um canal transversal saindo do canal de Coqueiros, atravessando os canais de São Bento e Quitingute para desaguar no canal do estaleiro do Açu. Propôs também soluções para as enchentes nos rios Muriaé e Pomba. No primeiro, um canal sairia do rio antes de uma cidade para voltar a ele depois da cidade, com diques em Cardoso Moreira. No Pomba, as pedras do leito seriam detonadas para aumentar a capacidade de sua calha em absorver excesso de vazão. Ainda bem que nada foi adiante, embora a solução para o Muriaé não fosse de todo má se bem modificada.

 

Ponta Grossa em dezembro de 2008 – Divulgação

 

Dez anos depois, o Estado do Rio de Janeiro está dividido em 9 regiões hidrográficas (a décima, referente ao rio Itabapoana, jamais deveria ter sido extinta, com a bacia passando à gestão do comitê do baixo Paraíba). O gerenciamento do trecho final de bacia do Paraíba do Sul e da parte da bacia do Itabapoana que toca ao Estado do Rio está a cargo do Comitê Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana.

 

Sede de fazenda ilhada na lagoa Feia – dezembro de 2008. Divulgação

 

Atualmente, sou apenas uma voz solitária. Um historiador ambiental (ou eco-historiador, como gosto) que se dedica cada vez mais ao estudo da Ecorregião de São Tomé (Norte+Noroeste Fluminense+Sul Capixaba). Embora solitária, minha voz também é dissonante. Continuo defendendo que soluções mitigatórias para nossa região não dependem exclusivamente de decisões tomadas em benefício das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Entendo que as lagoas da margem esquerda do Muriaé devem ser recuperadas e usadas como reservatórios de água, também restaurando algumas lagoas da margem direita do Paraíba do Sul, que comportas e canais devem ser mantidos sempre bem conservados e bem operados; que a poluição hídrica deve sempre ser combatida e que matas ciliares devem ser recompostas.

 

Lagoa Feia na enchente de 2008 – Divulgação

 

E novamente chove. A lagoa Feia está bombando mais uma vez.

 

(*) Eco-historiador

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