Guilherme Carvalhal — A favela vista de baixo

 

 

 

 

A favela vista de baixo

 

os caibros desdobram-se ribanceira acima

aquário de palitos de fósforo acesos

ilumina à distância a vaga-lume

os ladrilhos sonhados, sonho sem peso

 

por essas ruas nunca ladrilhadas

escorre um córrego de cimento fresco

que às terras planas semeia de arranha-céus

emerge o muro intangível de arabesco

 

do mesmo cimento sobe a poeira

enevoa e oblitera um olhar mais amplo

e de baixo a fluorescência fosca

se interrompe em clarões de relâmpago

 

e se de uma caixa se desenham casebres

de seu palito risca e explode o prisma

lançada chama ao barril da pólvora

fabricada sem pressa a suor e cinzas

 

as cinzas o vento da tarde leva

adentram intrusas varandas e quintais

sopra um vapor seco, invisível

de um mundo distante impresso em jornais

 

lá embaixo, longe das lamúrias

onde o eco se cala no vácuo

e as manilhas grafitadas entopem

nada que desce chega de fato

 

e quando chega, lá não fica

e se fica, se ignora

a cinza se desfaz, esvanece

e o vento jamais a leva de volta

 

pois o vento que desce, não sobe

ascende só uma brisa que apaga

o fósforo aceso da vida

resta o blecaute e mais nada

 

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