Guilherme Carvalhal — A mulher que adorava perguntas e detestava respostas

 

 

Perguntassem qualquer coisa e ela se aprofundava. Queria saber todos os detalhes. Como uma vez em que lhe perguntaram onde ficava a agência dos Correios:

— É coisa muito importante?

— Material de trabalho que chegou para mim.

— E com que você trabalha?

— Com conserto de computadores.

— Isso dá muito dinheiro?

— Não muito. Mas onde ficam os Correios?

— Não sei.

Ivete levava uma vida pautada por uma forte curiosidade e desprendida de qualquer capacidade de prestar uma informação que fosse. Na escola já demonstrava esses sinais. Mergulhava entre enciclopédias, perguntava os nomes dos países no globo, e entregava suas provas em branco, deixando todos os professores sem entender o que se passava.

Seu jeito de encarar a vida a levou ao redundante fracasso profissional. Ela aprendia com facilidade qualquer profissão, mas sempre se recusava a colocar em prática esses conhecimentos. Adorava desmontar as peças de qualquer máquina, mas se recusava a consertá-las. Aprendia todos os procedimentos administrativos da empresa, sem nunca reproduzi-los.

Pouco a pouco, foi caindo em um esmorecimento existencial. Ficava em casa deitada, enfurnada entre inúmeros questionamentos que não chegavam a conclusão alguma. A parte isso, mostrava-se sempre feliz apesar de ter caído em um enleio do qual não mais se desvencilhava.

Para a grande maioria, Ivete era louca. Toda conversa com ela se desencadeava em um enorme interrogatório sem fim. Como ele jamais chegava a conclusão alguma, seu interlocutor precisava sempre colocar um fim abrupto no diálogo, dar as as costas e ir embora ou algo do gênero.

Quando caiu uma enorme tempestade em sua cidade, Ivete parou à janela observando o vento derrubar árvores e destelhar casas e pesadas pedras de granizo caírem feito meteoros na terra. Ela, como todos os demais moradores, acreditou estar diante do fim do mundo.

Foram três dias de agonia. Todos acharam que não restaria pedra sobre pedra.

Ao amainar da tempestade, os moradores começaram a sair de casa e observar todo o estrago deixado pela intempérie. Mesmo com a destruição espalhada, todos comemoraram pelas próprias vidas.

Ivete então sentou em um canto e chorou. Ninguém compreendeu o que se passava com ela. Suas lágrimas desciam sem nenhuma explicação plausível. Ninguém conseguiria entrar na sua mente e compreender que diante do risco da própria morte, não havia pergunta que não urgisse em receber resposta. E constatar o sentido da própria vida e da própria finitude, respondendo para si mesma a pergunta “será que vou morrer?” a colocou diante de uma resposta que ela preferiria eternamente não saber.

 

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