Artigo do domingo — De Lula a Flávio, a história do princípio ao fim

 

 

A história do princípio ao fim

 

Um parlamentar nomeia assessores, muitas vezes “fantasmas”, que devolvem a ele grande parte dos seus salários no dia do pagamento, ou nos dias úteis seguintes. Isso é o que se chama de “rachadinha”.

Empreiteiras simulam concorrência com preços superfaturados para uma grande obra da Petrobras. Parte do sobrepreço é repassada pelas construtoras aos diretores da estatal indicados politicamente. Estes subtraem suas comissões e repassam o grosso do dinheiro ao partido do governo e aliados. Isso foi o que se chamou de “Petrolão”.

Entre os dois casos, o que muda são só os valores. Mas o esquema de desvio de dinheiro público para manutenção do poder político é basicamente o mesmo. E ambos são criminosos.

Pode parecer distante para quem começou a relativizar a lei e a moral a partir dos sucessivos escândalos de corrupção nos governos do PT. Mas para quem viveu antes deles e não padece de memória seletiva, é possível se lembrar do próprio Lula pregando no final dos anos 1980 uma maneira diferente de governar o Brasil:

— Primeiro, nós vamos provar que você pode colocar tranquilamente corrupto na cadeia. Lugar de ladrão é na cadeia. No Brasil, predomina a teoria de que é preciso levar vantagem em tudo. E nós precisamos mudar isso. E vamos mudar isso dando exemplo. E dar exemplo significa acabar com a impunidade. O pequeno, nós sabemos que às vezes rouba para comer, mas o grande rouba de sem vergonha. E esse nós precisamos colocar na cadeia. É assim que a gente vai mudar o Brasil.

Lula está preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro desde 7 de abril, condenado em segunda instância no caso do triplex do Guarujá. É réu em mais seis ações penais. Em uma delas, conhecida como “quadrilhão do PT”, foram divulgados no correr da semana trechos da delação do seu ex-ministro Antonio Palocci. Segundo ele, Lula recebia propina em dinheiro vivo da Odebrecht.

Antes da prática revelada no exercício do poder, o discurso do Lula dos anos 1980 não é muito diferente das propostas contra a corrupção apresentadas no programa de governo de Jair Bolsonaro em 2018:

— O Brasil passará por uma rápida transformação cultural, onde a impunidade, a corrupção, o crime, a “vantagem”, a esperteza, deixarão de ser aceitos como parte de nossa identidade nacional, POIS NÃO MAIS ENCONTRARÃO GUARIDA NO GOVERNO.

Depois de eleito e de Sérgio Moro, responsável pela prisão de Lula como juiz federal, ser escalado como novo ministro da Justiça e Segurança do seu governo, Bolsonaro mandou recado:

— Ele (Moro) vai ter toda a liberdade para combater a corrupção e o crime organizado. Combate como? Seguindo o dinheiro. Vamos ter um braço da Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) dentro do ministério da Justiça.

Curiosamente, antes mesmo de passar à tutela de Moro, o Coaf revelou em dezembro que, quando era assessor do então deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), hoje senador, Fabrício Queiroz teve a movimentação atípica de R$ 1,2 milhão. Entre eles, um cheque de R$ 24 mil destinado à atual primeira dama, Michelle Bolsonaro.

A análise da movimentação de Queiroz revelou que funcionários do gabinete de Flávio repassavam até 99% dos seus salários. Cerca de 57% dos depósitos na conta de Queiroz ocorriam no dia do pagamento da Alerj, ou até três dias úteis depois.

Apesar da gravidade, Queiroz faltou a dois depoimentos no Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), em 19 e 21 de dezembro. No dia 30 do mesmo mês, ele se internou no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, para retirada de um câncer no intestino. Um vídeo dele dançando alegremente no hospital, que teria sido filmado no dia 31, viralizou nas redes sociais. Por sua vez, Flávio também faltou ao seu depoimento no MP sobre o caso, em 10 de janeiro.

Diante do estranho silêncio, o procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, disse no dia 12 que pode oferecer denúncia contra Queiroz sem ouvi-lo. Segundo ele, “as provas são consistentes”. Ao não comparecer no MP-RJ, Flávio alegou corretamente que ele não é investigado. Mas foi um pedido seu ao Supremo Tribunal Federal (STF), concedido na quarta (16) pelo ministro Luiz Fux, que suspendeu as investigações. A justificativa foi esperar que o relator do caso no STF, ministro Marco Aurélio Mello, se pronuncie.

Na sexta (18), antes mesmo de julgar o pedido de Flávio, Marco Aurélio adiantou: “Tenho negado seguimento a reclamações assim, remetendo ao lixo”. Na noite do mesmo dia, o que era feio ficou pior depois que o Jornal Nacional revelou que o Coaf também identificou 48 depósitos em nome de Flávio, todos no valor padronizado de R$ 2 mil cada, entre junho e julho de 2017, totalizando R$ 96 mil.

Antes da nova revelação do Coaf, o filósofo Olavo de Carvalho, responsável pela indicação de uma figura como Ernesto Araújo ao ministério das Relações Exteriores, soltou uma nota em defesa de Flávio:

Em anúncio no Estado de São Paulo, nos anos 1980, Olavo de Carvalho oferece curso de astrólogo

— Façam as contas. 27 mil reais por mês são quantia anormal na conta de um vendedor de carros? Puta merda, até quando a malícia pueril será o supremo juiz da moralidade nacional? O caso do Queiroz é um factoide ridículo, forçado, artificioso; inventado só para queimar a reputação do Flávio Bolsonaro. Não merece dois minutos de atenção numa rádio do interior. O que merece atenção e merece ser denunciado, isto sim, é a operação midiática que o criou.

Antes de ganhar fama como filósofo e de se tornar o caminho, a verdade e a vida para parte da direita brasileira, Olavão militou como astrólogo profissional. Talvez por isso sua “defesa” do filho mais velho do presidente seja endossada por Raul Seixas, na música “Al Capone”. Na letra, após aconselhar personagens históricas a escaparem do destino trágico, o rockeiro baiano canta ao final: “Eu sou astrólogo/ Eu sou astrólogo/ Vocês precisam acreditar em mim/ Eu sou astrólogo/ Eu sou astrólogo/ E conheço a história do princípio ao fim”.

 

 

Publicado hoje (20) na Folha da Manhã

 

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Este post tem 5 comentários

  1. SANDRO SANTOS

    Caro articulista, boa tarde. O espaço é titulado como”Opiniões”. Texto e narrativa de fatos concretos, corretamente feitos,mas ,e a opinião?? Penso que de forma implícita, você diz que no fim das contas, não importa quem governe, que o combate à corrupção é apenas uma promessa de campanha. E vazia. Citando Olavo de Carvalho e fazendo esta analogia com o Raul, que por sua vez, possuía um lado místico muito grande, basta uma passagem rápida por entrevistas, inclusive do seu parceiro Paulo Coelho,fica a dúvida: pode um astrólogo se politizar, tanto quanto é aceitável que um religioso se politize? A saber, temos a bancada evangélica e alguns representantes no governo, sendo uma das mais famosas a Damares Alves. O fato de a música em si, ter os versos citados e, como obra de arte, poesia e até crítica ( quem conhece a obra do artista sabe dessa característica) , significa que o músico ou/e letrista fez uma crítica aberta ao exoterismo? Bem, após as humildes divagações e perdoe-me por elas, qual é a sua opinião sobre o fato noticiado? Flávio Bolsonaro apesar de não investigado é corrupto? O relatório da Coaf,foi divulgado corretamente? Havia outras pessoas de maior interesse para investigação devido aos valores suspeitos movimentados? Existe essa prática quando são políticos de Campos? Crê que o mesmo acontece na câmara de vereadores campista? Quais as suas opiniões? Cordiais saudações,

    Sandro Alves dos Santos.

  2. Ricardo Melo

    O BRASIL NAS MÃOS DE UMA QUADRILHA

    Não há nada mais repulsivo do que ler, ver e ouvir de supostos democratas que “torcemos para que o governo Bolsonaro dê certo”. O QUE SIGNIFICA ISSO? Esse governo defende o retrocesso nos costumes, o obscurantismo na educação, o ataque aos movimentos populares, o extermínio da oposição, o faroeste social, o desrespeito diante das diferenças, a submissão colonial, a corrupção permitida aos amigos da “famiglia” no poder.

    As pesquisas, tão ao gosto desta gente, comprovam este horizonte bizarro. Nas questões fundamentais –previdência, educação, posse de armas, reforma trabalhista–, a maioria do povo brasileiro tem dito NÃO às intenções de Bolsonaro e sua turma. É de se perguntar, a quem ainda está interessado em pensar, tamanha assimetria entre o resultado a eleição e a vontade do país. Steve Bannon, assessor de Trump e “brother” da famiglia, talvez possa explicar como algoritmos mudam o resultado de qualquer eleição.

    Os últimos episódios relacionados ao laranja bolsonarista Eduardo Queiróz dissipam quaisquer dúvidas. A famiglia Bolsonaro, tudo indica, cevou sua fortuna com base em roubalheiras de dinheiro público. A cada dia, surgem novas denúncias. Documentadas e exibidas em rede nacional de televisão. Irrefutáveis, a não ser para gente como Luiz Moradia Fux, cuja presença no STF é um acinte para qualquer estagiário de Direito.

  3. Rafael Meneses

    Após criticar foro privilegiado, Moro segue calado sobre o caso Fabrício Queiroz

    Sérgio Moro, o ex-juiz “celebridade” da Lava-Jato e atual ministro do governo Bolsonaro, permanece calado diante do uso do recurso de foro privilegiado, que ele próprio criticou em abril de 2018, pelo senador Flávio Bolsonaro no STF. Através deste recurso, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, barrou as investigações no MP-RJ das provas levantadas pelo COAF de movimentações milionárias envolvendo o ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz.

    Não é a primeira vez que Moro segue em silêncio diante de declarações dadas quando assumia a Operação Lava-Jato, quando envolve a família Bolsonaro: o escândalo do caixa 2 das eleições de Jair Bolsonaro passou livre de críticas de Moro, que havia declarado em palestra dada em Harvard, universidade norte-americana, que “caixa 2 era pior que corrupção”.

  4. Renan

    MORO APARECE COMO PROFESSOR EM CURSO DA PUC-RS E É DETONADO EM COMENTÁRIOS

    Postagem da universidade nas redes sociais, em que divulga um curso que tem Sergio Moro entre os professores, é dominada por críticas ao silêncio do atual ministro de Bolsonaro; “Módulo 1: como perdoar corrupção depois de um pedido de desculpa”, ironiza um internauta; “É bom porque já sabemos que não terão provas durante o curso”, provoca outra.

    Moro vem sendo cobrado para se manifestar sobre as movimentações financeiras do ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, que já chegam a R$ 7 milhões. Neste fim de semana, a situação piorou para a família Bolsonaro, com a divulgação, pelo Jornal Nacional, de mais duas bombas sobre o caso, na sexta e no sábado. Moro, no entanto, que antes dava entrevistas pregando o combate à corrupção, já virou piada por agora nada dizer.

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