Marcio Malta — Com que roupa eu vou? A crítica ao liberalismo por Caetano Veloso

 

Caetano Veloso no traço de Marcio Malta, o Nico

 

 

Márcio Malta, cientista político e professor de Relações Internacionais do Instituto de Assuntos Estratégicos (Inest) da UFF

Com que roupa que eu vou? A crítica ao liberalismo por Caetano Veloso

Por Márcio Malta

 

“Não sou mais esse liberalóide”. Bastou Caetano Veloso fazer tal afirmação, em entrevista para Pedro Bial na Globo, que as repercussões foram imediatas.

De fundo, o que o cantor baiano dizia era que havia mudado de opinião. Tal fato não seria inédito em sua carreira. Pois até mesmo personagens caricatos de humor foram desenvolvidos em cima de sua personalidade camaleônica. Afinal Caetano sempre terminava suas frases com uma interrogação: ou não?

O que existe de novo seria uma mudança de paradigmas por parte do cantor de Santo Amaro. Teria abandonado uma concepção liberal e abraçado um viés socialista, que segundo o qual na mesma entrevista, não enxergava mais como semelhante às ditaduras capitalistas.

Em que águas teria se banhado para chegar a tais conclusões? Em resposta a um iracundo Bial que tentava explicar o novo comportamento como uma resposta ao espírito do tempo, Caetano nega e diz que havia mudado a partir da leitura reveladora de um teórico italiano, Domenico Losurdo.

Aqui entra um pouco da minha experiência pessoal e peço vênia para relatar o meu contato com esse autor até agora relativamente desconhecido em nossas plagas.

Tive a oportunidade de assistir um minicurso com o italiano no início dos anos 2000, na Universidade Federal Fluminense. Corri para ver o certificado e confirmar o conteúdo programático dos encontros, que havia vindo na minha cabeça como um estalo. Um dos principais tópicos abordados versava justamente sobre o liberalismo.
Inclusive a obra a que Caetano faz menção como principal influência para sua “conversão”, “A contra-história do liberalismo”, foi traduzida para o português justamente por Giovanni Semeraro, professor responsável por organizar o minicurso e ser o anfitrião de Losurdo naqueles dias.

Corri para ver quais seriam os pontos cardinais da obra e constatei que não trazia grande ineditismo, mas sim a denúncia voraz de que o liberalismo e principalmente seus teóricos sempre estiveram associados a ditaduras ou ao mecanismo da escravidão.Losurdo passeia com desenvoltura sobre nomes como John Locke, dentre outros, para mostrar esse perigosa intimidade.

Qual motivo então de todo esse choque que adveio com a postura de Caetano Veloso?

Boa parte da celeuma e os ataques que sobrevieram se deram pelo fato de Caetano afirmar que conheceu a obra de Losurdo através de Jones Manoel, um acadêmico negro e influencer digital, que possui canal no Youtube e publica com regularidade em algumas revistas e editoras do campo da esquerda.

As origens das polêmicas remontam ao fato de Jones Manoel reinvindicar o stalinismo. Tanto a direita através de nomes como do jornalista da Globonews Guga Chacra, quanto a esquerda por meio principalmente de acadêmicos universitários resolveram esculhambar com o episódio da entrevista.

E também não é demais relembrar que as últimas vezes que ouvi falar de Losurdo se deram por conta de uma de suas obras que tentam ressignificar o legado de Stalin.

Porém, cumpre destacar que esse debate é de fundo e não deveria ter ganhado tanto destaque, afinal o que se constitui como mérito fundamental do debate é a bem intencionada revisão de Caetano acerca do liberalismo autoritário e o despertar para a questão que ele mesmo cantou: até quando precisaremos de ridículos tiranos?

 

Publicado aqui, no Blog do Marcio Malta

 

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