General revela o voto de confiança traído pelo capitão

 

Com Cláudio Nogueira e Matheus Berriel

 

“Um voto de confiança que foi traído”. Foi assim que o general Francisco Mamede de Brito Filho definiu a atuação do presidente e capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro (sem partido), diante da aposta de parte do alto oficialato das Forças Armadas Brasileiras, incluindo ele mesmo, no governo do Brasil eleito em 2018. Militar também da reserva, ele comandou o contingente brasileiro nas Forças de Paz da ONU no Haiti, a Força de Pacificação no Complexo da Maré-RJ e o Estado-Maior do Comando Militar do Nordeste, antes de servir à atual administração federal como chefe do gabinete do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), do ministério da Educação. Mas, nas suas palavras, “a decepção chegou muito rápido”. Sobre esse e outros assuntos, o general tratará no debate virtual “A questão militar: do Império aos Nossos Dias”, ao lado do ex-ministro da Defesa Raul Jungmann e do historiador José Murilo de Carvalho, professor da UFRJ, em evento da Fundação Astrojildo Pereira, a partir das 16h da próxima sexta (30), com transmissão ao vivo na Folha FM 98,3 e da Plena TV.

Em entrevista na manhã de ontem, ao programa Folha no Ar, da Folha FM, o general Brito Filho foi sereno, mas firme, nas críticas ao governo que ajudou a eleger e integrou. Como participou da gestão Lula, em função técnica no ministério do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). À qual foi designado pelo comando do Exército. Diferente da “decisão pessoal” que levou Bolsonaro a fazer do general Eduardo Pazuello ministro da Saúde, em plena pandemia da Covid-19 no país. Ele tampouco contemporizou a ameaça que, segundo o jornal O Estado de São Paulo, o também general da reserva e ministro da Defesa, Walter Braga Netto, teria feito ao presidente da Câmara Federal, o governista Arthur Lira (PP/AL): “Sem o voto impresso, não haverá eleições em 2022”. “Ele (Braga Netto) não tem esse direito de manifestar um pensamento (…) que agride frontalmente outro Poder”, asseverou Brito Filho. Sobre a possibilidade de o Brasil ter sua democracia de fato ameaçada, o general garantiu: “trago aqui o testemunho, por conhecer as pessoas que estão no alto comando (das Forças Armadas), de que é uma situação inimaginável”.

 

General de brigada do Exército Brasileiro Francisco Mamede de Brito Filho (Foto: Divulgação)

 

Generais do governo – Os militares que estão ali junto ao governo Bolsonaro, o general (Augusto) Heleno (hoje, ministro do GSI) comandou o componente militar da missão de estabilização da ONU no Haiti. Desempenhou o mesmo cargo o general (Luiz Eduardo) Ramos (ministro da Casa Civil, de mudança ao ministério da Secretaria Geral, para dar mais espaço ao Centrão no governo). O general Braga Netto não teve nenhuma participação, pelo menos de comando, nas operações no Haiti. Mas comandou o Comando Militar do Leste, como responsável pela coordenação de segurança dos Jogos Olímpicos. Então, traz uma bagagem de experiência que é referência de sucesso na parte de competência de técnicas militares. De alguma maneira, isso foi levado em conta e colocado, talvez, como algum critério na escolha do presidente Bolsonaro em cima desses militares que trazem essa bagagem de experiências exitosas na carreira militar.

Voto de confiança – É lógico, todos tinham conhecimento a respeito do perfil do candidato Jair Bolsonaro à presidência. É um político que se mantinha na mídia através de declarações polêmicas. Então, a estratégia ao longo da sua carreira política, além do seu passado como militar, estavam todos presentes. Durante a campanha, ele, por ser proveniente de um partido político muito pequeno, que não dispunha de quadros suficientes para montar um governo, já anunciava que ia mobilizar o governo com militares das Forças Armadas. Então, ao surgir essa oportunidade, alguns militares depositaram um voto de confiança, até mesmo porque acreditavam que se aquele perfil que o presidente Bolsonaro, se era para se manter em evidência, uma vez eleito presidente ele estava no cargo máximo, poderia abandonar essa estratégia das polêmicas, se conscientizar da responsabilidade do cargo, assumir não apenas a chefia do governo, como também a chefia do Estado, na condição de estadista, num país com a dimensão do Brasil. É lógico que não levaram em consideração aquilo que acabou se configurando, que é o desejo de se manter no poder e, uma vez eleito, passar a pensar na sua própria reeleição. E com isso manter a mesma atitude inadequada de um presidente, como se estivesse em campanha. Com isso, houve a decepção de grande parte dos militares que se apresentavam ou que aceitaram o convite para participar do governo.

Experiência no governo – Muitos abandonaram o barco, eu fui um deles, acreditei nessa promessa. Embora tenha aceitado um cargo de não muita evidência, de chefe do gabinete do Inep, que é uma autarquia dentro do ministério da Educação, na condição de não participar de nenhum evento de natureza política. Mas, mesmo assim, num cargo de terceiro escalão, a decepção chegou muito rápido. Então, acabei decidindo por não participar mais do governo.

Voto de confiança traído – Aqueles que permanecem têm as suas motivações pessoais. Não podemos, em princípio, condenar que essas motivações sejam com base em má fé ou interesses escusos ou pessoais. Mas, acredito que, ainda, de alguma maneira, permanecem no cargo com a intenção de contribuir com o país e, de alguma maneira, impor ainda alguns limites oferecer sugestões e aconselhamentos em cima de atitudes não muito democráticas que o próprio presidente às vezes assume em manifestações públicas e declarações públicas. Acredito que o que aconteceu foi isso: um voto de confiança que foi traído. Quando se manifestou a certeza dessa traição, era tarde demais, talvez, para abandonar, e talvez até mesmo um ato de responsabilidade se ausentar do governo, em razão de tudo o que já tinha ocorrido e em razão do que poderia acontecer ainda, de pior, sem a presença deles no governo. Prefiro acreditar nessa boa fé dos militares que ainda permanecem no governo ao lado do presidente Bolsonaro.

Que traição? – Não acredito que seja apenas eu a ter essa visão. As atitudes do presidente foram muito explícitas. Promessas de campanha foram abandonadas já no primeiro momento de exercício do governo, culminando agora com essa declaração mais recente, inclusive, de que ele sempre foi Centrão. Isso já traduz o nível de não comprometimento com as coisas. Imagino a vergonha do general Heleno ao ver a realidade dos fatos, hoje, ao lembrar das suas primeiras declarações públicas (cantou “Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”, na convenção nacional do PSL de 22 de julho de 2018, em paródia ao samba “Se gritar pega ladrão”, de Bezerra da Silva) e suas primeiras atitudes no início do governo.

 

 

Bolsonaro de “o que tinha de velho ficou para trás”, em 2020, ao “eu sou Centrão” de 2021 – É difícil avaliar, diante de tantas inconsistências, o comportamento do nosso presidente, infelizmente. Nós vimos aí, inclusive, até mesmo declarações de militares, que lamento, de que há um discurso presidencial para a internet e um discurso presidencial para a realidade. Isso, de alguma maneira, já deixa bastante claras as contradições pessoais do presidente Bolsonaro nas suas declarações. De alguma maneira, isso aí nos leva a desacreditar em tudo o que ele fala. Mas, a questão da participação dele na frente do QG (do Exército, em Brasília, quando disse a frase de 2020) por si só, é uma imagem bastante forte. No dia, inclusive, 19 de abril, se comemora o Dia do Exército. Há brechas, inclusive, que nós podemos identificar, que acabaram possibilitando que o general (Eduardo) Pazuello, um militar da ativa, viesse a ocupar um cargo de ministro (da Saúde) e permanecer na ativa. Isso daí mostra um pouco o descuido que, eu diria, o meio político teve em inibir essas questões que permitem criar essas situações que podem levar à politização das Forças Armadas.

PEC contra participação de militares em cargos civis da administração pública – Hoje, nós já temos uma PEC (21/21) da deputada Perpétua Almeida (PCdoB/AC), até apelidada de PEC do Pazuello, que pretende justamente proibir a participação de militares da ativa em cargos civis no governo. Veja em que retardo isso acontece. Nós estamos em 2021. E outra: foi necessário acontecer a crise para que se tomasse uma providência. Acredito que isso demonstra, de alguma maneira, o descuido que o meio político dedica a regular essa relação do Estado com o segmento militar. E digo mais: essa PEC ainda vem de uma maneira incompleta, porque ela apenas proíbe que o militar da ativa ocupe o cargo civil. Eu acredito que tem que ser debatido no Congresso, durante a aprovação, talvez um complemento que imponha inclusive quarentena. Porque, se a pessoa pode assumir de imediato um cargo de governo político, nada impede que ele, durante os últimos dias na ativa, esteja a realizar campanhas em seu próprio nome ou até mesmo no sentido de arrebanhar partidários ou eleitores.

General Edson Pujol: “Pazuello ferrou a si e ferrou o Exército” Não há como não concordar. Sempre me manifestei contrário às possibilidades de um militar da ativa ocupar cargo civil no governo. Agora, antes de abordar exatamente a questão, no que diz respeito à situação criada pelo general Pazuello, é muito importante a gente fazer uma distinção entre cargos de natureza militar e de cargos de natureza civil. Nós temos cargos de natureza militar dentro do governo, como, por exemplo, no próprio GSI, comandado pelo general Heleno.

Passagem técnica no governo Lula – Eu mesmo servi lá (no GSI), no governo Lula, e era responsável por assessorias militares dentro de uma secretaria de coordenação e acompanhamento de assessorias militares. É um cargo de natureza militar, eu ia trabalhar fardado e desempenhava atividades de natureza militar; Atividades de Estado, não de governo. Essa natureza militar, não vejo problema algum, deve ser ocupada por militares da ativa. São cargos que vão exigir um desempenho em cima daquilo que está relacionado com a minha formação como militar. Mais uma observação: a minha indicação para servir lá no GSI, ocupando esse cargo de natureza militar, foi uma decisão do comando do Exército. O comandante do Exército faz uma seleção, utilizando a diretoria de avaliação, e seleciona perfis que são condizentes com a execução daquele cargo. Então, eu fui parar lá com aval do comandante da minha Força.

Pazuello na Saúde foi decisão pessoal – O general Pazuello, que ocupou um cargo de natureza civil, ele não seguiu esse protocolo. É um convite de caráter pessoal do presidente ao general Pazuello. Não foi uma indicação do comandante da Força, do comandante do Exército. Foi um convite pessoal. E, ao aceitar o convite, ele manifestou a sua decisão pessoal de participar do governo. No meu entender, pode ser que ele tenha se julgado, ao aceitar o convite, com a competência necessária para o desempenho do cargo. No meu caso, eu, de antemão, recusaria esse convite. Numa autocrítica muito superficial, muito rápida, eu poderia chegar à conclusão de que não tenho as competências necessárias para desempenho daquele cargo. E tenho certeza que o comandante da Força, se fosse chamado para participar do processo, chegaria à mesma conclusão. O cargo de ministro da Saúde é muito específico, tem muitas peculiaridades que eu entendo que o general Pazuello não tinha. E a Força, se fosse chamada a intervir ou a participar do processo decisório para indicação do seu nome, ela iria se manifestar dessa maneira. Mas não foi. Para nós, que conhecemos a dinâmica, os protocolos nas relações entre as Forças Armadas e o governo, nós, facilmente, chegamos à conclusão de que, ao decidir aceitar o convite para ser ministro da Saúde, ele assume uma responsabilidade pessoal, que não pode ser transferida para a instituição. Agora, é impossível que essa mesma visão seja compartilhada com toda a sociedade, pelo fato de ele ter permanecido na ativa.

Imagem na sociedade – O nome do general Pazuello no cargo de ministro vai estar sempre vinculado, na maior parte da sociedade, à instituição a que ele pertence. Ele chegou a general, com certeza mostrou qualidades para isso, passou por um processo de seleção muito sério. Mas, para ser general oriundo do quadro do serviço de intendência, ao qual ele pertence; ele não pertence a nenhuma arma combatente. O que faltou, talvez, nesse processo todo, foi essa consciência do militar na ativa, que foi convidado para assumir um cargo complexo e, ao aceitar, não ter suposto ou imaginado a responsabilidade que ele assumia também perante à instituição. Isso, para mim, era evidente. E, para muitas pessoas, ficava evidente que o resultado dele não seria satisfatório e acabaria comprometendo a imagem da instituição, como acabou acontecendo. Mas, por conta de todas essas questões que regularam esses processos que levaram à nomeação de um general da ativa ao cargo de ministro da Saúde. O fato de o presidente ter feito um convite de caráter pessoal e ele ter aceitado e ter assumido o cargo de um ministério para o qual ele não tinha preparo nem competência.

Decisão pessoal e responsabilidade de Bolsonaro – Ele (Pazuello) ocupou o cargo de ministro da Saúde não como militar, mas como cidadão. E é uma decisão pessoal do presidente. Então, se alguma medida tivesse que ser tomada no sentido de mantê-lo no cargo diante do quadro da pandemia e do seu desempenho inicial, ou de retirá-lo do cargo diante das peculiaridades que foram trazidas pela pandemia, colocando alguém mais experiente, é uma decisão que cabia ao chefe de governo, ao presidente Bolsonaro, e a ele deve ser atribuída a responsabilidade, seja pelos erros como pelos acertos. Para o bem e para o mal. Se o general Pazuello tivesse tido um desempenho excepcional no combate à pandemia, essa glória toda caberia ao presidente que escolheu aquela pessoa para ocupar aquele cargo. Se o desempenho foi fraco e, mesmo, durante bom tempo, ele ainda permaneceu com a decisão de mantê-lo no cargo, a decisão é pessoal do presidente. Agora, se a decisão do presidente foi acertada ou não, a minha opinião pessoal é de que foi equivocada. Por isso nós temos hoje instalada no Senado uma Comissão Parlamentar de Inquérito no sentido de apurar as irresponsabilidades. Isso demonstra o vigor das nossas instituições democráticas. Mas é muito importante deixar muito claro a responsabilidade pessoal daqueles militares que aceitam desempenhar cargos civis no governo, quebrando qualquer relação com a instituição, uma vez que a escolha dos nomes não passa pelo comando da Força.

 

General da ativa, Pazuello participa de ato político em apoio a Bolsonaro no Rio de Janeiro, em 25 de maio, o que é vetado pelo estatuto das Forças Armadas (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

 

Pazuello participa de ato político vedado pelo estatuto do Exército e é perdoado Como militar da reserva, ainda pertenço e nunca deixarei de pertencer à instituição. E ainda estou subordinado ao comando do Exército. Por uma questão de disciplina, subordinados não podem fazer comentários a respeito de decisões superiores. Então, eu me manifestei, inclusive no meu Twitter, sobre o processo decisório. Mas, também faz parte da cultura militar, uma vez tomada a decisão por quem de direito, não cabe mais nenhum tipo de crítica. Tem que ser aceito. Mas, a minha preocupação durante o processo decisório era justamente para que fosse tomada uma medida enérgica.

Sigilo de 100 anos ao perdão Prestar contas à sociedade daquilo que ocorre no âmbito das Forças é uma obrigação do comando. Então, volto a dizer que houve aí também alguma falha de comunicação em uma decisão, no sentido de decretar sigilo nas razões que foram levadas em considerações pelo comandante, que nos deixa sem acesso. E nós, como militares disciplinados, temos que acreditar que ali existem boas e fortes razões para que ele tenha adotado isso, sem deixar que se possa fazer análises, e aqui não é nenhuma crítica, no sentido de defender sempre a questão da transparência e da clareza como a obrigação de qualquer servidor público, no sentido de manter informada a sociedade a que serve.

Troca do comando das Forças Armadas por Bolsonaro – Ela aconteceu numa situação diferenciada, numa situação em que não é normal. Mas, não colocaria dentro do contexto de uma grande crise. Até por conta, mais uma vez, do comportamento do nosso presidente, que foi quem tomou a decisão. Então, ele costuma ter decisões um pouco inesperadas, surpreendentes, assim como fez para a escolha (do procurador-geral da República), desprezando a lista tríplice, ou seja, a fuga completa ao protocolo. Então, a troca do comando do ministério da Defesa e dos comandantes militares, não é que tenha sido normal. O normal é que, durante todo o mandato presidencial, os comandantes, pelo menos, permaneçam os mesmos.

Saída do ex-ministro da defesa, general Fernando Azevedo e Silva – Aí eu fico muito livre para falar, porque não posso fazer críticas àqueles que estão na ativa, aos quais estou subordinado. Mas posso a um militar da reserva que desempenha um cargo civil, assim como já critiquei o desempenho do general Ramos na secretaria do Governo, quando estava lá. No caso específico da saída do general Fernando, o que aconteceu foi uma saída inesperada e não justificada. A mensagem de despedida do general Fernando do cargo é lacônica e dá margem a muitas leituras e interpretações, ela é enigmática, diz simplesmente que sai do cargo com a certeza e convicção de que trabalhou firmemente no sentido de não permitir a politização das Forças. Daí eu posso depreender várias coisas: será que ele foi cobrado de algum envolvimento político por parte das Forças Armadas, da parte do presidente, e se recusou a fazer isso? A sociedade merecia uma explicação a esse respeito dos motivos que levaram à demissão do general Fernando e à troca dos comandantes. Porque, se isso não vem à tona, não é tornado como claro, a sociedade como um todo, diante do inesperado, passa a fazer uma série de conjecturas que podem confundir tudo e não ter nenhuma aderência à realidade dos fatos. Achei muito salutar o fato de o Congresso ter sinalizado à possibilidade de chamar o (ex-)ministro da Defesa para que ele ali colocasse para a sociedade os motivos daquela troca ministerial e da troca dos comandantes. Mas, isso não chegou a ser concretizado.

 

Página 2 da Folha da Manhã de hoje

 

Primeiro à direita, general Francisco de Brito Filho no comando do contigente brasileiro nas Forças de Paz da ONU no Haiti (Foto: Divulgação)

 

Gratidão? – Na demissão do ministro Fernando, causa estranheza também, mais uma vez, o comportamento do presidente, que nem ao menos agradeceu aos comandantes militares o trabalho que eles realizaram durante o governo dele. Isso aconteceu de uma maneira muito singela, e acredito que também depois de uma certa pressão, alguns dias depois, (dizendo) que deixava ali o agradecimento aos comandantes militares. Mas, isso entra no rol das estranhezas que nós encontramos no perfil do nosso presidente.

“Ocupação em massa de militares em cargos civis” Voltando ainda especificamente à saída do ministro Fernando, eu acho que ele, ao declarar que combateu a politização, e isso até coloquei em comentário no Twitter, a realidade não mostra que aquela declaração realmente corresponde à realidade. Porque foi na administração dele que o general Pazuello saiu da ativa e ocupou o cargo no ministério da Saúde. Foi na administração dele que muitos militares saíram da ativa, não apenas o Pazuello, e ocuparam cargos no governo. E aí passava pelo crivo dele como ministro. Caberia a ele, se quisesse defender dessa politização, realmente, se manifestar contra essa ocupação maciça, em massa, de militares em cargos civis no governo. E isso não ocorreu. Então, eu fico imaginando que ponto limite se chegou ao ponto de ele não aceitar permanecer mais no cargo diante de uma eventual demanda do presidente que possa ter ferido esse princípio, que dizia ter, de combater a politização das Forças.

Reação forte do almirante Ilques Barbosa à sua substituição no comando da Marinha – Também li essa reportagem. Infelizmente, foi um relato, uma notícia com base em fontes não reveladas. Então, fica sempre aquela suspeita de que se aquilo realmente aconteceu e se aconteceu daquela maneira. De qualquer maneira, é aceitável imaginar que a decisão tomada pelo presidente quanto à demissão não só do ministro da Defesa, como do comandante do Exército (general Edson Pujol), e parece que depois foi adotada como pedir demissão dos outros dois (Ilques Barbosa e Antonio Carlos Bermudez, da Aeronáutica) pode causar indignação diante de um quadro em que um comandante que está desempenhando as suas funções institucionais com zelo, com seriedade, com responsabilidade, de uma hora para a outra ser excluído, ser destituído daquele comando sem nenhuma explicação razoável.

Saídas de Sergio Moro e Santos Cruz do governo – Faço um paralelo à situação do ministro (da Justiça) Moro, e à própria saída do ministro (da Secretaria de Governo e general da reserva) Santos Cruz também. Eles saíram, mas colocaram à sociedade os motivos que os levaram a sair. Eles deixaram claro, foram transparentes e comunicaram as razões à sociedade. Eu fico muito triste em saber que isso não foi feito na época pelo general Fernando. Eu acho que, se ele tivesse deixado um testemunho a respeito das razões, ele teria feito uma grande contribuição, não só para a sociedade, no sentido de dar a ela essa oportunidade de tomar conhecimento das razões que levaram àquela decisão, até mesmo para a instituição a que ele pertence, as Forças Armadas, no sentido de deixá-las protegidos no que diz respeito ao desempenho pessoalmente daqueles outros comandantes que iriam assumir. Podem ter ocorrido outras coisas nos bastidores, mas eu acho essencial que isso tivesse sido tratado em público, como uma prestação de contas à sociedade.

General Hamilton Mourão – Acredito que alguma afinidade existiu nas ideias, na maneira de pensar dele, ao aceitar construir a chapa, como vice-presidente, com o presidente Bolsonaro. Através das suas declarações públicas, ficou evidente para quem acompanha o cenário político esse alinhamento de pensamento com o presidente Jair Bolsonaro em alguns pontos, que, a meu ver, são negativos, indesejáveis, especialmente no que se refere a reverências a supostas participações de militares, durante o governo militar, em experiências de tortura. Mas, no conjunto, eu acho que ele vem desempenhando um papel, apesar de ter sido também traído em alguns desvios de rota adotados pelo presidente Jair Bolsonaro após a eleição. As declarações dele em cima de situações mais polêmicas sempre trazem uma mensagem de estabilidade. Ele, como vice-presidente, pois eu não poderia analisá-lo como general, é uma pessoa que está consciente da responsabilidade do cargo que ocupa. Ele tem noção do tamanho da cadeira em que ele está sentado. Tem sido uma coisa necessária, inclusive. Uma coisa é você transmitir estabilidade quando não é necessário, outra é vir a público com coragem e se posicionar em cima de crises, muitas vezes até mesmo contrário às próprias declarações do presidente, e passar à sociedade uma mensagem de tranquilidade.

Braga Netto a Arthur Lira: “Sem o voto impresso, não haverá eleições em 2022” – É um caso muito recente. Há versões diferentes envolvendo os três atores principais, que seriam o órgão de imprensa que noticiou (jornal O Estado de São Paulo); o autor da mensagem, que seria o ministro da Defesa, Braga Netto; e o suposto emissário, que teria levado essa mensagem. Não vou discutir a credibilidade do órgão de imprensa que noticiou, muito menos das declarações do presidente da Câmara e do ministro da Defesa, Braga Netto. O que não foi negado peremptoriamente, deixando bem claro, para trazer o fato concreto, é se ele em algum momento fez aquela declaração ou não. Porque o que foi negado na sua declaração, ontem (na quinta, dia 22), ao público, é que, se ele precisasse levar alguma mensagem ao presidente da Câmara, ele faria pessoalmente e não usaria um intermediário. Entretanto, ele não negou ter declarado aquilo que foi noticiado, que seria justamente essa mensagem a respeito de uma não realização de eleições caso o voto impresso não fosse aprovado.

General Villas Bôas antes da votação do habeas corpus de Lula no Supremo – Essa situação me leva até a fazer uma analogia com o tweet do general Villas Bôas em 2018. De alguma maneira, ali foi uma forma mais explícita, ele usou a conta pessoal do seu Twitter e se manifestou como comandante da Força, deixando ali no ar, uma coisa que foi muito criticada por toda a sociedade, uma ameaça velada às votações que iriam ocorrer no STF no dia seguinte (do habeas corpus de Lula).

 

 

PEC do voto impresso no Congresso e desinformação – Hoje, nós estamos diante de um movimento do Legislativo no sentido de aprovar ou não a adoção de medidas complementares de segurança ao sistema eleitoral que está em vigor. Não usou o Twitter, mas pode ter usado a desinformação ou uma declaração realizada em ambiente informal ou não. Mas, o fato é que a mensagem surgiu, foi explorada pela mídia e entrou no debate público. Não deixa de ser uma maneira de também exercer uma certa pressão, diante da indefinição de se de fato ocorreu ou não essa declaração. Mas, somente o fato da suposição já exerce, de alguma maneira, alguma pressão dentro do processamento dessa aprovação no que diz respeito ao voto impresso na Câmara.

Além da bravata? – Eu acredito aí que, sem entrar nos detalhamentos de como tudo aconteceu, até porque não temos certeza de como se processou, vamos ampliar um pouco o espectro e imaginar: se realmente nessa mensagem teria que haver uma conotação que vá além da simples bravata… As Forças Armadas estão muito bem comandadas e lideradas, têm passado mensagens de votação democrática e respeito às instituições; as Forças Armadas estrutura militar, militares da ativa, alto comando. Um sistema eleitoral que está estabelecido, e a autoridade competente para se manifestar a respeito da credibilidade ou não já se manifestou, o presidente do TSE, por inúmeras vezes, garantindo à sociedade de que é um sistema seguro e que não há a mínima possibilidade de fraude. E temos aí a palavra de um presidente que vem levantar suspeitas e que faz denúncias de que houve fraude nas eleições passadas, sem apresentar provas.

“Situação inimaginável” – Diante dessas três realidades, é possível que a sociedade imagine que essas Forças Armadas vão atuar em defesa do pensamento equivocado de um presidente em detrimento do respeito ao Poder Judiciário, que detém o sistema eleitoral e garante que é confiável? Eu, honestamente, trago aqui o testemunho, por conhecer as pessoas que estão no alto comando, de que é uma situação inimaginável. Está aí a declaração do nosso vice-presidente: nós não estamos numa república de bananas. As instituições estão já fortalecidas o suficiente para que se um tipo de bravata dessa, mesmo que tenha sido conduzida em ambiente informal, coisa que não deveria acontecer.

“Não tem esse direito” – O que eu gostaria de salientar é que, às vezes, os militares não têm noção do peso das suas declarações quando investidos de um cargo com a projeção que tem um ministro da Defesa, um chefe da Casa Civil, seja lá qual for o cargo do primeiro escalão. Eles têm que ter muito cuidado com o que falam, porque além de a mensagem ter um potencial muito grande, por trás daquela declaração, e mesmo sendo da reserva, ele coloca por trás da declaração a própria instituição a que ele pertence: as Forças Armadas. Então, é um cuidado redobrado. Acredito que todo civil que ocupa cargo público tem que ter essa consciência das declarações que fazem ao público, e muito mais cuidado deve ser tomado pelas autoridades que são militares da reserva, por conta dessa vinculação que a sociedade imediatamente faz, de uma maneira automática, em associar aquelas declarações feitas como cidadão ocupante de cargo civil e o vínculo com as Forças Armadas, que detêm o monopólio do uso da força. A associação é automática. Por isso, o general Braga Netto, como ministro da Defesa, em relação ao tema que foi abordado na notícia, ele estaria até obrigado de pensar isso. Ele não poderia em nenhum momento fazer esse tipo de declaração, mesmo em ambiente controlado ou em ambientes informais. Ele não tem esse direito de manifestar um pensamento dessa natureza, que agride frontalmente a um ou outro Poder. Eu estou aqui trabalhando suposições, não posso, de alguma maneira, dizer que ele fez a declaração ou não, porque é um ponto obscuro. Mas, a maneira como esse assunto chegou ao conhecimento da sociedade leva a acreditar que alguma coisa houve.

CPI da Covid investiga denúncias de corrupção de militares na negociação de vacinas Primeiro, em relação ao envolvimento dos militares, no caso o coronel Elcio (Franco, da reserva do Exército), secretário-executivo do ministério da Saúde (hoje assessor especial da Casa Civil) em suspeitas de corrupção. Eu entendo que os militares, por se levarem uma vida muito restrita, a caserna, de certa forma, podemos conceituá-los como ingênuos. Não estou querendo de antemão afirmar que as questões levantadas não são verdadeiras ou que os militares se deixaram envolver por ingenuidade. Mas, é uma possibilidade. O fato é que não existe nada comprovado ainda. É importante esperar, saber a comprovação dos fatos para se omitir algum juízo a esse respeito. Mas, eu deixo a mensagem em relação a esse primeiro aspecto da seguinte maneira: os militares são muito vulneráveis a se envolverem com essas negociatas, porque não têm a expertise do que com certeza eles não fazem na caserna, porque não lidaram com isso durante a sua carreira. Mas, não estou querendo dizer de antemão que tenha ocorrido isso, até porque, conhecimentos básicos, todo coronel que chega a esse posto tem conhecimento obrigatório. Nos comandos dos batalhões, eles têm atividades que estão relacionadas com essa questão administrativa, de conhecer bem a lei de licitações e contratos. Então, também não são tão ingênuos a ponto de se deixar envolver inadvertidamente. Mas, é algo que a gente tem que aguardar.

Presidente da CPI, senador Omar Aziz fala em “banda podre” dos militares e gera reação forte das Forças Armadas Em relação ao atrito, à troca de declarações infelizes ambas, na minha opinião, entre o presidente da CPI e o comandante do Exército (general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira), é aquele ditado: existem três coisas que não voltam: a flecha atirada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida. Nesse caso, o presidente da CPI, o senador, foi infeliz ao usar o termo “banda podre”, porque transmite uma ideia de que há uma quantidade considerável de corruptos dentro do Exército, ao ponto de merecer esse rótulo, coisa que não têm aderência com a realidade. Em seguida, ao saber da repercussão daquela declaração, ele, de imediato, se pronunciou de maneira muito correta, muito educada, muito civilizada, deixando claro que aquela manifestação, aquela declaração não tinha nenhuma intenção de atingir a instituição como um todo. Mas, mesmo assim, veio a nota, que não saiu do comandante do Exército, a quem foi dirigida aquela palavra agressiva, mas já de uma maneira conjunta dos três comandantes das Forças e assinada pelo ministro da Defesa. Também veio em um tom inadequado, porque, embora tenha usado o termo infeliz, não havia o porquê, depois da retratação feita logo em seguida, de ter aquele tipo de reação.

Reações e reações – Acredito até que a maneira mais eficiente de se manifestar a esse respeito para alguém que está interessado em não alimentar discórdia, em promover a união, que é uma obrigação de toda liderança antes de tudo… Quando servimos a um Estado, temos que trabalhar para manter esse Estado unido, sua sociedade… Poderíamos ter declarações bem mais amenas, como no sentido de que, se há uma “banda podre”, conte com o nosso suporte, o nosso apoio, para que sejam identificadas as responsabilidades, porque também nós estamos imbuídos de identificar irregularidades e desvios, e punir de maneira adequada e justa. Ao invés de ir contra, se juntar a ele no sentido de manifestar interesse de identificar os possíveis erros, comprovadamente, e adotar as medidas justas, sejam elas criminais ou disciplinares. Então, acredito que foi uma infelicidade, não só em relação ao termo que foi usado pelo presidente da CPI, como também o tom da resposta dos três comandantes das Forças. Acho que não contribui em nada no processo de unidade, de não alimentar discórdias no âmbito da sociedade.

Carreira política? – A gente nunca pode dizer que dessa água não beberei. No momento, não tenho nenhuma ambição nessa área. As minhas participações têm sempre sido com a intenção de trazer informações, trazer esclarecimentos relativos a uma instituição à qual servi com orgulho durante 40 anos, e carrego esse orgulho até hoje. Então, eu, na condição de militar da reserva, sem querer ser porta-voz dessa instituição, mas com base na experiência desses 40 anos de serviço, tenho me manifestado, sempre que julgo necessário, no sentido de defender as ideias em que eu acredito, os valores com os quais fui formado na minha carreira militar.

Orgulho do Exército – Tudo o que eu tenho na vida, devo ao Exército. Entrei no Exército aos 15 anos de idade, oriundo de Fortaleza, de uma família que não tinha militares. Meus pais eram professora e advogado. E consegui chegar ao curso de general. Isso daí é uma coisa da qual me orgulho. E reconheço muito essa postura da instituição em cima de adotar a meritocracia e levar aos postos elevados pessoas que demonstram durante a sua carreira um desempenho merecedor. Então, tenho essa gratidão muito grande à instituição e sempre terei, pela minha formação e pelas minhas convicções. Tenho essa intenção de colaborar e defender a instituição quando é possível defender. Quando não é possível, não vamos defender o indefensável, vamos criticar, vamos trazer para o debate. Mas, sempre com o objetivo de melhorar a instituição e, no sentido mais amplo, já que agora sou cidadão numa maior plenitude do que já era como militar, contribuir para o pensamento do processo democrático e o desenvolvimento da nossa sociedade. Essa é a minha motivação, isso é o que posso responder no momento.

 

Página 3 da Folha da Manhã de hoje

 

Confira abaixo em vídeo os três blocos com a íntegra da entrevista do general Francisco de Brito Filho ao Folha no Ar da manhã de sexta (23):

 

 

 

 

Atualizado às 9h12 para inserção de links e correção de informação.

 

Brasil/Rio de Janeiro/Campos sob análise para 2022

 

O que esperar das urnas de outubro de 2022, daqui a pouco mais de 14 meses, não só a presidente da República, mas a governador do estado do Rio? E que papel está reservado a Campos dos Goytacazes nas articulações que envolvem suas jovens e hoje mais proeminentes lideranças políticas: o prefeito Wladimir Garotinho (PSD), o secretário estadual de Governo Rodrigo Bacellar (SD) e o hoje secretário de Ciência e Tecnologia de Niterói, Caio Vianna (PDT)? Sem contar uma figura de proa da política fluminense, o prefeito carioca Eduardo Paes (PSD), que confirmou à Folha FM 98,3 estar fora da disputa direta ao Palácio Guanabara — pelo menos no próximo ano. Para tentar interpretar esse complexo tabuleiro político entre Brasília, Rio de Janeiro e Campos, ainda em movimentos iniciais, a Folha buscou, em ordem alfabética, a leitura do economista Alcimar Chagas, professor da Uenf; do advogado Cristiano Miller, presidente da OAB local; do industrial Geraldo Coutinho, proprietário da usina Paraíso e presidente do Siserj; da historiadora Guiomar Valdez, professora do IFF; do sociólogo Roberto Dutra e do cientista político Vitor Peixoto, outros dois professores da Uenf.

 

Alcimar Chagas, Cristiano Miller, Geraldo Hayen Goutinho, Guiomar Valdez, Roberto Dutra e Vitor Peixoto

 

 

Folha da Manhã – Todas as pesquisas de julho destacaram a liderança isolada que Lula hoje tem na corrida presidencial de 2022, assim como o derretimento de Bolsonaro. Que ainda mantém cerca de 25% de aprovação, suficiente para levá-lo ao segundo turno. Mas sua rejeição de cerca de 50% é proibitiva para vencer uma eleição em dois turnos. Isso é reversível nos 14 meses que nos separam das urnas? Acredita na chamada terceira via?

Alcimar Chagas – Infelizmente parte importante da população brasileira ainda vive a expectativa do surgimento do “salvador da pátria”. Não considera aspectos técnicos na avaliação da trajetória evolutiva do país e prefere usar o sentimento pessoal para adorar o seu político de estimação e odiar o de oposição. É desta maneira que se olha o país, através da dualidade Bolsonaro x Lula, sem considerar os valores concretos que beneficiam ou prejudicam o país. Isso inviabiliza o surgimento de outros líderes, assim como inviabiliza a própria evolução do país.

Cristiano Miller – Faltando ainda 14 meses para a eleição, qualquer cenário é perfeitamente reversível, em especial para aquele que está com a máquina na mão. Contudo, o problema para essa reversão, no caso específico, é exatamente quem está no poder, alguém que parece sempre optar pelo pior caminho e cuja rejeição se mostra cada dia maior. Acredito e particularmente torço para o surgimento de uma terceira via, embora, no momento, os nomes apresentados não sejam animadores.

Geraldo Hayen Coutinho – Só uma série de pesquisas realizadas ao longo do tempo torna possível interpretar as tendências, fazer projeções. Não vejo posições consolidadas, ainda. Ambos, Lula e Bolsonaro, com índices de rejeição absurdo, deixam espaço para imprevisibilidades no comportamento desta curva. Dada a polarização que vivenciamos, acho complicado que uma terceira força possa emergir em 2022. Isto não significa dizer que seja improvável um terceiro nome tomar o lugar de qualquer um dos dois protagonistas atuais.

Guiomar Valdez – Penso que seja possível o presidente reverter o seu derretimento. Ele tem a máquina ainda bem azeitada e relações institucionais com os outros dois Poderes ainda não rompidos, apesar de atacados: Luiz Fux (STF) sinaliza que quer conversar, a Câmara tem um bolsonarista na presidência, a recondução de Augusto Aras à PGR. Uma terceira via de centro-esquerda seria o ideal para mim, mas penso ser improvável: o lulismo aposta na polarização; os 25% de bolsonaristas poderão recriar, ao seu jeito, uma nova narrativa de “salvação nacional”.

Roberto Dutra – Lula, se disputar, está garantido no segundo turno. Bolsonaro corre risco crescente de não ir. Embora sua rejeição seja em princípio reversível, me parece que as condições sociais e políticas para esta reversão estão cada vez mais difíceis. Além disso, o repertório tático do presidente parece ter se tornado pobre, previsível e inefetivo. A retórica da guerra cultural de demonização moral dos adversários é sua única grande arma. Quanto mais usada, mais perde valor. Acredito nas chances do que se tem chamado de terceira via.

Vitor Peixoto – Bolsonaro já está em campanha desde o primeiro dia de governo e chegará em 2022 num contexto social e econômico muito adverso. Tanto Lula quanto Bolsonaro possuem resultados bastante conhecidos para serem comparados pelos eleitores, o que representa um desafio a mais para um candidato da terceira via. Mas ainda tem muita água para rolar. A política possui um tempo próprio e qualquer previsão agora é muito arriscada.

 

Folha – As manifestações nacionais contra Bolsonaro de 3 de julho trouxeram uma novidade. Além do banalizado “fascista” e genocida, que pesquisas qualitativas já constataram ser de apreensão difusa, ele também foi chamado de “ladrão”. O que todo brasileiro entende bem e é fruto das investigações de corrupção da CPI da Covid em negociações para compra de vacinas. O presidente perdeu, para 2022, o discurso anticorrupção que surfou em 2018?

Alcimar – O discurso anticorrupção é bem antigo no país e soa como palavras ao vento. Aliás, o receituário de campanha de todos os políticos é bem conhecido. Por isso as instituições públicas são saqueadas por corrupção, sem que a Justiça dê um basta na impunidade. Por outro lado, a memória do brasileiro é muito curta, ninguém lembra mais da Lava Jato, prisão de presidente, ministros, diretores de estatais, governadores. Políticos antes envolvidos em corrupção não perdem o mandato e se transformam em investigadores de possíveis outros casos.

Cristiano – Não há dúvida de que esse discurso não mais se sustenta. O que tem sido visto na CPI da Covid é um festival de condutas voltadas à corrupção, praticadas diretamente por membros do governo federal. E a alegação de que os atos não se consumaram, no caso, não afasta a existência do crime.

Geraldo – No campo das retóricas de campanha ele ainda tem a prerrogativa deste discurso, até o momento o que existe são injunções não comprovadas. Por outro lado, vejo dificuldade do Lula sustentar um debate com esta temática. Diferentemente do escandaloso Mensalão de 2006, quando conseguiu a blindagem necessária para vencer a eleição, hoje teria que explicar a materialidade de condenações diversas. As tecnicalidades que o livraram das restrições impostas pela Justiça não o inocentam.

Guiomar – Sim, perdeu. Entretanto, não subestimo a capacidade de superação de nenhum adversário. Os resultados da CPI da Covid provavelmente indicarão o impeachment do presidente. Mas indicar é uma coisa, abrir o processo é outra. A complexidade da conjuntura política em que chegamos, capitaneado pelo “messias”, por mais surreal que pareça, é fincada no real: no poderio econômico, nas relações políticas institucionalizadas e não institucionalizadas, como as milícias. E de movimentos de caráter religioso fundamentalista.

Roberto – A simplificação do vocabulário é fundamental. Fascista e genocida são termos incapazes de articular o sentimento das maiorias. São conceitos acadêmicos preferidos por uma esquerda entrincheirada em sua bolha. É diferente quando usamos termos como ladrão e traidor. Eles conseguem aglutinar o sentimento majoritário de rejeição ao presidente. Em relação ao tema da corrupção, me parece que Bolsonaro realmente perdeu esta bandeira para 2022. Um concorrente pode se apropriar desta pauta e causar estragos.

Vitor – A extrema-direita corre o risco de perder o discurso anticorrupção, mas lastro de honestidade não se pode afirmar que já teve. Talvez fique mais difícil sustentar as narrativas após tantos escândalos. A CPI está tornando mais cristalinas a incompetência, inaptidão e a corrupção do governo federal.

 

Folha – Outro fato que enfraquece esse discurso anticorrupção e da “nova política” é que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) e o senador Flávio Bolsonaro (Patri/RJ) votaram para triplicar, em plena pandemia, o fundo público de campanha para R$ 5,7 bilhões. Bolsonaro pode vetar. Mas é correto dizer que ele hoje é refém político do Centrão de Arthur Lira (PP/AL), que segura seus mais de 120 pedidos de impeachment na Câmara?

Alcimar – Me parece que essa é uma pratica histórica no presidencialismo. O presidente acaba tendo um grau de dependência acentuado em relação aos partidos mais representativos. Quanto à aprovação do fundo, acredito que o correto é destacar quem votou contra e, neste caso, partidos como o Podemos e o Novo apresentaram um comportamento mais coerente com os interesses da população. Assim, é correta a decisão do presidente de vetar o que podemos classificar de vergonha nacional o que a maioria dos deputados e senadores do país propuseram.

Cristiano – A aprovação, ao menos momentânea, desse fundo eleitoral é uma vergonha. É um valor que praticamente triplica aquele disponibilizado para as eleições de 2018. E o fato de a aprovação ter contado com a participação direta dos filhos do presidente Bolsonaro certamente enfraquece o discurso de “nova política”. O que se vê, em verdade, são velhas práticas, com a eterna dependência do Centrão, hoje simbolizado na figura do presidente da Câmara dos Deputados.

Geraldo – Nesta manobra do imoral fundão, parlamentares alegam que não conheciam a emenda que foi agregada na manhã em que a LDO foi levada a plenário. Outros aguardavam o destaque da emenda que não foi pautado. É preciso expor os donos deste jabuti. Vejo um presidente se convencer de que precisa do Congresso para governar e busca uma frente de apoio. É do bom jogo político, o que não pode é reeditar velhas práticas mercenárias com compradores e comprados, reféns e donos do poder.

Guiomar – Embora tenha se manifestado a favor do veto há poucos dias, percebe-se que sua avaliação será mais desafiadora, pois o coloca num impasse: alinhar-se ao PT que votou contra, ou, se não vetar, atenderá aos seus aliados, já que não faz mais parte de sua base o “morismo”, que talvez o pressionasse. Entretanto, ratificará o PT como beneficiário do maior quinhão do novo fundo, mais ou menos R$ 600 milhões. Que fazer? Alterar o valor do fundo público de campanha, para menos, e não o veto, pode ser um caminho de negociação com os seus pares.

Roberto – Bolsonaro é refém de Arthur Lira. Não resta dúvida sobre isso. E esta situação torna ainda mais difícil seu esforço de reeditar o perfil de candidato antissistema em 2022. Quanto mais se aproxima a corrida eleitoral de 2022, mais improvável fica um impeachment de Bolsonaro. Mesmo assim, sua condição de refém político de personagens como Arthur Lira é um fator adicional na corrosão crescente de sua popularidade.

Vitor – Não podemos dizer que é refém, pois Bolsonaro e Arthur Lira vivem uma relação de comensalismo. Lira organizou a base parlamentar que o governo não teve no primeiro biênio com o Rodrigo Maia (DEM/RJ), e com isso ganhou capacidade de designar os destinos de parte importante dos recursos federais. Faz parte do jogo.

 

Folha – A partir do envolvimento dos militares que tomaram o ministério da Saúde na gestão do general Eduardo Pazuello, nas investigações de corrupção da CPI da Covid, atritos foram gerados entre o Senado e o comando das Forças Armadas, trocado por Bolsonaro em 30 de março. Esse envolvimento de militares em negociações suspeitas e a politização do seu comando tem como conduzir o país a bom termo? Vê risco da “venezuelização” do Brasil?

Alcimar – Não é conveniente a militarização na política, já que as qualificações dos profissionais das Forças Armadas têm suas especificidades à defesa do país. Na política, especialmente nos cargos de gestão, é relevante a profissionalização técnica. Quero dizer que determinados cargos técnicos não devem ser ocupados nem por militares, nem por políticos sem as habilidades necessárias. Insisto que o processo democrático no país precisa avançar e os problemas não são recentes. Apesar das fragilidades, nossas instituições são fortes e diferem da Venezuela.

Cristiano – Enxergo as Forças Armadas como instituições voltadas exclusivamente à defesa nacional e à proteção dos poderes estabelecidos na Constituição Federal. Assim, segundo entendo, não cabe às Forças Armadas qualquer tipo de envolvimento com a política partidária, e muito menos comprometimento com o Poder Executivo, sob pena de colocarmos em risco a democracia, algo tão caro para todos.

Geraldo – Não vejo sombra de risco de repetirmos aqui a experiência da Venezuela ou qualquer outra ditadura. Temos instituições suficientemente fortes, com líderes e população atenta. Não vejo politização da alta patente das nossas Forças Armadas. Acho natural que ao assumir um posto de direção, se busque cercar de pessoas das quais tenha referência. Uma CPI é palco qualificado para julgamentos políticos. Dali saem versões de interesses e não, necessariamente, a devida apuração dos fatos.

Guiomar – Militares e Forças Armadas não são iguais a corrupção. Entretanto, a ditadura civil-militar, de 1964 a 1985, foi marcada por corrupção também. O setor da construção civil e da mineração são exemplos, como revelam indico as obras sobre o período de René Dreifuss e de Elio Gaspari. Não me espanta tantos militares no governo envolvidos em possíveis negociações suspeitas, como na CPI da Covid revelou. Se a “venezuelização” do Brasil for entendida como o período de Hugo Chávez, com esse tipo de militares no poder aliados às milícias, ai de nós!

Roberto – Este tipo de politização das Forças Armadas é um desastre. Trata-se do pior tipo de politização que pode ocorrer: o envolvimento dos militares com o varejo, com a pequena política e com a própria corrupção. Isso não pode nos conduzir a bom termo. O risco de transformação das Forças Armadas em milícias políticas me parece distante. É nem menor que o risco de que as polícias militares cumpram esse papel. O militarismo bolsonarista é sobretudo de baixo clero, melhor representado pelas polícias militares.

Vitor – Em qualquer democracia estabelecida no mundo as ameaças dos comandantes das Forças Armadas aos senadores teriam causado exonerações imediatas dos militares. A nota (do comando das Forças Armadas contra declaração do presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz) foi um absurdo completo, um disparo contra as instituições democráticas. Os membros das Forças Armadas não estão acima da lei, precisam ser investigados como todo e qualquer brasileiro. Quem faz política está sujeito aos controles políticos.

 

Folha – A insistência com o voto impresso, a partir da PEC  135 no Congresso, parece impossível de passar após líderes de 11 partidos, inclusive governistas, fecharem posição contrária em 26 de junho. Bolsonaro tem atacado o presidente do TSE, ministro Luís Barroso. E já declarou que, sem voto impresso, não haverá eleição em 2022. No que teria sido ecoado pelo ministro da Defesa, general Braga Neto, a Lira no último dia 8, como revelado na quinta (22). Vê a tentativa de forjar uma atenuante prévia à derrota eleitoral para tentar um golpe?

Alcimar – Apesar da insistência do presidente em favor do voto impresso, os fatos indicam que é remota essa possibilidade por não existir provas concretas sobre fraude eleitoral. Por outro lado, possíveis ameaças do presidente e seus assessores mais próximos não encontram eco, já que as instituições brasileiras são fortes e qualquer ação fora da ordem constitucional não terá o respaldo da sociedade. Especificamente a possível ameaça do ministro da Defesa também não representa o pensamento das Forças Armadas, cujo papel é proteger a democracia.

Cristiano – O Brasil é conhecido por ter um dos mais eficazes sistemas de votação eletrônica do mundo. Deveríamos ter orgulho disso. O retorno ao voto impresso significará um retrocesso, com a fragilização do sigilo, o aumento dos gastos eleitorais e o risco maior de judicialização das eleições. A insistência não apenas se apresenta como desculpa antecipada para eventual derrota futura, mas, o que é mais grave, dá sinais claros de que se trata de uma grave tentativa de ofensa à democracia, com um golpe abertamente apoiado pelo ministro da Defesa, general Braga Neto.

Geraldo – Instituições, pensadores, população, juventude, estamos todos juntos, atentos e fortes para assegurar que golpes ou arroubos ditatoriais não encontrarão terreno para germinar. Na questão do voto, temos que debater sobre um sistema onde se perceba padrões de excelência e não criar redundâncias que irão conflitar e só aumentarão as incertezas sobre autenticidade do resultado. Tudo o mais sobre o tema são meras bravatas, palavras ao vento, servem à militância, não passa disto.

Guiomar – Essa PEC 135 e as ameaças às eleições de 2022 feitas por Bolsonaro são uma atenuante prévia à derrota eleitoral. Que será levada à campanha eleitoral. O presidente e suas “viúvas da ditadura” tensionarão os próximos dias e meses com esse tema, num pêndulo que “diz” e “desdiz”, a fim de dominar os noticiários. Esta semana foi exemplar, na ameaça do ministro da Defesa, general Braga Netto, ao presidente da Câmara Lira no último dia 8, de não ter eleições em 2022. Mas penso ainda ser improvável um novo golpe.

Roberto – Não há dúvida de que um golpe sempre esteve na pauta de Bolsonaro. Ele faz questão de deixar isso muito claro. Também é evidente que ele está se antecipando a uma derrota eleitoral a cada dia mais provável. Mas não acredito em um golpe militar em favor de Bolsonaro. Meu maior medo é que, diferente de Trump, ele consiga aglutinar apoio de policiais militares para desestabilizar as eleições e o processo de transição. O alto risco de violência política em torno da eleição presidencial é mais uma novidade perversa do bolsonarismo.

Vitor – Esta escancarada a estratégia desde a primeira cena. Um roteiro de baixo nível, sem sofisticação intelectual que conta com a limitação cognitiva dos adeptos. Filme digno da pornochanchada da década de 70 com um patológico canastrão pervertido no papel principal. O fim será uma tragicômica brochada.

 

Página 4 da Folha da Manhã de hoje

 

Jair Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva, Eduardo Paes, Cláudio Castro, Marcelo Freixo, Rodrigo Neves, Wladimir Garotinho, Rodrigo Bacellar e Caio Vianna

 

Folha – Em 2022, também teremos a eleição a governador do estado do Rio. Nomes como o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) e do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM/MS) foram aventados. Certos, até agora, parecem ser o governador Cláudio Castro (PL), o deputado federal Marcelo Freixo (PSB) e o ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves (PDT), que lançou sua pré-candidatura em Campos no dia 16. Como enxerga esse tabuleiro?

Alcimar – Com certo pessimismo em função do histórico recente da política fluminense. O atual governador Cláudio Castro parece ganhar apoio importante das lideranças regionais e o clima já é de campanha. Entretanto o estado precisa ser pensado no contexto de longo prazo, já que apresenta problemas de crescimento econômico, desordem fiscal e baixa capacidade de investimento, apesar de referência na produção de petróleo no país.

Cristiano – O governador Cláudio Castro era um nome desconhecido, mas herdou o cargo com a cassação do Witzel e, naturalmente, ganha força. O Marcelo Freixo é um tradicional candidato da esquerda fluminense. Mudou de partido, o que pode lhe ampliar o eleitorado. Rodrigo Neves é um nome novo. Fez uma gestão com pontos positivos em Niterói, embora tenha ficado preso por alguns meses, o que será explorado. Além deles, não se pode descartar o candidato que vier a ser apoiado pelo Eduardo Paes. Enfim, a disputa no estado está completamente aberta.

Geraldo – Tanto mais quente for a disputa nacional, mais morno será o debate estadual. O governador mostrou maturidade e sabedoria política no jogo em que sucedeu o titular impedido, parte fortalecido e com um bom cacife. O Freixo não tem demonstrado articulação necessária para ir além de seu nicho cativo. O Rodrigo tem bagagem política e conhece o jogo, ainda poderá chegar ao Palácio das Laranjeiras. Com as fichas que estão na mesa e estes jogadores, minha aposta é na eleição de Castro a governador.

Guiomar – É fato que o tabuleiro do Estado do Rio seguirá os arranjos nacionais das lideranças e de seus partidos. A concretização dessas articulações, entretanto, se dará de fato nos níveis estadual e municipal. Por isso a movimentação, em especial, através de visitas e entrevistas que já começaram no interior do nosso Estado. Se estes quadros de pré-candidaturas se mantiverem, o “passe” das lideranças campistas no município, em cargos no governo estadual, no importante município de Niterói e na Assembleia Legislativa, será disputado intensamente.

Roberto – Por enquanto, é que dá para dizer é que o governador será um candidato forte e que Freixo, se conseguir os apoios com que parece contar, desponta como principal nome da oposição. No entanto, uma possível aproximação de Rodrigo Neves com Eduardo Paes e o PSD pode viabilizar uma terceira candidatura competitiva. As negociações políticas ao governo estadual estão diretamente ligadas à disputa pela presidência da República. Se a dita terceira via ganhar força no cenário nacional, isso terá impacto na disputa estadual.

Vitor – O estado do Rio está em processo de reorganização política após prisões de dezenas de políticos do grupo do ex-governador Cabral (MDB) e a ascensão e queda meteórica de um governador antipolítica (Witzel, eleito) em 2018. Cláudio Castro terá a máquina do estado, mas continua desconhecido da população e traz consigo a ligação com o Pastor Everaldo envolvido em escândalos. Freixo e Neves dividirão o campo progressista de esquerda, além de um possível candidato do Eduardo Paes.

 

Folha – Entre as eleições a presidente e a governador, há pontos de intersecção com as lideranças políticas de Campos. O prefeito Wladimir Garotinho e o secretário estadual de Governo Rodrigo Bacellar, antagonistas locais, se unem no apoio a Castro, que apoia Bolsonaro. Secretário de Ciência e Tecnologia de Niterói, Caio Vianna apoia Neves, que em tese apoiará Ciro Gomes (PDT), mas já foi do PT e poderia apoiar Lula. Como você vê?

Alcimar – Nesses momentos as lideranças políticas mostram os seus verdadeiros interesses. Partido, ideologia, coletividade, visão de futuro, são elementos descartáveis. O projeto de poder tem prioridade sobre o bem-estar da população. O problema é que o ciclo é bianual e inviabiliza as iniciativas de planejamento e comprometimento com o desenvolvimento socioeconômico das cidades, regiões e país.

Cristiano – O sistema eleitoral brasileiro, e mais especificamente a política brasileira, tem por característica a realização de alianças e coligações absolutamente desvinculadas das intenções e dos compromissos porventura assumidos acerca de questões locais. Isso, por um lado, poderia ser visto de forma positiva, caso permitisse a ampliação do debate entre as lideranças locais. Mas, infelizmente, não é essa consequência que se constata.

Geraldo – É extremamente positivo que lideranças locais se articulem com forças estaduais e até nacionais. A melhor das batalhas que a cidade poderia desejar é a disputa destas lideranças por realizações que contribuam com o desenvolvimento local. A questão nacional passará ao largo dos movimentos da região. O próprio embate estadual deve guardar certa discrição no trato da disputa federal. Não vejo, por enquanto, Lula ou Bolsonaro com palanques atrativos aos candidatos estaduais.

Guiomar – Sim, é possível que essas forças locais antagônicas se unam em torno da candidatura de Castro a governador, não esquecendo, que até aqui, ele é bolsonarista de “carteirinha”. Porém, lembro que o PSD, partido de Wladimir, historicamente do Centrão, foi aliado dos governos do PT. Já são intensas as conversas entre Freixo e Neves. As articulações ao Governo do Estado, tendo importantes lideranças campistas compondo estas ações, dependerão muito do cenário nacional. O que farão do embate Ciro x Lula? Acordos para o segundo turno?

Roberto – Em 2018, quando foi candidato a deputado, Caio não moveu uma palha pela candidatura presidencial de seu partido. Não creio que Wladimir apoie Bolsonaro ou qualquer outro candidato a presidente. O mesmo em relação a Bacellar. Os três são políticos locais de destacada vulgaridade. Só se movem pelo comando político ou financeiro de alguém maior. Nunca por afinidade ideológica. Desta vez Caio está nas mãos de Neves e precisará obedecer. Já Wladimir e Bacellar, embora aliados de Castro, devem ficar soltos na eleição presidencial.

Vitor – No geral, as prefeituras têm pouco ou nenhum impacto nas eleições presidenciais. Prefeitos do interior, especificamente, atuam mais como cabos eleitorais de deputados federais e estaduais do que de governadores. Wladimir talvez consiga ajudar a eleger um ou dois do grupo Garotinho, Rodrigo Bacellar terá que se preocupar com a própria candidatura e Caio é peça irrelevante. A região perdeu representantes na Alerj para a Covid (os ex-deputados estaduais Gil Vianna e João Peixoto), é provável que consiga recompor o poder político.

 

Folha – Na campanha a prefeito de Campos em 2020, o então candidato Roberto Henriques (PCdoB) usou a expressão “dinheiro novo” em entrevista ao Folha no Ar, da Folha FM 98,3, em 8 de outubro. Que passou a ser usada pelos demais candidatos, inclusive o vencedor Wladimir. Como esse “dinheiro novo” para enfrentar a crise financeira de Campos se refere a verbas estaduais e federais, qual a importância de 2022 ao destino dos campistas?

Alcimar – Particularmente reconheço ingresso de dinheiro novo, como consequência de um processo de melhoria da dinâmica econômica. Neste quadro podemos considerar os investimentos públicos, que induzem novos negócios com geração de emprego, renda e tributos e os investimentos privados, capazes de animar a economia, ampliando o estoque de riqueza.  Na esfera privada, Campos apresenta boas perspectivas de investimento com a desaceleração da pandemia. O poder público precisa aproveitar essa oportunidade e fazer o dever de casa.

Cristiano – A geração de receitas e o efetivo alcance do “dinheiro novo” depende de criatividade do Poder Público. Isso, por evidente, não retira o mérito para a obtenção de “dinheiro novo” por intermédio de verbas públicas provenientes dos governos estadual e federal. Contudo, por outro lado, essa dependência não é positiva, em especial porque vincula desnecessariamente os governantes locais a candidaturas que, em diversos outros pontos, podem não significar as melhores escolhas.

Geraldo – Sempre ouvi essa expressão significando ingresso de recurso apartado do fluxo convencional, do orçamento tradicional e, por isto, ainda não foi alvo de disputas por alocações em rubricas de interesses de setores, regiões ou grupos específicos. É uma verba que o mandatário do executivo tem maior liberdade para gerir. É função perene de qualquer gestor mostrar criatividade e competência na busca por novas fontes de recursos, mesmo que obrigue articular com antagônicos.

Guiomar – O destino do campista será novamente marcado pela lógica reinante da política brasileira: clientelismo e troca de favores. Esse “dinheiro novo” será tratado com as marcas de uma política eleitoreira, não de forma consultiva e participativa da sociedade civil organizada, objetivando um desenvolvimento articulado. Definir onde e como investir esses recursos dependerá do clientelismo eleitoral, da nossa memória de curtíssimo prazo e do pandemônio socioeconômico da pandemia. Quem será o “salvador” dessa “intrépida amazona”?

Roberto – Em um país federalista como o nosso as verbas estaduais e federais são sempre fundamentais para os municípios. Por isso, o interesse de Campos só tem futuro articulado com a busca de melhorais importantes neste federalismo. O “dinheiro novo” precisa ser sustentado com base em mudanças institucionais nos termos de arrecadação e repasse de tributos entre União, estados e municípios. Um município importante como Campos não pode encontrar soluções isoladas de curto prazo baseadas em aproximação política de conveniência.

Vitor – Todo recurso que tem origem em transferências condicionadas depende da capacidade de articulação política e negociação. Independentemente de quem vencer as eleições estaduais e nacionais o prefeito terá que adaptar as estratégias. Sem os royalties que seus pais tiveram à disposição, Wladimir não terá alternativas senão a de cooperação com demais entes federativos para buscar recursos.

 

Folha – “Dinheiro novo” não falta a Cláudio Castro. A venda da Cedae, ao lado de Bolsonaro, rendeu R$ 22 bilhões, sendo R$ 7,688 bilhões distribuídos proporcionalmente pelos 28 municípios que aderiram ao plano de concessão de saneamento. E, para atender aos demais 63 municípios, excluída a capital, o governador terá à disposição R$ 14,478 bilhões. É “dinheiro novo” o suficiente para se eleger governador a partir dos prefeitos?

Alcimar – A venda de ativos também representa “dinheiro novo”, porém o seu uso é importante. Por exemplo, um plano de saneamento vai exigir dos municípios projetos técnicos que podem ter relevante papel na dinâmica econômica. Situação diferente também pode ocorrer se o “dinheiro novo” for associado à eleição. Podemos lembrar dos exemplos recentes de mau uso de recursos, superfaturamento e corrupção no país e a não conclusão dos objetivos em anos bem recentes, como 2015, 2016 e 2017.

Cristiano – Infelizmente, um dinheiro que deveria ser utilizado para outras questões vai acabar servindo de moeda de apoio para as eleições estaduais. Não sei se esse dinheiro será suficiente para a eleição do Cláudio Castro, mas certamente o torna um candidato muito mais forte.

Geraldo – O capital político é formado por diferentes “dinheiros”. Antes das moedas, o candidato precisa mostrar sabedoria em suas escolhas, capacidades em bem articular alianças, credibilidade perante seus pares e eleitores, inteligência para fazer promessas corretas e críveis. Depois disto, o “dinheiro novo” irá somar diferença. O maior dos ingênuos sabe que dinheiro acaba e no fim do dia mais vale é acreditar que amanhã o parceiro manterá a lealdade e que a fonte estará viva e renovada.

Guiomar – Castro terá a “faca” da máquina e o “queijo” do dinheiro nas mãos para ampliar sua base, dividindo de uma vez só o espólio da privatização da Cedae. Um “dinheiro novo” fruto da venda/concessão de nossas águas, fruto de emendas parlamentares que muitas vezes vêm atreladas no Congresso e na Assembleia Legislativa de leis que significam perda de direitos. Por isso a necessidade de manter o círculo vicioso do clientelismo. Imaginem, se a população se liberta dessas amarras e passa a compreender as relações políticas além da troca de favores?

Roberto – Pode não ser suficiente, mas conta muito, sobretudo na cooptação dos prefeitos. Mas devemos esperar que o alinhamento ideológico da eleição para o governo estadual com a eleição presidencial, que foi muito forte em 2018, se repita em 2022. E isto significa que o dinheiro novo pode não bastar para garantir a eleição de Castro: a possível derrota de Bolsonaro no estado do Rio pode arrastar também seu candidato a governador. Seria o fenômeno Witzel ao contrário.

Vitor – Sem dúvida representa um aumento do poder da máquina política do Estado, mas ainda assim será um desafio à eleição de um governador desconhecido, inexpressivo e com passado comprometedor. As forças políticas no estado do Rio estão em processo de reestruturação e a economia ainda engatinha, mesmo com a entrada de novos recursos.

 

Folha – Prefeito do Rio, Eduardo Paes prometeu na campanha que não seria candidato a governador. E confirmou em entrevista ao Folha no Ar do último dia 9: “isso (ser candidato a governador) não vai acontecer em 2022, em hipótese nenhuma”. Mas parece ser consenso que é a “noiva preferida” de quem se candidatar. O fato de Castro, se eleito governador em 2022, não poder se candidatar à reeleição em 2026, pode pesar para definir o apoio de Paes? 

Alcimar – Acredito que sim, já que o prefeito do Rio de Janeiro precisa cumprir os quatro anos de mandato para manter a confiança adquirida. Acredito que ele aprendeu com o passado e é inteligente suficiente para não agir de forma manchar a credibilidade que tem da população e que lhe permitiu a vitória nas urnas. Nesse caso esperar 2026 deve ser a melhor estratégia.

Cristiano – Pela força política que possui no estado do Rio, mormente na capital carioca, acredito que o Eduardo Paes vai querer lançar (seu) candidato e não apoiará o Cláudio Castro, mesmo considerando o fato de a reeleição deste refletir nas eleições (a governador) de 2026. Sinceramente, não acredito que o Cláudio Castro tenha força suficiente para “impor” apoio nas eleições de 2022, tão somente para abrir caminho para o Eduardo Paes nas eleições de 2026.

Geraldo – Conheço o Eduardo dos tempos que integrava os quadros do PSDB. É um político com rara inteligência e já mostrou competência em gestão. Gostaria de vê-lo à frente do Executivo fluminense. Hoje não disponibiliza seu nome para 2022 porque entende haver um trabalho a ser feito na capital. Entretanto, se houver um arranjo adequado e a candidatura dele for reclamada como necessária ao Estado do Rio, tenho certeza que abraçará o desafio. Ademais, é um dos principais eleitores no RJ.

Guiomar – Eduardo Paes é muito maior que Castro. Tem luz própria, conhece o estado do Rio, é bem articulado com as variadas lideranças nacionais. Ele não depende do bolsonarismo, único esteio de Castro, mesmo com os bilhões finitos da Cedae. Não penso que o governador atual seja uma preocupação de Paes, pensando em 2026. Se ele cumprir a palavra de não disputar a governador em 2022, torna-se, é verdade, a “noiva preferida”. Quem ele vai apoiar? Dependendo da escolha, o tabuleiro que envolve lideranças políticas de Campos pode mudar.

Roberto – Do ponto de vista do cálculo político isolado de Paes para a disputa de 2026, pode até fazer sentido torcer pela reeleição de Castro. Mas o cálculo político raramente é de um de ator isolado. Paes não pode ignorar coisas como os rumos do jogo político nacional. As negociações políticas para a eleição estadual estão ligadas às negociações para a eleição nacional. E isso deve pesar muito na definição do apoio de Paes.

Vitor – Acho que o cenário 2026 é uma projeção muito pouco factível para se escolher adversário neste momento. Eduardo Paes é um político de expressão nacional, tem vocação, preparo e ambição. A carreira foi atropelada pelas eleições atípicas de 2018, quando poderia ter chegado ao Governo do Estado. Acredito que a estratégia seja se projetar para a futura disputa presidencial em 2030, mas até lá terá muitas oportunidades.

 

Página 5 da Folha da Manhã de hoje

 

Ameaça às eleições de 2022 e Pedro Aleixo no IFF-Guarus

 

 

João Monteiro Pessôa, historiador e professor do IFF-Guarus

A ameaça às eleições de 2022 e o alerta de Pedro Aleixo

Por João Monteiro Pessôa

 

O assunto da semana foi a ameaça à realização das eleições de 2022, ou melhor dizendo, a crise da vez, que dominou a agenda nacional na semana que passou, foi essa. Esse é o novo normal no Brasil, uma sucessão de crises. Aprendemos a viver com um absurdo diferente dominando o noticiário de cada semana. São tantos casos graves, que acabamos ficando anestesiados e perdendo o senso de proporção. Passamos a normalizar situações que, pouco tempo atrás, seriam consideradas alarmantes. Só isso explica a inércia e a complacência das instituições frente aos ataques seguidos e sistemáticos que têm sido feitos, à luz do dia, contra os pilares do estado democrático de direito.

No episódio desta semana, foi noticiado pelo jornal O Estado de São Paulo que o ministro da defesa, General Walter Braga Netto, teria assumido a defesa da mudança no sistema de votação, com vistas à adoção do voto impresso para o pleito de 2022, uma obsessão do presidente que o general tenta agradar. Por si só, a atitude já seria uma impropriedade, visto que as regras eleitorais não são competência do ministério da Defesa. Mas a notícia tem um detalhe adicional e alarmante, o ministro da Defesa teria condicionado a realização das próprias eleições à adoção do voto impresso, ecoando uma ameaça já formulada pelo próprio presidente algumas semanas antes: sem voto impresso pode não ter eleição em 2022!

Vale ressaltar que essa mudança tem pouquíssima chance de passar pelo Congresso, pois desperta preocupações e resistência dos mais diversos setores da sociedade, com exceção das hostes bolsonaristas. As bases dessa demanda são frágeis, na medida em que as alegações de fraudes são absolutamente infundadas. Além disso, as mudanças propostas poderiam ameaçar gravemente o direito do eleitor ao sigilo de seu voto, criando um problema real por conta de resolver um problema imaginário. Logo a ameaça do general teria como objetivo intimidar o Parlamento, submetendo os parlamentares ao desejo presidencial ao arrepio da opinião pública, que é majoritariamente contrária a medida.

Diante da reação alarmada de vastos setores, o governo executou a manobra padrão de retirada. O ministro da defesa negou, sem entrar em detalhes, dizendo que era uma invenção do jornal. Logo depois o ministério da Defesa emitiu nota oficial, negando a ameaça, mas reafirmando seu engajamento, absolutamente impróprio, na defesa do voto impresso. O alvo da ameaça, o presidente da Congresso e deputado Artur Lira também negou. E, assim como o presidente do Senado e ministros do STF, emitiu nota respondendo à ameaça que oficialmente não existiu. Até o vice-presidente, general Mourão, resolveu faturar no papel de defensor da ordem democrática e deu declarações tranquilizadoras garantindo a realização das eleições de 2022 de qualquer maneira. Assim, ficou o dito pelo não dito e aparentemente a crise foi debelada, os incautos podem até se enganar achando que a democracia saiu fortalecida. Mas nada está mais longe da realidade, visto que existe um projeto bem claro por parte do governo, existe método por trás da aparência de desordem e loucura.

O projeto não é segredo para ninguém que preste o mínimo de atenção na retórica, para não falar nas práticas administrativas desse governo, ele consiste em subverter a democracia por dentro. Vale recordar que, no seu primeiro ano, o governo vivia às turras com o Congresso, acusava o Parlamento de inviabilizar o Brasil e não deixar o presidente governar. Naquele ano de 2019, o problema do governo era com o Poder Legislativo. No ano passado o foco mudou para governadores “inimigos” e principalmente para o STF. Os mais afoitos pediam fechamento do Tribunal e intervenção militar. Ao longo deste ano, frente a pesquisas eleitorais desfavoráveis, o alvo passou a ser a Justiça Eleitoral e, pasmem, as próprias eleições.

Mesmo que todos esses ataques tenham terminado em retiradas estratégicas, eles produzem resultados, pois vão minando gradualmente as bases do sistema ao introduzir no debate ideias incabíveis numa democracia, são como o ovo da serpente. Fazem parte do método, bem sucedido, de normalizar discussões que poucos anos atrás seriam consideradas absurdas. Temas como fechamento do Congresso, do STF, a edição de uma nova versão do AI-5 e outros disparates passam a circular como ideias legítimas, o que já é uma vitória em si para os partidários desse projeto. E, no caso específico da falsa polêmica do voto impresso, ainda há um elemento adicional, parece ser a semente de um movimento para tentar melar as eleições de 2022, caso o resultado seja desfavorável. Estão plantando dúvidas sobre o sistema previamente, para justificar uma virada de mesa, caso a provável derrota se confirme.

Governos deixam legados, trazem consequências de longo prazo, sejam elas positivas ou negativas. O governo atual deixará como seu pior legado esse esgarçamento da ordem democrática, essa fragilização das instituições. Mesmo que a derrota eleitoral em 2022 seja provável, existe dúvida e temor sobre o resultado das eleições. E isso, por si só já, é um retrocesso. Necessário perceber que esse retrocesso não se limita às grandes questões nacionais, mas afeta os mais variados e rotineiros aspectos da vida social. Para ilustrar, conto um fato ocorrido há duas semanas no campus do IFF-Guarus que tem servido, desde o início deste ano, como polo de vacinação contra a Covid-19. Apesar da grande demanda, da natural tensão da população, de filas grandes que às vezes começam de madrugada e outros fatores geradores de estresse, a vacinação por lá transcorreu em paz e sem grandes incidentes.

Mais recentemente, o campus também passou a ser polo da vacinação contra a gripe. Diante do aumento da demanda e do volume de pessoas circulando no campus, a equipe de servidores do IFF se tornou insuficiente, visto que dispõe de poucos vigilantes durante o turno do dia, e estes não estavam conseguindo controlar tanta gente. Por essa razão foi solicitado apoio externo e o Exército passou a colaborar enviando seu pessoal para ajudar na organização da fila. Tudo correu bem, até semana passada, quando um jovem oficial, que estava no campus pela primeira vez, causou um tumulto por se recusar a seguir os procedimentos adotados, testados e comprovados, sobre a forma de distribuir as senhas e de permitir a entrada das pessoas a serem vacinadas no campus. O motivo da confusão era a convicção do jovem oficial de que, como o militar mais graduado no local, cabia a ele dar as ordens e tomar as decisões.

Ao ouvir esse relato, lembrei da famosa advertência de Pedro Aleixo na noite em que foi aprovado o AI-5. Reunidos no Palácio do Planalto, o presidente e seu ministério discutiam a adoção do mais duro e repressivo dos atos institucionais. A aprovação seria unânime, não fosse pela discordância do vice-presidente Pedro Aleixo, que argumentou contra as medidas por considerá-las excessivas e potencialmente perigosas. Diante da pergunta se desconfiava das intenções do presidente Costa e Silva, respondeu com uma frase lapidar: “no senhor, presidente, eu confio plenamente, eu me preocupo é com o comportamento do guarda da esquina”. Sintetizou dessa forma o risco inerente a qualquer ditadura, a proliferação de pequenos tiranos encastelados nas várias esferas do serviço público, especialmente nas corporações militares.

Pois, no Brasil de hoje, não há dúvidas de que a ameaça parte diretamente do presidente da República, resta a esperança de que os “guardas” e seus comandantes tenham a moderação, o bom senso e o compromisso com a ordem democrática que o comandante em chefe já mostrou não possuir.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã

 

“Ameaça” à eleição e Bolsonaro assume: “Eu sou Centrão”

 

 

 

No início da manhã de hoje, ainda durante minha participação na entrevista ao cientista social Marcelo Viana (confira aqui) ao Folha no Ar, da Folha FM 98,3, soube no grupo de WhatsApp do programa e deste blog da revelação bombástica da matéria do Estadão (confira aqui), das jornalistas Andreza Matais e Vera Rosa. No último dia 8, o ministro da Defesa, general da reserva Braga Netto, diante dos comandantes das três Forças Armadas, mandou por meio de um interlocutor a ameaça ao presidente da Câmara Federal, o governista Arthur Lira (PP/AL): “sem o voto impresso, não haverá eleições em 2022”.

 

Braga Netto e Arthur Lira

 

Concluído o Folha no Ar, argumentei no seu grupo de WhatsApp que, se a informação estivesse correta, teria servido ao governo Jair Bolsonaro (sem partido) como mais um tiro no pé. Dada a credibilidade do Estadão, que reputo como o melhor jornal do Brasil, e o grau de detalhamento da matéria de duas jornalistas altamente conceituadas em Brasília, tudo levava a crer que a “ameaça” realmente existiu. Menos pelas evasivas de Braga Neto e Lira, do que o tiro pela culatra no aumento do loteamento do governo ao Centrão do presidente da Câmara.

Hoje, no mesmo dia que o Estadão revelou a “ameaça” de Braga Netto a Lira, Bolsonaro anunciou (confira aqui) o senador Ciro Nogueira (PP/PI) como novo ministro da Casa Civil. Ironicamente, quem sai da poderosa pasta é outro general da reserva do Exército, Luiz Eduardo Ramos. Ele vai se abrigar no ministério da Secretaria Geral. Em outra ironia, Ramos foi o principal responsável (confira aqui) pela reaproximação do governo Bolsonaro com o Centrão. Ao qual o presidente sempre pertenceu em seus 30 anos de vida parlamentar.

 

 

Se qualquer dúvida ainda houvesse no eleitor “anticorrupção” que riu quando outro general da reserva, Augusto Heleno cantou (confira aqui) “Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”, durante a convenção nacional do PSL na campanha presidencial de 2018, a certeza foi dada hoje. E pelo próprio Bolsonaro (confira aqui): “Eu sou do Centrão. Eu fui do PP (partido de Lira, do novo ministro Ciro Nogueira e que mais presos teve pela Lava-Jato) metade do meu tempo (…) Eu nasci de lá”.

 

 

Quanto à proposta do voto impresso, ela nasceu da mesma necessidade de uma atenuante prévia à derrota eleitoral que o ex-presidente dos EUA Donald Trump tentou forjar em 2020, pregando fraude sem nenhuma prova contra o voto pelos correios secular em seu país que deu a vitória a Joe Biden. E redundou na invasão do Capitólio (confira aqui e aqui) por militantes trumpistas em 6 de janeiro deste ano.

 

Invasão ao Capitólio nos EUA em 6 de janeiro

 

No Brasil, o “jabuti” do voto impresso (entenda aqui) é encarnado na Proposta de Emenda (PEC) 135, da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL/DF). Que, como toda PEC, precisaria ser aprovada por 3/5 do Congresso Nacional. Depois de 26 de junho, quando líderes de 11 partidos, inclusive governistas, fecharam posição (confira aqui) contra o voto impresso — sem nenhuma prova de fraude nas urnas eletrônicas adotadas no Brasil desde as eleições municipais de 1996 —, pode-se dizer que o “jabuti” bolsonarista morreu no ovo.

 

 

Quanto à “ameaça” de Braga Netto a Lira, que segura os mais de 120 pedidos de impeachment de Bolsonaro no Congresso, muitas reações institucionais foram registradas hoje. Mas nenhuma foi mais emblemática que a de outro general da reserva (confira aqui), o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB): “Nós não estamos mais no século 20. É lógico que vai ter eleição. Quem é que vai proibir eleição no Brasil? Nós não somos república de bananas”.

“Sem o voto impresso, não haverá eleições em 2022” não mais foi um tiro no pé do governo Bolsonaro. Foi um tiroteio de fazer inveja a filme de Quentin Tarantino.

 

General analisa questão militar no Folha no Ar desta 6ª

 

 

A partir das 7h da manhã desta sexta (23), quem fecha a semana do Folha no Ar, na Folha FM 98,3, é o general de brigada da reserva Francisco de Brito Filho, ex-comandante do contingente brasileiro no Haiti, ex-comandante da Força de Pacificação no Complexo da Maré-RJ, ex-instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro (Eceme) e ex-comandante e ex-chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Nordeste.

Ele falará sobre a questão militar no Brasil do Império aos nossos dias, tema do debate virtual do qual participará no dia 30, a partir das 16h, promovido pela Fundação Astrojildo Pereira e com transmissão ao vivo pela Folha FM e Plena TV. Também falará sobre a experiência do Haiti, a politização dos quartéis no governo Jair Bolsonaro (sem partido) e a passagem do general da ativa Eduardo Pazuello no ministério da Saúde.

Por fim, o general analisará o papel constitucional das Forças Armadas Brasileiras, sua troca de comando pelo presidente em 30 de março e os atritos recentes com outros Poderes da República. Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta sexta pode fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.

 

América do Sul, Brasil e Campos no Folha no Ar desta 5ª

 

(Arte: Joseli Mathias)

 

A partir das 7h da manhã desta quinta (22), o convidado do Folha no Ar, na Folha FM 98,3, é o cientista social Marcelo Viana Estevão de Moraes. Ele falará sobre a construção da América do Sul a partir do Brasil e da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

Marcelo também analisará o efeito do governo Jair Bolsonaro (sem partido) na geopolítica do país e sua imagem internacional. E, por fim, falará dos caminhos do Estado do Rio, do Norte Fluminense e de Campos no mundo globalizado.

Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta quinta pode fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.

 

IFF oficializa pauta identitária de gênero na instituição

 

A pauta identitária de gênero ganhou espaço oficial na maior e mais importante instituição de ensino de Campos e região. O próprio reitor do IFF, professor Jefferson Manhães de Azevedo, divulgou agora há pouco nas redes sociais: “A pessoa (no IFF) poderá utilizar o nome com o qual se identifica e é socialmente reconhecida, que pode ser diferente de seu nome civil (…) sem necessariamente ter relação com o sexo atribuído ao seu nascimento”.

Abaixo, sem emissão de juízo de valor, segue a íntegra da informação:

 

(Arte: IFF)

 

IFF publica Ofício Circular sobre o uso de nome social e reconhecimento de gênero

A pessoa poderá utilizar o nome com o qual se identifica e é socialmente reconhecida, que pode ser diferente de seu nome civil, bem como ter reconhecida a forma como se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade, sem necessariamente ter relação com o sexo atribuído ao seu nascimento.

O nome social será incluído a qualquer tempo nos documentos oficiais e nos registros dos sistemas de informação, de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de formulários, de prontuários e congêneres.

 

Para saber mais sobre a questão em Campos, confira a matéria Questão de gênero da tela da Globo à realidade da planície goitacá, publicada em 10 de setembro de 2017.

 

Governador, deputado liberal e arauto de Lula em Campos

 

Cláudio Castro, Wladimir Garotinho, Rodrigo Bacellar, Rodrigo Neves, Caio Vianna, Paulo Ganime, Lindbergh Farias, Luiz Inácio Lula da Silva, Natália Soares, Aluysio Cardoso Barbosa e Campos dos Goytacazes (Montagem: Joseli Mathias)

 

Castro traz governo do RJ a Campos

Como anunciado (confira aqui) pelo portal Folha 1 na noite de segunda (19), em matéria da jornalista Dora Paula Paes, o governador Cláudio Castro (PL) trará seu gabinete itinerante ao Norte Fluminense nos dias 5, 6 e 7 de agosto. No dia 6, feriado municipal de São Salvador, padroeiro de Campos, está marcada uma reunião na Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL), o que confirma o prestígio político do setor produtivo goitacá. Nos bastidores, o prestígio político do governador será disputado entre os palanques de dois opositores, mas aliados do governador: o prefeito Wladimir Garotinho (PSD) e o secretário estadual de Governo Rodrigo Bacellar (SD).

 

Planície disputada para 2022

A decisão da vinda de Castro é anterior ao lançamento da pré-candidatura a governador do ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves (PDT) em Campos (confira aqui), na última sexta (16). Mas foi reforçada por este movimento. Quando Caio Vianna (PDT), que em 2020 disputou com Wladimir um acirrado segundo turno a prefeito e agora é secretário de Ciência e Tecnologia de Niterói, teve também lançada sua pré-candidatura a deputado federal. Como esta coluna detalhou em sua última edição (confira aqui), no sábado (17), já começou a disputa da eleição ao Palácio Guanabara. E Campos tem cumprido parte importante nela.

 

Visita de deputado do Novo

A pouco mais de 14 meses das urnas, Campos e a região entraram mesmo no roteiro de quem disputará mandatos em 2022. Alguns, da maneira mais republicana possível. É o caso do deputado federal Paulo Ganime (Novo), que aproveitou o recesso parlamentar para percorrer 10 municípios do Norte e Noroeste Fluminense entre segunda e a próxima sexta (23). Formado em engenharia de produção pelo Cefet-RJ, ele ontem visitou às instalações de um ex-Cefet, o atual Instituto Federal Fluminense (IFF), em Cambuci. E hoje visita o campus Campos-Centro do IFF, antes de se reunir com o prefeito Wladimir e de também prestigiar a CDL-Campos.

 

Liberal pela educação pública

A relação de Ganime com o ensino tecnológico federal não se limita à sua formação. Com o reitor Jefferson Manhãs de Azevedo em viagem, o parlamentar será recebido no IFF por seu diretor de relações institucionais, Fernando Ferrara, e o diretor do campus Campos-Centro, Carlos Alberto Henriques. Numa instituição de ensino pública geralmente associada à esquerda, o deputado liberal ligado ao movimento RenovaBR tem serviços prestados. Foi um dos que lideraram uma emenda de bancada no valor total de R$ 5,35 milhões ao IFF. À qual também destinou mais duas emendas pessoais no valor total de R$ 1,04 milhão.

 

Petista na semana que vem

Entre a visita de Rodrigo Neves na sexta passada e a vinda do governador Cláudio Castro com daqui a duas semanas, na próxima quem também estará em Campos é o ex-senador Lindbergh Farias (PT). Atualmente vereador no Rio e pré-candidato a deputado federal em 2022, ele chega na segunda (26) à noite, após passar por Macaé. Na terça (27) de manhã, dará entrevista ao programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3. A assessoria do deputado Paulo Ganime também tentou marcar uma entrevista no principal programa da rádio mais ouvida de Campos. Mas como as datas desta semana já estavam preenchidas, a dele foi marcada para 6 de agosto.

 

Enquanto Lula não vem

Ainda na segunda à noite, Lindbergh dará o pontapé inicial ao programa “Campos com Lula”. Feito a pedido do próprio ex-presidente, líder em todas as pesquisas presidenciais para 2022, a ideia é aglutinar simpatizantes à sua tentativa de voltar ao governo federal, em cidades consideradas estratégicas. E Campos é uma delas, que deverá receber posteriormente o próprio Lula. Como ocorreu em dezembro de 2017, quando ele deu uma entrevista exclusiva à Rádio Continental (confira aqui), hoje Folha FM, que repercutiu (confira aqui e aqui) em toda a mídia nacional. Na terça, após o Folha no Ar, Lindbergh vai à Uenf e à ocupação de Novo Horizonte. Na quarta (28), vai ao IFF.

 

Psol busca protagonismo

Entre a visita de liberais e petistas à cidade, ontem o Psol goitacá enviou um artigo (confira aqui) ao blog Opiniões, hospedado no Folha1. Nele, o partido cobrou planejamento urbano e participação popular nas decisões relativas aos espaços públicos da cidade. E faz críticas ao desperdício dos royalties e aos Garotinho, que tem Wladimir na Prefeitura. Assim como à gestão passada do ex-prefeito Rafael Diniz (Cidadania) e ao governo federal Jair Bolsonaro (sem partido). Revelação da eleição de 2020 como candidata a prefeita do Psol, a professora Natália Soares disse (confira aqui) ao Folha no Ar do último dia 8: “a gente busca, sim, um protagonismo (em 2022)”.

 

Exemplo de Aluysio

Fundador deste jornal, que batiza o Grupo Folha, e titular desta coluna de opinião de 8 de janeiro de 1978 até sua morte, em 15 de agosto de 2012, o jornalista Aluysio Cardoso Barbosa ontem completaria 85 anos. A data foi lembrada por sua família, amigos, colegas de redação e leitores. Em vida, se orgulhava de ter fundado a Folha da Manhã para transformá-la no jornal mais lido de Campos com apenas dois meses de circulação. Posição que ocupa até hoje. Infelizmente, ele não viveu para ver a Folha FM se transformar na rádio mais ouvida de Campos com apenas duas semanas no ar. Mas o motivo é o mesmo: seu exemplo.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã