Sei que estou devendo uma nota prévia à 104ª edição do Ultimate Fighting Championship (UFC), disputado na madrugada de hoje, no Staples Center, em Los Angeles, sobretudo pelo combate entre os brasileiros Lyoto Machida e Maurício Shogum, na disputa do cinturão dos meio-pesados no maior evento de MMA (Mixed Martial Arts), em poder do primeiro. Todavia, se tivesse cumprido minha obrigação de blogueiro antes da luta, diria não ter muita dúvida de que Mashida venceria.
Embora considerasse Shogum um lutador de exceção, com um boxe muay thay do mais alto nível e um jiu-jítsu eficiente, a forma revolucionária de lutar de Mashida, resgatando o caratê do limbo das artes-marciais, e seu devastador nocaute sobre o ex-campeão Rashad Evans, não apontavam para nenhum prognóstico diferente. Ademais, por ser Shogum um lutador agressivo, isso o faria, em tese, um adversário perfeito para um mestre do contragolpe como Lyoto.
Bem, não posso dizer que meu prognóstico não foi cumprido. Após cinco rounds — no MMA, as lutas por título têm cinco assaltos, com três para as que não valem cinturão, durando cada um cinco minutos, dois a mais do que os rounds do boxe —, o campeão manteve não só sua invencibilidade, como o título pela unanimidade dos três juízes e pela mesma pontuação: 48 a 47. Quem assistir friamente à luta, poderá constatar que, mesmo por margem apertada, foi isso mesmo: Mashida venceu os três primeiros por 10 a 9 e Shogum os dois últimos, por diferença igualmente mínima.
Todavia, como foi uma das lutas mais técnicas e estratégicas da história do MMA, a interpretação tática também é permitida. Ao refrear seu ímpeto ofensivo, para não oferecer a Mashida o contragolpe, Shogum trabalhou uma das principais armas do muay thay: o chute baixo, circular, na perna do adversário — cujos danos são contundentes, mas sentidos geralmente a médio prazo. Minado pela repetição dos golpes, Lyoto começou a acusar os efeitos justamente a partir do 4º assalto, chegando a passar por dificuldades para se sustentar com as próprias pernas no último round. Agora, certamente, não deve estar nem conseguindo andar.
Além de provar estar completamente recuperado das duas operações que fez no joelho, Shogum conseguiu três coisas extremamente importantes:
1) O direito a uma revanche, cobrada após a luta pelo locutor oficial, pelo público — com direito a Demi Moore de tiete — e aceita pelo próprio Mashida;
2) Com a manifestação favorável do público após a luta, mesmo público que gritava o nome de Mashida antes do combate, Shogum aparentemente começou a pavimentar nos EUA a mesma empatia popular que conquistou no Japão, quando era a estrela mais brilhante do Pride — evento japonês de MMA, que chegou a rivalizar e mesmo ultrapassar o UFC;
3) Além de contundentes joelhadas no tronco — outro recurso típico do muay thay — e alguns socos que castigaram o rosto de Mashida, no último assalto, quando este já havia perdido sua mobilidade, foram os golpes que caçaram esta a primeira demonstração de como o campeão pode ser enfrentado e, quem sabe, derrotado: os chutes baixos, rodados, na perna. Lutador com menor percentual de golpes sofridos na história do UFC, a grande inovação de Lyoto é a base aberta do caratê, que deixa sua cabeça distante do alcance do adversário. Mas para isso, expõe a perna da frente — que ele troca, eventualmente, com a excelência técnica de todo ambidestro —, brecha encontrada pelo curitibano Shogum para mostrar que o filho de japonês, nascido em Salvador e criado em Belém do Pará, quem diria, é humano.