Soffiati: duplicar a BR 101 é jogar recursos fora, ou no bolso de alguém

O professor, historiador, ambientalista e escritor Arthur Soffiati enviou um artigo por e-mail, que será publicado na próxima edição dominical da Folha Dois, tratando da polêmica municipalização e duplicação da BR 101 pelo governo Rosinha. Como ele já havia se posicionado pelo assunto no blog (aqui), com sua autorização, antecipamos abaixo o texto…

 

Municipalização e duplicação da BR 101

Desde a década de 1970, existe um projeto para desviar a BR-101 entre as proximidades do aeroporto de Campos e Ibitioca. O desvio seria construído pelo governo federal, mas nunca a obra se concretizou. Em 9 de outubro de 2007, a empresa Autopista Fluminense, do grupo OHL do Brasil (sinal de que não é brasileira), ganhou em leilão a concessão para administrar e conservar, por 25 anos, os 320 da BR 101 do rio Itabapoana, limite entre os estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro, até a ponte Presidente Costa e Silva (Rio-Niterói). O contrato firmado entre governo federal e empresa estabelece que a concessão se estende de 2008 até 2033. Dos 320 quilômetros, 261,2 contam com pista simples e 58,9 com pista dupla.

Pelo contrato, a Autopista Fluminense compromete-se a investir 2,3 bilhões de reais em obras e recursos operacionais. Entre essas obras, estão previstos o contorno da área urbana de Campos e a duplicação de 176 km da rodovia. Como já se pode considerar a malha urbana de Campos se estendendo de Travessão a Ururaí, é de se esperar que o contorno tenha seus pontos de desvio acima e abaixo desses extremos.

Assim, a proposta que apresento é que o novo trajeto da BR 101, em Campos, comece antes de Travessão, no sentido norte-sul, cruzando dois braços da Lagoa da Saudade sobre pontes ou bueiros celulares devidamente dimensionados, passando entre as Lagoas das Pedras e Limpa em distância que não as afete, pois ambas foram transformadas em unidades de conservação pelo Plano Diretor Participativo de Campos, de 2008, atravessando o Rio Paraíba do Sul fora do perímetro urbano da cidade, seguindo em direção ao Rio Ururaí, que será cruzado por uma ponte, até voltar à rodovia abaixo de Ibitioca no sentido norte-sul. Todos os vales pequenos e grandes, secos e úmidos devem contar com passagens adequadamente dimensionadas.

O trajeto alternativo pelo setor sul da BR-101, a fim de atender aos interesses do complexo industrial-portuário do Açu, apresenta muitas dificuldades técnicas e ambientais, pois atravessaria uma área muito pantanosa e repleta de áreas úmidas. Como não se pode mais admitir uma estrada de contorno em pista simples, ela deverá contar com pista dupla, o que exigirá, por parte dos órgãos governamentais de ambiente, a formulação de estudos de impacto ambiental e a destinação de pelo menos 0,5% do valor total do empreendimento para alguma unidade de conservação de proteção integral na região. Some-se a este valor o repasse de ISS da Autopista Fluminense aos municípios cortados pela BR-101, estimado pela própria empresa em 199 milhões de reais ao longo dos 25 anos de administração.

Com o desvio, o trecho atual da rodovia, em pista simples, atenderá somente a Campos, São João da Barra e São Francisco de Itabapoana e deverá ser municipalizado pelo primeiro município. Duplicar este trecho, contudo, é criar uma via alternativa para o tráfego pesado no âmbito da cidade. É manter, em parte, problemas de trânsito urbano. Aliás, ao longo do contorno, deve haver uma espécie de zoneamento para não induzir o crescimento urbano em sua direção. A defesa de que a municipalização e a duplicação do trecho beneficiarão o comércio de beira de estrada é muito mesquinho, pois coloca interesses particularistas acima de interesses gerais. Em síntese, a meu ver, municipalização sim, duplicação não.

No entanto, se a prefeita de Campos insiste na duplicação do trecho municipalizado, é bom lembrar que esta teimosia custará aos cofres públicos a contratação de uma empresa de consultoria para formular estudos de impacto ambiental, que pediremos ao Ministério Público Federal cobrar dos órgãos governamentais de ambiente. Isto implica em audiência pública para aprovação ou não dos Estudos Prévios de Impacto Ambiental, a construção de duas pontes decentes sobre o Rio Ururaí, uma sobre o Canal de Cacumanga e outra sobre o Rio Paraíba do Sul.

É bom lembrar que, no meio do caminho, passa o Córrego do Cula, tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural. Por Termo de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público Estadual e a gestão de Alexandre Mocaiber, homologado pelo Judiciário Estadual, a prefeitura de Campos deve protegê-lo, promovendo sua restauração e revitalização. Contudo, o governo Rosinha e interesses particulares estão caminhando em sentido contrário. O atual governo municipal faz vistas grossas para ele, ignorando-o completamente. Lembro ainda os 0,5% que sairão dos cofres públicos para a implantação de pelo menos uma unidade de conservação de proteção integral, outro tema que provoca ojeriza no governo Rosinha.

Enfim, duplicar a rodovia é jogar fora recursos dos royalties do petróleo. Ou no bolso de alguém.

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Este post tem 4 comentários

  1. newton guimaraes de almeida

    Com todo respeito que tenho ao professor Sofiatti,a questão da duplicação ou não da BR 101 na área urbana(saliento que não tenho nenhum interesse comercial ou financeiro,nem terras neste trajeto e muito menos pertenço ao staff da prefeita Rosinha)defendo o trabalho de milhares de profissionais de oficinas,postos de serviços,bares,restaurantes,Shopping Estrada(construído com dinheiro público),entre outras pequenas empresas rudimentares como borracharias e lojinhas de auto-peças,etc…que geram sustento para milhares de famílias ao longo do trecho URURAI-TRAVESSÃO DE CAMPOS,até falindo essas pessoas que empregam jovens e filhos,acarretando um Enorme Dano SOCIAL à Campos com tantos desempregados a curto tempo.Não seria MESQUINHA a minha atitude de apoiar o projeto em tela pois falo do SER HUMANO,desempregado,com família para alimentar,de jovens que vão do arrimo de família,por revolta e desemprego,entrar no mundo do crime.Queremos isso? NÃO,aqui,ao contrário da Capital,um rodoanel seria uma tragédia nessa crise que enfrentamos com êxodo rural em massa,favelização e sub-empregos nas lavouras e usinas (quase todas fechadas).Penso no egoísmo da empreitada da Auto Pista que,sabendo o novo percurso vai provocar compra de terras margeando o Contorno novo,criando especulação de preços entre os que detém fortunas e tornando impossível,por exemplo,um lavador de carros,um borracheiro pobre de fazer o mesmo.Agora,falando em passar trânsito pesado no percurso urbano,já há tantos anos,que prejuíszo ambiental tal obra trará? Prejuízo,o senhor sabe melhor que eu,será para as lagoas,nascentes,matas ciliares,brejos,rios e canais ao longo da obra da Auto Pista,corte de morros,árvores seculares derrubadas,e cortando fazendas e sítios ao meio,prejudicando pastagens e plantações,e ainda tirando mais gente analfabeta e sem preparo do campo para Campos,favelizando a periferia dos distritos e com isso vem drogas,bebidas,crimes,em localidades hoje tranquilas.apesar de o interior apresentar um número crescente de criminalidade,vide a Baixada Goitacá,com fechamento das usinas e criação de fábricas “fajutas” com $$$$$ do FUNDECAM que fecharam e não pagaram a PMCG e nem vão.Sou amigo da NATUREZA,detesto degradação ambiental como vejo carros limpa-fossas jogarem dejetos humanos na estrada de S.Fidélis,depois da Coca-Cola e ninguém fazer nada contra essa probição,crime ambiental,nas valas de irrigação dos canaviais.CadÊ orgão competente pra coibir,se até no Vila da Rainha flaguei tal crime? SOFIATTI não sou contra sua opinião,livre e científica,nunca serei,mas acho HOJE a obra mais que necesária,não importando quem faça ou de que bolso saia ou entre lucro com a medida,desde que,gente como a gente,além da Justiça através do Ministério Público Estadual e Federal,Tribunal de Contas e órgão fiscalizadores,defendam a lisura do processo licitatório e execução do projeto com transparência e qualidade.Essa opinião não me dará nenhum ganho político-financeiro pois não sou candidato a nada nem comerciante,mas um humilde advogado criminal que só vÊ cadeias cheias de jovens de 18 a 25 anos,misturados a criminosos veteranos,movidos pelo crime por falta de emprego e qualificação profissional.A Questão Ambiental,vocÊ tem mais autoridade e conhecimento pra falar,mas no meu entender,o ser humano deve ter primeiro lugar nos impactos sociais.Peço para não levar para o lado pessoal minhas colocações pois também sou intransigente contra a degradação ambiental,por sua influência direta desde que teve a coragem de fundar na DITADURA o Centro de defesa do meio ambiente.Att: Newtinho guimarães.

  2. IVAN DANÚNCIO GRANATO

    Estou de pleno acordo com Soffiati quando ele diz que duplicar a BR 101 é jogar recursos fora ou no bolso de alguém, ou melhor: de alguem e de mais alguns …

  3. Arthur Soffiati

    Prezado Newton
    Respeito sua opinião, mas é preciso considerar que toda opinião, para se sustentar, carece de argumentos consistentes. Você defende a municipalização e a duplicação do trecho urbano da BR-101 do Aeroporto de Campos a Ururaí em nome do comércio e dos serviços prestados por pequenos empresários e trabalhadores. Então, vamos por partes:
    1- Com pista simples e duas faixas de rolamento, a BR-101 criou, na área urbana de Campos, uma cadeia geradora de emprego e renda, graças ao trânsito sul-norte-sul. Correto.
    2- A duplicação deste trecho urbano da BR-101 não aumentará obrigatoriamente o fluxo de veículos nos dois sentidos. Apenas vai desafogá-lo. Assim, os negócios de beira de estrada não aumentarão. Se você tomar o Shopping-Estrada, de onde estou chegando agora, notará que ele foi um fracasso, apesar de existir uma grande circulação de veículos em suas imediações. Concordo com você quanto aos recursos perdidos naquela obra faraônica, típica de um monarca vaidoso.
    3- Para que estes negócios de beira de estrada sejam mantidos e ampliados, devemos lutar contra o contorno da BR-101, pois, sem ele, o tráfego pesado continuará a cruzar a malha urbana de Campos de Ururaí a Travessão, e esta é também a sua opinião.
    Ela é coerente, mas, em nome dos negócios de beira de estrada, entendo não podermos mais deixar que uma cidade do porte de Campos cresça desordenadamente. O número de pessoas afetadas pela poluição sonora e atmosférica, pela degradação da paisagem, pelos problemas crônicos de saúde é bem maior do que aquele representado por donos e trabalhadores de pequenas empresas de beira de estrada. Pense na localização do Hospital Ferreira Machado, por exemplo.
    No contrato firmado entre a União e a Autopista, existe uma cláusula exigindo da empresa a construção de uma rodovia de contorno em Campos, obra projetada nos anos de 1970 e nunca executada. Se ela começar em Travessão e terminar em Ibitioca, passando no setor norte da rodovia, posso lhe garantir que os impactos ambientais serão menores do que os impactos que a estrada causa agora cruzando a área urbana. Não haverá cortes de morros nem ofensa a nascentes, brejos, lagoas, rios e matas ciliares. Cortará propriedades rurais, mas seus proprietários serão indenizados com o dinheiro que nós deixamos nas praças de pedágio. Pior faz agora a prefeita, aterrando lagoas e pretendendo gastar uma fortuna na duplicação de uma estrada que deve atrair – calculo – um terço ou um quarto dos veículos que passam atualmente por Campos, depois de aberto o contorno. O traçado que formulei será muito menos impactante que o atual, caso seja aceito.
    Resta, então, o problema dos desempregados. Sou capaz de apostar que você defende o porto do Açu, que, certamente causará mais problemas sociais do que o contorno. Caso ele se efetive, comércio e serviço controlados vão se instalar em suas margens. Quanto aos demais desempregados provocados pelo contorno e já existentes cronicamente, o valor de 109 milhões de reais para a duplicação do trecho urbano pode ser usado para a geração de emprego socioambientalmente útil, em educação, produção de alimentos e saúde, verdadeiros destinos dos royalties.
    Um abraço
    Soffiati

  4. newton guimaraes de almeida

    Concordo plenamente com sua opinião,questionei esse desemprego agora pra gente abrir um debate amplo com a sociedade,pois pelo contrário,acho que o porto vai ser horrível para toda região como foi a Petrobrás para Macaé,sem falar que eu adorava ir de moto nas restingas para causar mínimo impacto no solo e agora nem posso ir lá,trancaram tudo com cerca,mas voltando à estrada,que a prefeitura se vire em fazer a coisa certa com eu,você,Aluysio,outros cabeças na cola deles,toquei no assunto do desemprego pois quando a ponte Gen. Dutra caiu,muita gente perdeu seus negócios,inclusive eu que tinha loja na Barão do Amazonas,perto do Mercado,perdi clientela de Guarus até Morro do Coco,quase fali,pois o povo sumiu e tinha a concorrência da 28 de Março com uma porção de lojas do meu ramo e o Centro,tudo parou.Sou a favor das 2 opções mas como está não pode ficar,voce falou no canal do Cula,eles te seguiram e amenizou o caso mas os?projetistas da PMCG!? ,parecem que adoram aterrar tudo e o pior,quando a gente vê,já aconteceu.Vai uma nova(denúncia) para a gente questionar: ao lado do Campo da Paz tem uma estradinha de terra e,num enterro nesta semana,vi vários caminhões passando com entulho,pela cerca vi que um brejo que existia ali,tá quase todo aterrado e era aonde deságua o valão coberto da Rua Dr. Beda.Quem viu isso da PMCG? A gente tem que se encontrar e conversar a respeito de Campos 2010,vamos propor a Folha,sob a moderação de Aluysinho,uma jornada de 1 dia para dar início a essa batalha.Voltei do RIO ,onde poderia ficar rico,para ser campista de novo e impedir como cidadão que esta cidade ainda tem salvação.Em fim,abrimos uma boa polêmica para os leitores pensarem e ,quem sabe,aderir algo de bom.Um abração,te admiro muito,mas vamos tomar um caminho juntos,não divergentes mas um meio termo para toda população,falou meu professor?

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