Em qualquer escola de jornalismo, seja na academia ou nas redações, se aprende que o jornalista tem que ser narrador impessoal dos fatos, com os quais deve se evitar envolvimento emocional, em busca da verdade. E é em nome dela que a negação desta regra é o preâmbulo desta entrevista, feita na manhã da penúltima sexta, dia 3, na sede do CFZ, no Recreio dos Bandeirantes, na cidade do Rio de Janeiro. Amarrada em Campos e no Rio, respectivamente pelos jornalistas Antunis Clayton e Eraldo Leite, o repórter se pôs diante de um ídolo não apenas seu, mas da maior torcida do planeta: Arthur Antunes Coimbra, que passou à história do futebol mundial como Zico. Entrevista dividida em duas partes, na primeira coube ao maior jogador da história do Flamengo falar da difícil missão que ora exerce como diretor de futebol do clube, que segue próximo à zona de rebaixamento no Brasileiro, após tantos escândalos nas páginas policiais. Na segunda, o ex-gênio da bola falou dos times, jogadores e técnicos que, como ele, transformaram um esporte em arte. Em ambas as partes, Zico demonstrou a mesma humildade e determinação que marcaram uma carreira de craque generoso dos campos. No futebol que imita a vida para ser arte, o segredo para se receber a bola no futuro é saber de onde parte e quem lança a bola do passado.
Folha – À parte o trabalho na direção de futebol no Flamengo, acha que sua condição de ídolo maior da torcida rubro-negra, com aceitação positiva em todas as outras, sem contar sua grande influência no mercado japonês, tem sido devidamente explorada pelo clube ?
Zico – Olha, é uma área que não me diz respeito, porque o Flamengo tem uma área de marketing e tem os seus compromissos, pessoas ligadas que devem saber o que pode ser bom ou pode ser ruim para o Flamengo. Eu não me envolvo nessa área, minha área diz respeito somente ao futebol. Eu não tenho a autonomia de orçamento, de decisões em relação ao que eu posso fazer para o time de futebol. Eu apenas tenho reuniões com quem de direito, que é o vice de Finanças (Michel Levy), com a presidente (Patrícia Amorim), com quem eu passo aquilo que deveria ser feito, mas se eles não derem autorização, eu não posso fazer nada. A instituição é assim, o Flamengo é assim, e, naturalmente, que enquanto não existir o Fla Futebol, que possa ter uma autonomia, qualquer dirigente que for para lá fica atrelado ao orçamento.
Folha – Já virou lugar comum dizer que o Flamengo é a maior marca do futebol brasileiro e até mundial. Como fazer para explorá-la em sua totalidade? E, em contrapartida, como o Flamengo pode tirar da marca Zico o devido proveito?
Zico – Essas pessoas é que tem que estudar. Eu, por exemplo, quando assumi o Flamengo, disse bem claro que não gostaria que saisse um tostão do Flamengo.
Folha – Você disse que tudo que tinha que ganhar do Flamengo, ja havia recebido como jogador.
Zico – É, agora, utilizando a minha marca, o meu nome, dessa forma eu assinei contrato com a Sky, com a Locant e agora deve estar saindo com a BMG. São três empresas a que eu ofereço a minha imagem, elas utilizam e dessa forma eu posso permanecer aqui no Brasil e estar de diretores do Flamengo. Se eu sair, eles também saem. Então, isso eu procurei deixar bem claro e lógico que existem outras formas de utilização do meu nome, se o Flamengo quiser utilizar…
Folha – Está aberto a isso?
Zico – Eu estou aberto, claro que estou aberto.
Folha – Você jogou com Silas pela Seleção, na Copa do Mundo de 1986. Agora, no Flamengo, mas do lado de fora do campo, a tabela entre vocês ficou mais fácil ou mais difícil?
Zico – A tabela do treinador e dirigente é sempre mais difícil. Você, dentro do campo, a coisa depende de você; é mais fácil sempre. Agora, tabela fora do campo, depende de uma série de gente. Em termos de diálogo, não vai ter influência nenhuma, a gente vai continuar da mesma forma, pelo que eu conheço dele, já de bastante tempo, pelo carinho que a gente tem um pelo outro. Ele é o tipo do cara que se sentir também que a coisa não está funcionando, ele vai ser o primeiro a dizer: “Olha, não deu!” A contratação dele não tem nada a ver com a amizade que a gente tem, com esse fato da gente ter jogado junto; tem sim com o fato dele ter uma carreira em ascensão. É um treinador que tem conhecimento de futebol, tem obtido resultado por onde tem passado, e a gente está dando essa oportunidade. Tomara que ele acerte.
Folha – Quais são as reais expectativas para a campanha do Flamengo no Brasileirão? Ainda dá para pensar no G-4, ou escapar do rebaixamento já estará de bom tamanho?
Zico – Eu acho que o Flamengo tem que pautar: primeiro, o título. Se distanciou, mas a diferença para o quinto colocado é de três pontos (antes da rodada de hoje, já era de nove). Se você pega duas, três vitórias, você já encosta no G-4. A meta é sempre o título, mas se não dá, você tem Libertadores, você tem Sul-Americana. O Flamengo não pode no rebaixamento, pelo plantel que tem…
Folha – Por ser o atual campeão brasileiro?
Zico – Não é por isso. O Corínthians foi campeão (brasileiro em 2005) e foi rebaixado logo depois (em 2007). O título, às vezes, ele traz uma certa acomodação, ele se torna perigoso. Então, para alguns, o título não faz bem.
Folha – Para você sempre fez bem. Ganhou quatro Brasileiros como jogador.
Zico – A gente quer ganhar mais, mas tem uns que se acomodam, acham que já fizeram o que tinham que fazer, salário ótimo, este é que é o perigo. Mas ele esquece que como fica marcado por um título, também fica marcado por uma queda, e às vezes até mais forte. Pegar trem andando é sempre muito complicado, quando você não planeja nada. O Flamengo não teve nenhum planejamento para este ano, empurraram com a barriga os problemas, pensaram que era só botar aquele time (campeão brasileiro em 2010) e iria ganhar a Libertadores. Não pensaram na possibilidade de uma eliminação, como é que iria ficar o time. Então, pegamos esse trem andando e, no meio do caminho, às vezes é difícil você encontrar soluções, sem planejar. Se não der certo este ano, se a gente conseguir pelo menos ficar ali no meio do bolo, a gente começa agora, já em outubro, a planejar para o ano que vem, mas para não deixar nenhum sufoco para ninguém. Tenho procurado fazer uma planejamento até dezembro de 2012, que é quando termina o mandato da Patrícia. É isso que eu quero, para que ninguém tenha os problemas que eu tive quando cheguei agora.
Folha – Na história do futebol brasileiro, poucos jogadores tiveram comportamento profissional e pessoal mais regrado que o seu. Como fazer que este exemplo volte a ser referência no Flamengo, após os escândalos de Adriano, Wagner Love e, sobretudo, Bruno?
Zico – São casos bem isolados. Os casos do Adriano e do Wagner Love não foram propriamente por estar no Flamengo; eles têm caso em outros lugares por onde passaram. O do Bruno é um caso totalmente pessoal. Então eu acho que a consequência maior, a maior repercussão acabou sendo do Bruno, mas dos outros também e do próprio Flamengo. Eu acho que isso foi muito ruim para a imagem do clube, mas você não pode pegar, por conta de dois, três de maior idolatria, você colocar todo mundo no mesmo barco. Esses dois, três, às vezes levavam cinco, seis que agora já entraram nos eixos. Então, o Flamengo não é um time de santo, não é um time de padre, mas todos têm tido um ótimo comportamento profissional, mas dentro do campo a coisa não está funcionando.
Folha – E se continuar não funcionando? Ninguém talvez tenha tanta lenha para queimar com a torcida rubro-negra quanto você. Mas pode dimensionar até onde vai esse crédito, na sua proposta de trabalho a médio e longo prazo, se os resultados imediatos permanecerem insatisfatórios?
Zico – Não sei, é difícil. A gente sempre espera e acredita que a torcida pode confiar, porque conhece o passado, conhece o meu passado. Então, sabe que eu vou trabalhar para o futuro do Flamengo. Posso não ganhar nada agora, mas tenho certeza que se o Flamengo se estruturar, pode ganhar muito depois. O futebol é imediato. Então, se realmente eu achar que não estou conseguindo fazer isso que a torcida quer, só tem uma coisa: tirar o meu chapéu, dizer “muito obrigado, desculpe se não acertei”. E que entre outro para fazer o trabalho. No futebol, está mais do que provado que todas aquelas equipes que se estruturaram, obtêm benefícios em todos os sentidos, de conquistas, de venda de atletas, de formação de atletas. E aqueles que não se estruturam, podem ganhar: o Flamengo passou por um momento, ganhou um título, mas passou 17 anos na fila, sem ganhar quase nada.
Folha – Embora tenha sido a estrela maior, você foi fruto de uma geração igualmente brilhante, com Júnior, Leandro, Mozer, Andrade, Adílio, Tita, Nunes, todos formados na Gávea. Seu objetivo seria reviver o lema: craque o Flamengo faz em casa? Até onde é possível hoje formar um time competitivo sem apelar aos empresários?
Zico – Se reestruturando com um orçamento, se planejando. Porque hoje, todo jogador que quer ir para o Flamengo, sabe que o clube vai ter um percentual maior. Então, na base, quando nós chegamos, a maioria o Flamengo tinha zero por cento, não tinha nada, e muito jovens. Agora, se o garoto quiser vir, a gente paga, mas 70%, 80% são do Flamengo. Só o fato de vir, o Flamengo já tem que ter um percentual. Mais à frente, você pode até vender, em caso de dificuldade, mas quando chega, o Flamengo já tem que ser dono do atleta. E com muitos garotos, isso não estava acontecendo, colocavam o Flamengo para servir vitrine já nas categorias de base.
Folha – Líder do Brasileirão, o Fluminense parece ter investido no imediatismo, abrindo mão de jovens talentos para pagar Conca e contratando jogadores consagrados, como Deco. O próprio Emerson, sondado para voltar ao Fla, acabou nas Laranjeiras. Se a fórmula garantir o título, isso não irá na contramão da filosofia que você tenta implantar na Gávea?
Zico – Não, isso aí pode acontecer, é basicamente o que o Flamengo fez ano passado e conseguiu. Mas não é sempre que você pode adotar essa fórmula e vai encontrar jogadores disponíveis. O Fluminense está bom agora, mas vamos ver se vai aguentar até o final nesse ritmo. O Flamengo já fez isso uma vez (em 2000) e não deu certo, trouxe Alex, Denilson, Gamarra, Edilson, Petkocic; estava todo mundo lá e não deu certo. Têm umas vezes que dá, têm outras que não. Agora, quando você se estrutura, você pode contar. Aí, não é sorte.
Folha – Com o êxodo dos jogadores mais promissores ainda muito jovens à Europa, acredita que seria possível para um clube sul-americano formar e manter um time como aquele inesquecível Flamengo campeão do mundo de 1981, que começou a ser formado ainda nos anos 70? Se jogassem hoje, por quanto tempo permaneceriam no Brasil um Zico, um Leandro, um Júnior, um Mozer ou um Adílio?
Zico – Eu acho que a gente teve um período de derrotas e o Flamengo soube segurar. Nós não chegamos e fomos campeões. Eu, por exemplo, ganhei um título em 74 e só fui ganhar outro em 78 (Campeonatos Cariocas). O Flamengo acreditou no grupo e a coisa funcionou. Então, tudo é questão de se acreditar quando se tem resultados embaixo. O Flamengo teve três gerações que poderiam ser bem melhor aproveitadas…
Folha – Marcelinho, Djalminha, Paulo Nunes…
Zico – Essa foi a terceira. A segunda foi quando eu estava terminando, que veio Leonardo, Zinho Aldair, Zé Carlos, Jorginho. Depois, esses jogadores foram embora. Depois veio a do Marcelinho, Marquinhos, Paulo Nunes, Djalminha. Imagina se fosse juntada a essa de cima, de Bebeto. Na Copa do Mundo de 94, foram cinco daquele time: Jorginho, Leonardo, Zinho, Bebeto e Aldair, metade do time campeão (brasileiro pelo Flamengo) de 87. Então, eu acho que se juntasse com essa turma que veio campeã na base, em todos as categorias, que profissional o Júnior ainda pegou em 92 (no Penta do Brasileiro), mas depois saiu todo mundo. Daí em diante…
Folha – Perdeu o fio da meada?
Zico – O Flamengo perdeu o fio da meada de equipe. Aí, foi surgindo um ou outro, veio o Ibson, Júlio César, Renato Augusto, Juan. Mas é muito pouco em comparação ao que era. O Flamengo é um time que o treinador do profissional tem que olhar para a base e ter cinco, seis para subir. Eu vi um time de juniores jogar e não vi ninguém que pudesse pegar e botar no time titular, com tranquilidade, exceto o Galhardo e o Diego Mauríco, que o Rogério já tinha observado e já estavam treinando com os profissionais.
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Parabens, sempre teve e tem bons Jornalista.
Mais, quem sao os outros dois na foto e principalmente na chamada (JORNALISMO DE CAMPOS), e o que estar com dois (2) premios.Por favor prentendo saber.A final sou Campista da Baixada> obrigado.
Parabens a todos voces. mesmo.
BELINHO DE GOYTACAZES
Caro Ramon,
Grato pela parabenização. Na foto da Folha Online, comigo à direita, estão o Péris (ao centro, vencedor na categoria Literatura) e o Cahê (à esq., vencedor na categoria site e ganhador geral do prêmio João Saldanha).
Abraço e grato pela colaboração!
Aluysio