Evidenciado como professor de História e ecologista, Arthur Soffiati ficará mais conhecido a partir de amanhã pela sua face de poeta, uma das muitas que inundam sua alma e sua mente pré-socráticas, renascentistas, nas quais conhecimento e sensibilidade afluem livres, sem o compartimento das margens ou represas. Às 19h de amanhã, “Mínima poética”, seu terceiro livro de poemas, será lançado na Academia Campista de Letras, fruto de uma fase que o poeta identifica sua produção como “mais enxuta e formal, inspirada no cotidiano e na leitura de poesia”, reunindo versos construídos a partir de 1998. Dos cânones ou seus contemporâneos, no mundo, no Brasil e na sua cidade, entre as muitas influências assumidas por Soffiati está o português Fernando Pessoa, dividido em tantas faces quanto um daqueles que sua semeadura alcançou além do Bojador.
Folha Dois – Quando e por que começou a se interessar por poesia?
Arthur Soffiati – Meu pai tinha uma biblioteca especializada em literatura de prosa brasileira, com poucos livros de literatura estrangeira e de poesia. Ele não gostava de poesia. Acho que havia lido apenas “A Divina Comédia”, de Dante, e “O Paraíso Perdido”, de Milton, livros que hoje passaram para a minha biblioteca, mas que vim a ler muito tempo mais tarde. Meu interesse por poesia nasceu na escola, nos livros didáticos. Só despontei mesmo para a poesia nos anos 60. O primeiro livro que me marcou profundamente foi “A Educação pela Pedra”, de João Cabral de Melo Neto, do qual tenho a primeira edição com dedicatória do autor e lido muitas vezes. Não sei explicar a razão do meu interesse por poesia. Foi paixão à primeira vista, uma atração amorosa irresistível.
Folha Dois – O que você buscava e que mudanças sofreu ao longo do tempo?
Soffiati – Eu buscava o prazer que a poesia me proporcionava e que me proporciona até hoje. Li e gostei dos românticos, dos simbolistas, dos modernistas da primeira, segunda e terceira gerações, algo do poema concreto e do poema processo. Não gostei dos parnasianos. Minha poesia inicial foi marcada pelos poetas discursivos, como Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Drummond, Manoel de Barros. De outros países, a bela poesia de Walt Whitman, que reli. Guardo muitos poemas dessa fase inicial e vejo claramente que são muito imaturos. Mais poesia para amores platônicos. De qualquer maneira, era necessário passar por ela. Atualmente, os poetas sintéticos na forma e nas dimensões do poema estão me influenciando.
Folha Dois – Que influências sofreu?
Soffiati – Li e leio muita poesia. Creio que seria difícil arrolar todos os poetas que me influenciaram. Deixo de fora Homero e os latinos. Gosto muito de Horácio e de Lucrécio, que filosofaram com a poesia. Os provençais são notáveis. Tenho paixão por Villon e Shakespeare. Disse que os deixo de lado como influência porque minha poesia é muito humilde diante de autores que tanto admiro. Atualmente, escrevo mais na linha de José Paulo Paes, que compôs poemas curtos e incisivos, às vezes mais curtos que o título do poema.
Folha Dois – Como vê a poesia hoje no mundo, no Brasil e na região?
Soffiati – Com relação à poesia estrangeira, não sei dizer se Portugal produziu um grande poeta depois de Fernando Pessoa. Borges, Pound, Eliot, Poe, Goethe, Hölderlin, Rimbaud e Maiakóski continuam sendo referências para mim. No Brasil, os grandes poetas vivos são Manoel de Barros e Ferreira Gullar. Deste segundo, reli recentemente “Poema Sujo” numa edição de luxo restrita a colecionadores. Foi um livro fundamental na nossa poesia por retomar a poesia discursiva. Um poeta novo que muito me agrada é Paulo Henriques Britto. Vejo nele ecos de João Cabral de mistura com fina ironia e uma atitude pós-moderna. Sei que existe muito escritor produzindo poesia no Brasil, mas não me é possível acompanhar o estado da poesia. Tenho lido coletâneas, que são insuficientes. Na região, menciono os nomes de Joel Mello, Vilmar Rangel, Artur Gomes e o seu, Aluysio Abreu Barbosa. Sei que há outros também, mas a falta de uma política pública municipal de divulgação de poetas dificulta conhecê-los.
Folha Dois – E quanto a sua poesia, você participou de algum festival, obteve algum prêmio?
Soffiati – Nunca inscrevi um poema ou um livro meu em festivais por me considerar um poeta menor. Minha motivação maior sempre foi me expressar, não tanto me comunicar. Creio que só uma vez um poema meu foi selecionado para uma coletânea. Em 1990, publiquei “Depois do Princípio e antes do Fim”. O poeta Walmir Ayala o leu e o considerou engajado. Não era essa a proposta do livro. Ele reúne poemas em grande parte melancólicos e líricos. Gosto do lirismo. Não cabe mais repudiar um livro por abordar temática ambiental. A questão ambiental já se impôs como um tema ao lado do amor e da crítica social. Em 1999, foi a vez de “O Direito de o Avesso do Mangue”, um livro de transição entre minha poesia discursiva e minha fase atual, mais enxuta e formal. Lanço agora “Mínima Poética”, livro que comecei a organizar em 1998, mas tive de engavetar em função de compromissos profissionais. Há mais poemas no meu arquivo, mas não sei se merecerão livros. “Mínima Poética” nasceu de poemas inspirados no cotidiano e pela leitura de poesia. Antônio Cícero revelou, em recente entrevista, que ler poesia o inspira a escrever poesia. O livro reúne poemas curtos. Alguns são filosóficos, outros não passam de piadas, como fazia Oswald de Andrade. Por fim, há alguns flertes com poemas visuais.
Publicado na edição de hoje da Folha da Manhã, na capa da Folha Dois.