Conheci Sandra Pinto lá pelo no início dos anos 90. Como numa música de Fagner, “Mucuripe”, a única dele que para mim presta, eu então levava nos lábios “Um sorriso ingênuo e franco/ De um rapaz moço encantado/ Com vinte anos de amor” vividos apaixonadamente com uma mulher mais madura, que me ensinou o bandenón de Piazzolla, o cinema de Kurosawa, entre uma ou duas outras coisas. O fato é que ela era amiga de longa data de Sandra, que estava morando em Búzios por essa época, mesma em que eu era conduzido de mãos dadas ao descobrimento do badalado balneário, no eco de Caetano, como em Brigitte Bardot.
Sandrinha estava trabalhando numa loja da tradicional Rua das Pedras, da qual saiu de supetão para surpreender, passantes ao acaso, a mim e minha cicerone nos meandros buzianos e nas artes do amor. De fato, aquela minha primeira impressão de Sandra, colhida no animado papo dela com a amiga, nunca iria se apagar. Com seu sotaque carioquês da terra de Zé Cândido, naquela dicção cantada que tanto marcou os “descolados” dos anos 70, mas dona de presença leve e natural, suave mesmo quando extremamente franca, com astral sempre no zênite, aquela pequena mulher possuía um se fazer notar de pivô de basquete. Se não foi agraciada com maiores dotes de beleza física, era ainda assim uma mulher bastante interessante.
Entre Búzios e Campos, fomos nos esbarrando nas quebradas da vida, enquanto os anos se somavam com os grãos de areia na parte inferior da ampulheta. Depois daquele meu primeiro amor maduro, iria ainda me relacionar enquanto homem com outras três amigas de Sandra, de faixas etárias bem distintas. A provar a democracia atemporal como critério dela em suas amizades e minha na eleição de amores, essas pontes serviram para aproximar minha relação com Sandrinha, quase sempre espaçada de contatos como a foz ramificada de um rio.
De fato, foi quando a vida e seus diferentes afluentes nos uniram próximos à desembocadura do Paraíba do Sul, que mantivemos nosso maior convívio. Aprovado em concurso da Uenf, para trabalhar no projeto da Escola Brasileira de Cinema e Televisão (EBCTV), para o qual o Solar do Colégio foi restaurado, mas que nunca saiu do papel, usei a estabilidade do emprego público para sair da casa dos meus pais. Nos 11 anos que morei em Atafona, entre 1995 e 2006, Sandra morou em algumas casas na mesma praia e na vizinha Grussaí, naqueles tempos pré-Porto do Açu, quando os aluguéis sanjoanenses ainda eram bem mais em conta que seus congêneres campistas.
Diante ao Atlântico, velas enfunadas de vento nordeste, frequentamos a casa um do outro, nas quais algumas vezes partilhamos conversas, músicas, filmes, cigarros e bebidas. Embora quase sempre alegre, era mulher de opiniões, vontades e temperamento fortes.
Depois que ambos voltamos a residir em Campos, deixando a intimidade comungada de eremitas praianos, tornamos também a perder contato. Se não me engano, a última vez em que nos vimos pessoalmente, no final da primeira década dos anos 2000, foi novamente em Búzios. Era o casamento de Fabiana Lubanco e Leonardo Santos, o Léo e Bia que souberam amar como num refrão de Oswaldo Montenegro. Conversamos bastante, eu e Sandrinha, dando boas risadas do nosso faroeste caboclo das duas últimas décadas e de tudo que vivêramos até ali.
Não sei se um pouco antes, ou um pouco depois, soube que ela estava com câncer, esta doença desgraçada que, como meu pai dizia, mesmo antes de se saber outra sua vítima, “virou gripe!” Na última vez que nos falamos, por telefone, no ano passado, ela me ligou para buscar minha orientação como jornalista sobre o que fazer para denunciar maus tratos contra os animais, aos quais talvez tenha dedicado mais paixão do que a qualquer homem.
Hoje (ontem), ao saber da sua morte, dois dias após a eclosão de um aneurisma cerebral, em plena terça-feira de carnaval, na casa de Grussaí dos Coutinho, amigos comuns, não pude me furtar em pensar que naquela última ligação, talvez devesse tê-la convidado para um último chope, um último papo. Na dúvida, fica a certeza de um dos posts derradeiros de Sandra no face, datado de 31 de janeiro, numa dessas insondáveis profecias que só percebemos depois de cumpridas: “A saudade só é bonita na poesia. Na vida real ela arde”.
Publicado hoje na edição impressa da Folha da Manhã.
Bom Texto. Parabéns.
Que espetáculo !!
LINDAS PALAVRAS TEXTO BELO , PARABÉNS
Belissimo texto, bela homenagem a minha amiga. Sim, essa saudade arde no peito, na pele, nas lembrancas.
Grato, Cláudio, Fatima, Anita e Sil! Muito embora se tratem de parabenizações por um texto que não gostaria de ter escrito.
Meus Sentimentos à Todos que como Eu, Perderam uma Amiga Muito Querida!