Os brasileiros que hoje torcerão pela Argentina, na final da Copa, o farão em nome de uma “fraternidade americana”. Quem torcer pela Alemanha, o fará pela rivalidade com Argentina. A conclusão? “Ninguém simpatiza, ou detesta uma seleção estrangeira apenas pelo seu jogo”. É o que pensa o argentino Gustavo Alejandro Oviedo, publicitário e advogado radicado na planície goitacá desde 2001, após se casar com a campista Anna Karina. O torcedor do Racing questiona a lógica futebolística do cântico “Brasil, decime que se siente”, hit da torcida argentina na Copa que hoje certamente ecoará nas arquibancadas do Maracanã. Embora admita que os alemães tenham uma equipe mais equilibrada, ressalva que todo o time mais brilhante tem um mau dia. Em contrapartida, lembra que Messi já teve o seu, na semifinal contra a Holanda, que ontem derrotou o Brasil por 3 a 0 na disputa do 3º lugar. Se a Argentina ganhar, o hermano mapuche e goitacá aposta: “vamos ouvir aqui em Campos os gritos de alegria de Buenos Aires”.
Folha – Como os argentinos estão encarando essa primeira final em 24 anos? Se ganhar uma Copa no Brasil, dentro do Maracanã, acha que isso poderá ser considerado na Argentina como um novo “Maracanazzo”?
Gustavo Oviedo – Não, seria um novo “Maracanazzo” só se Argentina vencesse o Brasil, o que, no fundo, imagino era o desejo de todo argentino, da mesma forma que os brasileiros queriam uma final com Argentina. Nunca vamos perdoar os alemães por ter nos tirado essa possibilidade. De toda forma, há na Argentina uma euforia muito grande por ter chegado à final depois de 24 anos. Quem tem menos de 28 anos nunca viu Argentina ser campeão, o que corresponde aproximadamente à metade da população. Se Argentina levar a Copa vamos ouvir, aqui em Campos, os gritos de alegria vindos de Buenos Aires.
Folha – Sucesso nas arquibancadas da Copa, o cântico “Brasil, decime que se siente” teve origem na rivalidade das torcidas do Boca e River. Como um torcedor do Racing vê a provocação aos brasileiros?
Oviedo – Sou do Racing, mas prefiro não ver nada sob a ótica do torcedor, pois é uma visão limitada e subjetiva do futebol. Ademais, considerando o desempenho do Racing nos últimos 30 anos, minha visão de torcedor seria amarga e rancorosa. Sobre a canção dos torcedores argentinos, me parece ao mesmo tempo fantástica e patética. Que os argentinos tentem provocar os brasileiros evocando uma eliminação acontecida há 24 anos, quando nesse intervalo de tempo o Brasil conquistou mais duas Copas, só pode ser considerada surreal e inofensiva. Nem dá para se indignar! Mas as provocações são o condimento que deixam o futebol mais gostoso. Só não pode passar disso, senão azeda.
Folha – Neymar disse que vai torcer pela Argentina, por conta do Messi e do Mascherano. Acha que isso ajuda a angariar a simpatia brasileira na final?
Oviedo – É bem provável que ajude. Muita gente aqui em Campos já tinha me falado que iria torcer pela Argentina, o que realmente me surpreendeu. São pessoas evidentemente malucas: o normal é torcer contra! Falando sério, quero destacar uma coisa: tanto aqueles brasileiros que torcem a favor da Argentina, quanto os que torcem contra, argumentam razões completamente extra futebolísticas. Quem é pró-Argentina fala da fraternidade americana; de não querer que a Alemanha seja tetracampeã, ou até do confronto político-econômico entre países emergentes e desenvolvidos. Já os que torcem a favor da Alemanha, o fazem porque não gostam da Argentina, ao ponto tal de apoiar os seus algozes. Uma espécie de Síndrome de Estocolmo (apego do sequestrado ao sequestrador). Conclusão: ninguém simpatiza, ou detesta, uma seleção estrangeira apenas pelo seu jogo.
Folha – Na Argentina, a transmissão dos jogos da seleção foi estatizada pela Cristina Kischner. Após o vexame contra a Alemanha, Dilma quer intervir no futebol. Até onde a “pátria em chuteiras” pode ir nessa associação entre política e futebol?
Oviedo – Foram declarações emitidas sob o trauma do 7 a 1, e penso que isso não irá prosperar. É que nem a ‘mini-constituinte’ que Dilma propôs depois dos protestos de junho do ano passado; lembra? O governo pode até pressionar para que aconteça uma mudança na cúpula da CBF, o que seguramente isso fará, mas não poderá ir mais longe. Mas não deixa de ser interessante observar que está se promovendo toda uma transformação na administração do futebol brasileiro derivada do resultado de um único jogo. Ou seja, se o Brasil tivesse ganhado contra Alemanha, as falcatruas da cartolagem não seriam tão graves assim. Na Argentina, como você disse, o governo comprou os direitos de transmissão do futebol local. Pagando caro, logicamente. Assim, o que se vê durante as emissões é propaganda oficial o tempo todo, tanto nos intervalos quanto na narração dos jornalistas esportivos. E o futebol local está a cada dia pior. Os jogos acontecem em estádios sem torcida visitante, por conta da violência. Não é um modelo a seguir.
Folha – Di María joga ou não? Se o fizer, não pode repetir Diego Costa pela Atlético de Madri, na final da Liga dos Campeões, onde o brasileiro naturalizado espanhol entrou para não conseguir jogar e sair, queimando uma substituição?
Oviedo – Parece que joga. Vi hoje no jornal que está treinando para isso. Ele faz tanta falta ao time argentino que, ainda jogando um tempo, será lucro para Argentina.
Folha – Não é irônico que a Argentina tenha chegado com fama pelo ataque, mas temendo pela defesa, e nos últimos jogos venha se destacando mais pela segunda do que pelo primeiro? Na semifinal, o volante Mascherano e o goleiro Romero foram os craques do time?
Oviedo – O que demonstra que, em se tratando de futebol, é temerário tentar dar algum palpite. Lembre-se que depois da primeira fase todo mundo dizia que o Mundial tinha se transformado na Copa América, pela quantidade de times da região classificados. Mas, ao chegar às semifinais, ficaram dois times de América e dois da Europa, e nenhum deles foi uma zebra.
Folha – De novo a Alemanha no caminho da Argentina. Quem leva esse tira-teima de 1986 e 1990? Que lembranças você e seu povo guardam daquelas duas finais seguidas de Copa?
Oviedo – Em 1986 Argentina tinha uma grande seleção, embora costuma-se dizer que era apenas Maradona mais 10. Os jogadores não eram craques, mas funcionaram de forma eficiente e o time mostrou um grande futebol. Para mim, essa Copa foi ganha de forma incontestável. Já na Copa de 90, a Argentina chegou à final graças apenas a duas pessoas: Maradona, eliminando numa única jogada o Brasil, que havia jogado melhor; e o goleiro Goycoechea, decisivo nos pênaltis contra Iugoslávia e Itália. A final de 1986 foi um jogaço, com Alemanha empatando depois da Argentina ir à frente por dois gols, e no final Burruchaga definindo o jogo. Por sua vez, a definição de 1990 foi bem mais chata, com apenas um gol de pênalti alemão, bastante polêmico para os argentinos. Espero que este novo encontro seja tão emocionante como aquele de 86, e com o mesmo resultado.
Folha – Considera a atual geração alemã melhor do que aquela de Matthäus, Klinsmann, Brehme e Völler? Depois do que fizeram com o Brasil, como parar Schweinsteiger, Müller, Kroos, Klose e cia? À bala?
Oviedo – Parece-me que a seleção alemã de hoje é sem dúvidas melhor que aquela de Beckenbauer (como técnico). Pense que Joachim Low já era técnico na Copa anterior, que eliminou Argentina por 4 a 0, e nessa partida jogaram três dos quatro jogadores que você menciona, o que revela um time que se conhece e está bem engajado. Um jornalista argentino definiu o time alemão como uma seleção que joga sem se importar em como vai jogar o seu adversário, mantendo suas características, que são a boa administração da bola, a firmeza na marcação e a solidariedade, que faz com que a bola chegue ao jogador melhor posicionado na hora de definir.
Folha – Parece consenso que os alemães têm o melhor time, enquanto os argentinos, o melhor jogador do mundo. Num esporte coletivo o primeiro não tem que prevalecer? Ou vingará a capacidade de desequilíbrio do grande craque?
Oviedo – Vamos ver. A lógica determina que uma equipe bem associada deveria ser mais eficiente do que outra cujos talentos são irregulares. Mas isto talvez funcione melhor em campeonatos de pontos corridos, onde o bom desempenho prevalece no longo prazo. Toda equipe, por mais brilhante que for, em algum momento tem um dia ruim. E se esse dia for uma final da Copa do Mundo, derruba o sucesso dos seis jogos anteriores. Por sua vez, Messi não jogou bem contra a Holanda. O dia ruim dele já passou.
Folha – Se Messi ganhar esta Copa, dentro do Brasil, poderá ser maior que Maradona? Algum dos dois é melhor do que Pelé?
Oviedo – O critério de quem é o foi o melhor jogador da história é completamente subjetivo, pois depende não apenas do jogador, mas também da pessoa que o avalia, e a relação emotiva que existe entre ambos. Quando se trazem argumentos estatísticos, a coisa não melhora. Para muitos brasileiros, Pelé tem números bem melhores aos de Maradona, o que lhe confere superioridade. Mas esses mesmos brasileiros consideram, com razão, que Ayrton Senna foi o melhor piloto de todos os tempos, sendo que quem venceu mais campeonatos de Fórmula 1 foi o Schumacher. Não estou fugindo da pergunta, apenas preparo o terreno para dizer que para os argentinos, e aqui me incluo, Maradona é o melhor, e para os brasileiros, foi Pelé. Acho que ambos grupos estão certos. Por sua vez, Messi é um craque, mas ainda está longe do patamar místico dos outros dois.
Publicado hoje na edição impressa da Folha
Que vença a melhor.
Que não seja a Argentina.!!!!