Campos dos Goytacazes, 29/06/2018
Na história republicana do Brasil, não houve político mais influente do que Lula
O silêncio de Lula
Por Marco Antonio Villa
Na história republicana brasileira, não houve político mais influente do que Luiz Inácio Lula da Silva. Sua exitosa carreira percorreu o regime militar, passando da distensão à abertura. Esteve presente na Campanha das Diretas. Negou apoio a Tancredo Neves, que sepultou o regime militar, e participou, desde 1989, de todas as campanhas presidenciais.
Quando, no futuro, um pesquisador se debruçar sobre a história política do Brasil dos últimos 40 anos, lá encontrará como participante mais ativo o ex-presidente Lula. E poderá ter a difícil tarefa de explicar as razões desta presença, seu significado histórico e de como o país perdeu lideranças políticas sem conseguir renová-las.
Lula, com seu estilo peculiar de fazer política, por onde passou deixou um rastro de destruição. No sindicalismo acabou sufocando a emergência de autênticas lideranças. Ou elas se submetiam ao seu comando ou seriam destruídas. E este método foi utilizado contra adversários no mundo sindical e também aos que se submeteram ao seu jugo na Central Única dos Trabalhadores. O objetivo era impedir que florescessem lideranças independentes da sua vontade pessoal. Todos os líderes da CUT acabaram tendo de aceitar seu comando para sobreviver no mundo sindical, receberam prebendas e caminharam para o ocaso. Hoje não há na CUT — e em nenhuma outra central sindical — sindicalista algum com vida própria.
No Partido dos Trabalhadores — e que para os padrões partidários brasileiros já tem uma longa existência —, após três decênios, não há nenhum quadro que possa se transformar em referência para os petistas. Todos aqueles que se opuseram ao domínio lulista acabaram tendo de sair do partido ou se sujeitaram a meros estafetas.
Lula humilhou diversas lideranças históricas do PT. Quando iniciou o processo de escolher candidatos sem nenhuma consulta à direção partidária, os chamados “postes”, transformou o partido em instrumento da sua vontade pessoal, imperial, absolutista. Não era um meio de renovar lideranças. Não. Era uma estratégia de impedir que outras lideranças pudessem ter vida própria, o que, para ele, era inadmissível.
Os “postes” foram um fracasso administrativo. Como não lembrar Fernando Haddad, o “prefeito suvinil”, aquele que descobriu uma nova forma de solucionar os graves problemas de mobilidade urbana: basta pintar o asfalto que tudo estará magicamente resolvido. Sem talento, disposição para o trabalho e conhecimento da função, o prefeito já é um dos piores da história da cidade, rivalizando em impopularidade com o finado Celso Pitta.
Mas o símbolo maior do fracasso dos “postes” é a presidente Dilma Rousseff. Seu quadriênio presidencial está entre os piores da nossa história. Não deixou marca positiva em nenhum setor. Paralisou o país. Desmoralizou ainda mais a gestão pública com ministros indicados por partidos da base congressual — e aceitos por ela —, muitos deles acusados de graves irregularidades. Não conseguiu dar viabilidade a nenhum programa governamental e desacelerou o crescimento econômico por absoluta incompetência gerencial.
Lula poderia ter reconhecido o erro da indicação de Dilma e lançado à sucessão um novo quadro petista. Mas quem? Qual líder partidário de destacou nos últimos 12 anos? Qual ministro fez uma administração que pudesse servir de referência? Sem Dilma só havia uma opção: ele próprio. Contudo, impedir a presidente de ser novamente candidata seria admitir que a “sua” escolha tinha sido equivocada. E o oráculo de São Bernardo do Campo não erra.
A pobreza política brasileira deu um protagonismo a Lula que ele nunca mereceu. Importantes líderes políticos optaram pela subserviência ou discreta colaboração com ele, sem ter a coragem de enfrentá-lo. Seus aliados receberam generosas compensações. Seus opositores, a maioria deles, buscaram algum tipo de composição, evitando a todo custo o enfrentamento. Desta forma, foram diluindo as contradições e destruindo o mundo da política.
Na campanha presidencial de 2010, com todos os seus equívocos, 44% dos eleitores sufragaram, no segundo turno, o candidato oposicionista. Havia possibilidade de vencer mas a opção foi pela zona de conforto, trocando o Palácio do Planalto pelo controle de alguns governos estaduais.
Se em 2010 Lula teve um papel central na eleição de Dilma, agora o que assistimos é uma discreta participação, silenciosa, evitando exposição pública, contato com os jornalistas e — principalmente — associar sua figura à da presidente. Espertamente identificou a possibilidade de uma derrota e não deseja ser responsabilizado. Mais ainda: em caso de fracasso, a culpa deve ser atribuída a Dilma e, especialmente, à sua equipe econômica.
Lula já começa a preparar o novo figurino: o do criador que, apesar de todos os esforços, não conseguiu orientar devidamente a criatura, resistente aos seus conselhos. A derrota de Lula será atribuída a Dilma, que, obedientemente, aceitará a fúria do seu criador. Afinal, se não fosse ele, que papel ela teria na política brasileira?
O PT caminha para a derrota. Mais ainda: caminha para o ocaso. Não conseguirá sobreviver sem estar no aparelho de Estado. Foram 12 anos se locupletando. A derrota petista — e, mais ainda, a derrota de Lula — poderá permitir que o país retome seu rumo. E no futuro os historiadores vão ter muito trabalho para explicar um fato sem paralelo na nossa história: como o Brasil se submeteu durante tantos anos à vontade pessoal de Luiz Inácio Lula da Silva.
Publicado aqui, na globo.com
Artigo do domingo — Da arte da guerra
O avanço na reta final de Marina Silva (PSB) e Luiz Fernando Pezão (PMDB), como indicam todas as pesquisas mais recentes, fará da primeira presidente da República e manterá o segundo governador do Rio? A pergunta pode ser substituída por outra: líderes nas pesquisas desde o início da campanha eleitoral, a presidente Dilma Rousseff (PT) e o ex-governador Anthony Garotinho (PR) conseguirão resistir ao assalto ameaçador de quem quer tomar o lugar da primeira e de quem não planeja ceder a cadeira ao segundo?
Na política ou na guerra, tática é o que se usa para vencer uma batalha, uma disputa pontual como um debate ou uma pesquisa, ao passo que as guerras (como as eleições) são vencidas pela estratégia. Na guerra, raras vezes se viu tática tão revolucionária quanto a blitzkrieg (guerra relâmpago) criada pela Alemanha na II Guerra Mundial (1939/45), baseada nos deslocamentos rápidos de blindados, com apoio de infantaria, artilharia e aviação, em ações coordenadas.
Para quem assistiu a Mike Tyson lutar no seu auge, ou viu o Flamengo de Zico jogar, é mais ou menos aquilo. Quando o adversário pensa ainda estar em fase de estudos iniciais, já foi nocauteado por uma sessão fulminante de golpes.
Quem só conhece a II Guerra pelos filmes de Hollywood, não tem dúvida: foi o esforço dos Aliados, liderado pelos EUA, a partir do Dia D (em 6 de junho de 1944), que libertou a Europa do jugo da Alemanha nazista. Quem conhece de fato o que foi o maior conflito armado da humanidade, com saldo final de mais de 60 milhões de mortos, sabe que a protagonista real da derrota alemã foi a ex-União Soviética. Quem conhece matemática, que faça as contas: enquanto os russos encararam 172 divisões alemães, todos os demais Aliados juntos (incluídos EUA e Brasil) só deram conta de 42 divisões do exército germânico, mais de quatro vezes menos.
Mas se a tal da blitzkrieg era assim tão à frente do seu tempo, a ponto de ter sido modelo tático aos EUA em suas invasões ao Iraque em 1991 e 2003, como a Alemanha pôde ser derrotada na II Guerra? Simples: homem de gênio militar, conhecedor das virtudes do inimigo, tanto quanto das limitações do seu exército, o marechal russo Gueorgui Zhukov (1896/1974) apenas simulou resistência à invasão alemã, permitindo a penetração inimiga em seu próprio território, muito mais vasto, com mais recursos humanos e materiais do que o agressor. Este, depois de levado ao seu limite logístico, teve o avanço cortado em sua base, transformando invasor em sitiado.
Foi assim que, em dezembro de 1942, a partir da reviravolta na Batalha de Stalingrado (atual Volvogrado, no sul da Rússia), Zhukov comandou sua contra-ofensiva. Dali, ele só parou ao finalmente tomar Berlim, em maio de 1945, definindo a geopolítica do mundo até a queda do famoso muro na capital alemã, em novembro de 1989, que a mesma União Soviética ergueria para depois cair com ele.
Antes disso, porém, os russos só venceram os alemães na II Guerra porque, em bom português, tinham mais garrafas para vender. Leia-se: terra, gente e recursos materiais. Taticamente, Zhukov podia bancar suas perdas humanas e materiais desproporcionalmente maiores a cada batalha contra a temível blitzkrieg, afiançado na certeza estratégica de que, na hora de repor, tinha muito mais de onde tirar para vencer a guerra.
Apenas pelo número de placas que Garotinho ostenta em todos os rincões do território fluminense, em quantidade amplamente superior à soma de todos os demais candidatos a governador do Rio, ninguém pode supor que lhe faltem recursos materiais. Afinal, lá se vão 26 anos da campanha do “tostão contra o milhão”, que em 1988 levaria o então jovem político da Lapa a conquistar primeira vez a Prefeitura de Campos.
Mas será que novamente candidato a governador (perdeu para Marcello Alencar, em 1994, e ganhou duas vezes, consigo, em 98, e com Rosinha, em 2002), Garotinho terá os mesmos recursos para se opor ao avanço de Pezão que a presidente Dilma para tentar conter a onda de Marina? Diferente da certeza dos números entre quem se enfrentou na II Guerra, aqueles apontados pelas atuais pesquisas brasileiras e fluminenses não dão nenhuma certeza.
Se no Ibope Garotinho ainda lidera a corrida (com 27%) contra Pezão (19%), ele empataria no segundo turno não só com o atual governador (ambos com 35%), como com o senador Marcelo Crivella (do PRB, com 34% cada). E as contas são ainda mais apertadas pelo Datafolha, no qual Garotinho já aparece empatado tecnicamente com Pezão (28% contra 23%), mas perderia no segundo turno não só para este (36% a 45%), como também para Crivella (33% a 45%).
Dilma, por sua vez, está empatada tecnicamente com Marina no primeiro turno: 37% a 33% no Ibope e 35% a 34% no Datafolha. Mas a presidente também perderia o segundo turno para a ex-ministra de Lula: 37% a 46% pelo Ibope e 41% a 48% no Datafolha. Todavia, diferente de Garotinho em relação a Crivella no Rio, as pesquisas não apontam em Aécio Neves (PSDB) um terceiro colocado tão perigoso num hipotético segundo turno presidencial, no qual Dilma venceria o tucano por 47% a 34%, no Ibope, e de 49% a 38%, no Datafolha. Ademais, diferente de Pezão, que registrou uma impressionante arrancada de 7% no Datafolha, Marina parece já ter alcançado seu teto de intenções de voto no primeiro turno.
Ao comentar as últimas pesquisas, Garotinho não está errado ao ecoar outro campista, o ex-craque Didi, bicampeão mundial pela Seleção Brasileira em 1958, na Suécia, e 1962, no Chile, que cunhou a frase: “Treino é treino, jogo é jogo”.
No jogo jogado, não há certeza se Dilma e Garotinho terão garrafas para vender daqui até outubro e novembro, na tentativa de encontrar uma estratégia de resistência ou reversão dos avanços de Marina e Pezão. No entanto, das disputas ainda mais acirradas dos campos de batalha da II Guerra, talvez seja pertinente lembrar que a tática do ataque incisivo ao adversário — empregada por Garotinho desde sempre e por Dilma no desespero — foi a de quem só colecionou vitórias para perder no fim.
Publicado hoje na edição impressa da Folha.