Artigo do domingo — Cheque em branco e, talvez, sem fundos

cheque em branco

 

 

Ricardo André
Jornalista Ricardo André Vasconcelos

Por Ricardo André Vasconcelos

Que o grupo político dominante na cidade despreza qualquer forma de diálogo com a sociedade, não há dúvidas. A novidade é que estão esticando os limites como se depositassem na omissão das instituições a garantia da impunidade, independente de quais e quantos desmandos patrocinem.

A mais recente afronta é o velho expediente de antecipar arrecadação de anos futuros e deixar a conta para as próximas administrações. Na semana passada, a Câmara Municipal, com a notória maioria subserviente, aprovou uma lei que permite à prefeita Rosinha Garotinho, na prática, antecipar recebimento dos royalties. O texto da lei (6.598, de 18/11/2014, publicada na página 1 do D.O. de 19/11/2014), é um monumento à desfaçatez. Usa e abusa de eufemismos para esconder o propósito de tomar empréstimo bancário dando como garantia de pagamento a receita futura dos royalties do petróleo (incluindo Participação Especial) até 31 de dezembro de 2016. O Poder Legislativo Municipal autorizou a prefeita Rosinha a “ceder a instituições financeiras públicas créditos decorrentes de royalties…”.Traduzindo: por “instituições financeiras públicas” entenda-se Banco do Brasil e Caixa Econômica, e “ceder” neste texto é um verbo injustificável, porque ao antecipar a receita junto a uma instituição financeira, que não vive de benemerência, os valores deverão ser pagos com juros de mercado. É empréstimo, não cessão!

A lei também é imperdoavelmente omissa quanto ao limite de valores, tornando-se um cheque em branco para a prefeita gastar como quiser, empenhando todas as receitas do petróleo até seu último dia de mandato e deixando a conta, repito, para os sucessores…

E mais: além de branco, o cheque pode não ter fundos!!!!!

Sim, mesmo com a previsão que em 2015 a Prefeitura de Campos receba valores semelhantes aos anos de 2013 e 2014 (cerca de R$ 1,3 bilhão), não podemos esquecer que ainda tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, a ADI 4197, que tenta anular a lei 12.734/2012. Para os que se esqueceram, foi a lei aprovada no Congresso Nacional que estendeu a distribuição dos royalties do petróleo para todo o país e, se vigorar, reduz em 60% os repasses para o município de Campos. A distribuição só continua mantida pela lei anterior por força de uma liminar da ministra Carmen Lúcia, que em 18/03/2013, suspendeu os efeitos da nova lei até que o assunto seja decidido pelo Plenário da Corte.

A própria prefeita Rosinha Garotinho fez várias incursões ao STF para acompanhar a tramitação da ADI,  preocupada com a possibilidade da drástica redução de repasses, mas agora ganhou da Câmara Municipal o direito de dispor antecipadamente de uma receita ainda incerta, como se vendesse os ovos antes da galinha trazê-los aos mundo. Aos demais Estados interessa que a lei seja declarada constitucional porque beneficia todos, com exceção do Rio de Janeiro, Espírito Santo e, de maneira bem menos impactante, São Paulo. Tanto que, assim como a Organização dos Municípios produtores de Petróleo (Ompetro), que a prefeita de Campos preside, praticamente todos os Estados são parte da Ação Direta de Inconstitucionalidade na condição de “amicus curae”, todos trabalhando incessantemente para que os royalties sejam distribuídos por todos os municípios brasileiros e não entre os localizados nos Estados produtores.

Portanto, é um assunto que precisa ser explicado e debatido com a sociedade com franqueza, sem eufemismos e argumentos falaciosos, porque a forma como está sendo conduzida a questão, além de demonstrar desprezo pela opinião pública, abre margem para as mais diversas interpretações. A mais corrente? Há um rombo nas contas municipais! Seus motivos mais “nobres”? Má gestão, falta de planejamento e gastança irresponsável!

 

Publicado hoje na Folha

 

Atualização às 18h55: Republicado aqui, no blog “Eu penso que…”, e aqui, no “Estou procurando o que fazer”

 

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Este post tem 13 comentários

  1. Marcelo Amoy

    De certa forma, numa comparação que muitos acharão grosseira – mas que considero apropriadíssima! -, o que se faz na prefeitura de Campos é o mesmo que o governo federal tenta fazer em seus esforços para burlar a LDO: reconhecer tacitamente (mas sem jamais assumir) sua própria incompetência de dar destino coerente e responsável às fartas verbas que recebeu sem saber gastar corretamente. Em ambos os casos, o que se evidencia é o descaso (ou o despreparo) dos agentes públicos em desempenhar suas funções de acordo com as responsabilidades dos cargos que ocupam em profundo desrespeito à cidadania de todos nós, os verdadeiros provedores dos poderes públicos.

  2. Aluysio

    Caro Marcelo,

    Concordo contigo em gênero, número e grau.

    Abç e grato pela colaboração!

    Aluysio

  3. Jose C. Sampaio Filho

    Aluysio, minha dúvida é a seguinte: essa lei é constitucional? Que eu saiba, a lei (federal) dos royalties “carimba” o dinheiro, então como uma lei (municipal) autoriza o “desconto” dos royalties como se fossem uma duplicata qualquer? Alguém, com competência constitucional para tanto, deveria acionar o STF.

  4. Savio

    Texto claro, lúcido, coerente e absolutamente realista. É o que ocorre no nosso Município.

    Sem a menor sombra de dúvida, este desgoverno da Prefeitura de Campos é um absurdo contra todos os cidadãos desta cidade. E é lógico, tanto esta Prefeita quanto o seu esposo, já sabem que nunca mais serão reeleitos. Claro que ambos não se importam com isso, muito menos se importarão em entrar para a História do Município de Campos dos Goytacazes, como os piores políticos que o município teve até agora!

    Enquanto tivermos eleitores cooptados, incultos, despreparados da mínima cultura política, teremos Prefeitos, Deputados, Vereadores, etc. deste naipe. O nosso Município poderia ter-se tornado um gigante nos últimos 10 anos, mas, não, escolheu líderes irresponsáveis, obcecados pelo Poder, manobreiros motivados por interesses sórdidos.

    E ainda teremos que aguentar esta corja até dezembro de 2016!Mas, sempre há um fio de esperança de que o povo acorde a qualquer momento, (trecho excluído pela moderação)

  5. Aluysio

    Caro Jose Sampaio Filho,

    Não sou jurista, mas até onde saiba, a lei municipal não é inconstitucional. Inclusive, segundo me passou o próprio Ricardo, essa prática de “vender” antecipadamente os royalties aos bancos seria corrente no Estado do Rio, desde que o então governador Anthony Garotinho a inaugurou, após uma negociação tensa com Pedro Malan, à época ministro da Fazenda do governo federal FHC. Segundo o próprio Garotinho descreveu o episódio, ele teria saído da reunião para ir ao banheiro, fez lá uma oração, e qd voltou Malan teria aceito sua proposta. No mundo real, o gd problema é a maneira como a lei municipal foi aprovada, sem a devida discussão, nem na Câmara Municipal, tampouco com a sociedade, a quem deveria pertencer de fato os royalties, mas que não é informada sequer sobre sua aplicação. Feita assim, a toque de caixa, essa nova lei reforça a impressão de que a Prefeitura de Campos estaria mesmo quebrada, coincidentemente (ou não?) após o fracasso eleitoral do PR na eleição a governador, da qual o próprio Garotinho admitiu publicamente ter saído bastante endividado.

    Abç e grato pela colaboração!

    Aluysio

  6. Aluysio

    Caro Savio,

    Como de hábito, concordamos no que se refere às suas adjetivações sobre o artigo do Ricardo. Peço, porém, que perdoe e tente compreender a demanda de edição que enxerguei no trecho final do seu comentário.

    Grato pela participação e abç!

    Aluysio

  7. carlosfelipefelipefelipe

    Nossa cidade esta um lixo que governo e esse meu Deus justiça onde anda voce o povo de campos nunca passou este tipo de humilhaçao e voces nao fazem nada,a prefeita vai fazer o seguinte vai apanha tudo que tiver e vai jogar na conta do proximo governo sendo que o proximo governo nao tem responsabilidade de pagar por uma divida que nao contraiu.

  8. michael

    Savio, numa parte do seu comentário, na sua opinião, estamos há 10 anos sem governo. Só dez anos porquê? E antes?

  9. Paulo Luiz Rodrigues Moraes

    Infelismente os vereadores de Campos(situação), eleitos pelo povo para defender os direitos do povo, viraram vacas de presépio do Deputado/Prefeito, fazem tudo que ele mandar, sem jamais questionarem, quando por algum motivo resolvem questionar, logo mudam de opinião, de acôrdo com os cargos e benécias oferecidas, no meu modo de ver são os verdadeiros párias. Chega de tantos desmandos, temos que tomar providências urgente para mudar a situação que a nossa cidade esta passando. A PMCG esta falida, existe um rombo nas contas públicas que ultrapassa a 600 milhões. Para onde foi o nosso dinheiro?
    Já tomei uma decisão: nunca mais votarei em candidato que pertença a esse grupo que esta no comando. MAGAL e GIL VIANA, não contem mais com o meu voto.

  10. Silva

    Já pensaram se essa fase nebulosa fosse nos governos: ARNALDO; MOCAIBER; SERGIO MENDES ETC, certamente todos os aviões da força aérea brasileira, navios, canhões de artilharia ante-aérea estariam detonando as sedes da prefeitura e da câmara municipal, mas, quem tem padrinhos não morre pagão.

  11. Savio

    Ao Leitor Michael:

    Tem razão, Michael! Foi apenas ‘fechando um número redondo’, mas, na verdade, desde que começaram os royalties, estes foram mal aplicados, usados perdulariamente, sem falar nas famosas “prestações de contas”, na minha opinião, todas elas merecedoras de suspeita!

    Não sei onde eu li, recentemente, qual foi o montante de todos estes royalties acumulados por todos estes anos! Não localizei a matéria neste instante, mas é uma considerável fortuna, muitos e muitos bilhões! Onde, quando e como foram gastos, certamente não será no “Portal da Transparência” que encontraremos as respostas!

  12. Savio

    No que eu estava procurando a informação que relata o acumulado de Royalties desde que Campos começou e recebê-lo, por acaso, achei um interessante trabalho, “TERRITÓRIOS PRIVILEGIADOS E DESENVOLVIMENTO REGIONAL SUSTENTÁVEL”, publicado pela UNISC:
    http://www.augm-cadr.org.ar/archivos/7mo-coloquio/mesa_4/20080240.pdf

    Observem a posição de Campos dos Goytacazes no ranking do IGH por Munípio: 1812º !!!

    Só isto já deve motivar o leitor pensante a ler o interessante trabalho e tirar suas próprias conclusões!

  13. sandra.maria

    Muito bom o artigo.Parabéns.

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