Paulo Roberto Costa e Sérgio Moro juntos na certeza: crimes vão muito além do Petrolão

Terra Brasilis

 

 

Jornalista José Casado
Jornalista José Casado

O mapa da propina

Por José Casado

 

Nova etapa da investigação vai mostrar sequência de crimes político-empresariais em ‘dimensão muito superior aos danos já provocados à Petrobras’, escreveu o juiz Moro

O colarinho branco realçava o tom borgonha da gravata, sob barba e cabelos grisalhos aparados com esmero. Paulo Roberto Costa nem parecia um ex-diretor da Petrobras com algema eletrônica no tornozelo.

Escoltado por um agente federal de colete à prova de balas e armado com fuzil, falou por horas na Procuradoria da República, no Centro do Rio. A rua abaixo fervilhava no calor da quarta-feira pré-carnaval, 11 de fevereiro.

— Vocês obviamente têm um papel aqui, mas não se limitem à Petrobras — incitou os procuradores. — Não se limitem, não. O que acontece na Petrobras, acontece no Brasil.

Prosseguiu:

— Essas empresas do cartel não trabalham só para a Petrobras. Trabalham para portos, aeroportos, ferrovias e rodovias. Então, o interesse deles é tudo, não é só na Petrobras. Eu falei no primeiro dia, lá na força-tarefa, antes de assinar o acordo de delação, que a minha área era só a ponta do iceberg. Agora teve lá uma declaração do Ricardo Pessoa (acionista da UTC/Constran), e ele confirma. Falei também, com clareza, lá na CPMI (no Congresso): “Não pensem que esse assunto se restringe à Petrobras, porque não é!”

Exemplificou recordando seus encontros em Brasília para tratar da harmonia de interesses político-empresariais:

— Normalmente, o Aníbal Gomes (deputado federal do PMDB) pedia a reunião. Era uma por mês, com o Romero Jucá e o Renan Calheiros (senadores do PMDB). Eu ia lá na casa do Renan e falava das perspectivas, de projetos. Qual era o interesse desses políticos? É que as empresas do cartel ganhassem, porque se elas ganhassem revertia uma parte pra eles.

Nas últimas duas semanas, o juiz Sérgio Moro indicou no processo o acúmulo de evidências de que “o esquema criminoso vai muito além da Petrobras”. Repetiu-se nos autos: “A mesma cartelização das grandes empreiteiras, com a manipulação de licitações, ocorreria no país inteiro”. Insistiu, ao autorizar a prisão — com uso de algemas — de um acionista da Galvão Engenharia: “Há indícios veementes de que os crimes transcendem a prática de cartel, corrupção e lavagem em obras da Petrobras.”

Num despacho da semana passada, o juiz mostrou-se inquieto com os dados já obtidos sobre o fluxo de propinas no circuito fora da Petrobras. Essa nova etapa da investigação partiu de “uma tabela” de “comissões” montada pelo operador financeiro do Partido Progressista, Alberto Youssef, sobre 750 empreendimentos de empresas estatais e órgãos governamentais. Esse mapa da propina “é perturbador”, qualificou Moro.

A tendência, indicou, é a exposição pública de uma sequência de crimes político-empresariais em “dimensão ainda muito superior aos danos já provocados à Petrobras”. Multiplicam-se “registros documentais”, exemplificou, “como os depósitos bancários apreendidos no escritório de Youssef em favor de um senador”. Assim como há “prova documental do repasse de parte da ‘propina’ em doações eleitorais ao Partido dos Trabalhadores”.

O juiz Sérgio Moro e o réu confesso Paulo Roberto Costa coincidem na essência: não existe propina grátis. A conta desses subornos é paga pelos cofres públicos, com dinheiro subtraído do bolso de cada brasileiro.

 

Publicado aqui, no globo.com

 

Doleiro revela que entregou propina na porta da sede do PT ao tesoureiro do partido

 

Por Ricardo Brandt, Mateus Coutinho, Julia Affonso e Fausto Macedo

 

O doleiro Alberto Youssef, peça chave da Operação Lava Jato, reafirmou à Justiça Federal que entregou cerca de R$ 800 mil em dinheiro vivo para o tesoureiro do PT João Vaccari Neto — metade desse valor, segundo ele, na porta do diretório nacional do partido, localizado na Rua Silveira Martins, coração de São Paulo.

Em novo depoimento, agora nos autos do processo sobre operações ilícitas de câmbio realizadas pelo laboratório Labogen – empresa que ele tentou infiltrar no Ministério da Saúde na gestão do então ministro Alexandre Padilha (PT), o doleiro declarou que “a mando da Toshiba (Infraestrutura)” fez dois pagamentos para o tesoureiro do PT.

O dinheiro, segundo Youssef, teve origem em uma contratação para obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), entre 2009 e 2010. ”O primeiro valor foi retirado no meu escritório da (rua) Renato Paes de Barros (São Paulo) pela cunhada dele (Vaccari)”, declarou Youssef, referindo-se à Marice Corrêa Lima, perante o juiz federal Sérgio Moro, que conduz todas as ações penais da Lava Jato. “Eu entreguei esse valor pessoalmente. O segundo valor foi entregue na porta do diretório do PT nacional pelo meu funcionário Rafael Ângulo para o funcionário da Toshiba para que ele pudesse entregar o valor para o Vaccari.”

O sr. sabe o nome do funcionário da Toshiba?, perguntou um advogado na audiência. “Piva”, respondeu o doleiro. O advogado indagou qual era o papel dele no esquema de pagamento de propinas e favores a agentes públicos e políticos. “Eu era uma mera engrenagem, totalmente descartável. A partir do momento que não cumprisse com as obrigações, não recebesse e pagasse em tempo hábil os valores de maneira correta, no outro dia eu estava fora. Poderiam contratar qualquer outra pessoa para fazer esse trabalho.”

O tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, por meio de seu advogado, o criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, repudia taxativamente as acusações. D’Urso tem reiterado que o tesoureiro só arrecadou quantias declaradas à Justiça eleitoral. O criminalista rechaça o valor dos depoimentos prestados em regime de delação premiada. Segundo D’Urso, os delatores “não dizem a verdade”.

O PT tem reafirmado que todos recursos arrecadados têm origem lícita. A Toshiba nega pagamento de propinas a políticos.

 

Confira o depoimento do doleiro:

 

 

Publicado aqui, no Blog do Fausto Macedo

 

Filho de Renato Duque, homem do PT no Petrolão, levou R$ 5,2 bilhões da Petrobras

follow the money

 

 

Renato Duque, preso duas vezes pela PF por conta do escândalo do Petrolão (foto de Geraldo Bubniak - Estadão)
Renato Duque, preso duas vezes pela PF por conta do escândalo do Petrolão (foto de Geraldo Bubniak – Estadão)

Por Marcelo Sperandio

 

O economista Daniel Duque entrou no alvo da CPI da Petrobras. Daniel é filho do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, preso sob acusação de participar do petrolão. Levantamento da CPI descobriu que, entre 2006 e 2014, a Petrobras assinou contratos no valor total de R$ 1,2 bilhão com as multinacionais Chemtec, Cipher e Technip. Todos sem licitação. Esse valor só se refere aos 42 contratos assinados nos intervalos em que Daniel Duque trabalhou nessas multinacionais: Chemtec (de janeiro de 2006 a maio de 2007), Cipher (de junho de 2007 a junho de 2011) e Technip (de julho de 2011 a abril de 2014). Além disso, em agosto de 2013,quando Daniel Duque era gerente da Technip, a empresa anunciou que fora escolhida pela Petrobras para executar um contrato de R$ 4 bilhões. A CPI questionará: Daniel Duque participou das equipes das multinacionais que trabalharam nas aquisições desses contratos bilionários com a Petrobras? Daniel Duque integrou os quadros dessas esmpresas por influência política ou por mérito profissional? Em depoimento à CPI, Renato Duque disse que, na época, a Petrobras foi consultada e não viu impedimento em seu filho trabalhar para fornecedores da estatal. Procurada por esta coluna, a Petrobras não se manifestou sobre o assunto.

 

Publicado aqui, na coluna Expresso, da epoca.com

 

Crítica de cinema — A magia de Cinderela

Cinematógrafo

 

Cinderela

 

Mateusinho 4Cinderela — Com certo orgulho, o sociólogo alemão Max Weber disse que o Ocidente desencantou o mundo. Com melancolia, o intelectual romeno Mircea Eliade mostrou em toda a sua obra que passamos do sagrado para o profano, e a civilização ocidental teve grande responsabilidade nessa passagem. Embora o cinema ocidental tenha tentado criar um mundo encantado onde a pessoa que assiste ao filme possa se refugiar da realidade dura por algumas horas, a tendência foi também dessacralizar o mundo nos filmes.

Até os contos encantados foram bombardeados e atualizados para a vida atual. As séries “Shrek” e “Monstros S.A.” se incumbiram disso com os contos de fadas e as histórias sobrenaturais. Numa das animações de “Shrek”, as figuras desencantadas protestam contra a desconstrução por que passaram, desejando retornar à fantasia anterior.

Embora forjados num mundo sacralizado, os contos de fada não eram nada idealizados e sonhadores na sua origem popular e anônima. Havia neles crueldade e sangue. “João e Maria” são abandonados pelo pai e pela madrasta na floresta para morrerem. Em “Cinderela”, as invejosas irmãs postiças cortem os dedos do pé para que ele entre no sapatinho de cristal, algo que a apresentadora Andressa Urach gostaria de fazer, como ela mesma declarou numa entrevista, para ter pés menores e mais femininos.

No caso dos  contos de fada, Charles Perrault e outros autores se incumbiram de suavizá-los e torná-los palatáveis para as crianças. Assim, temos a versão mágica de “Cinderela”  dos dias atuais. A versão de Walt Disney é mágica.  Eu acrescentaria que a marca de Disney nas histórias com alguma vertente adulta acabam se impondo como versões originais. O universo  de personagens divididos como “Pinocchio”, de Carlo Collodi, ou de “Peter Pan”, de J.M. Barrie parecem tornar-se definitivamente voltados para a infância, com sua lógica dualista de bem e de mal. Mesmo assim, as crianças gostam muito de passagens aterradoras, como “Uma noite no Monte Calvo”, integrante de “Fantasia”, de 1940.

Especialista em Shakespeare, Kenneth Branagh já enveredou com competência no mundo adolescente ao dirigir “Thor”. Agora, mergulha no mundo infantil com “Cinderela”, sempre criando ambientes shakespearianos. Num filme voltado para crianças, ele constrói uma corte ao estilo de Shakespeare, com brancos e negros vivendo em condições de igualdade. No teatro de Shakespeare, não apenas brancos europeus têm lugar como coadjuvantes e protagonistas.

Em “Cinderela”, um negro ocupa uma posição importante de militar. Na festa para a escolha da princesa que se casará com o príncipe, aparece uma candidata negra. Como no conto de Perrault, todas, ricas e pobres do reino, devem ser convidadas para a festa e devem provar o sapatinho mágico. O crítico Gustavo Oviedo, aqui nesta Folha da Manhã, mostrou condignamente que Branagh retoma o clima feérico de “Cinderela” como fez Disney em 1950. No final das contas, vivendo atualmente com crianças, noto muito bem que elas gostam da fantasia, do mágico, das princesas e dos príncipes, das madrastas más, das bruxas e das fadas madrinhas. A mente delas se encanta com a polaridade bem e mal. “Shrek” e “Monstros S.A.” agradam mais aos adultos por serem demolidores e irônicos.

O clima encantado que Branagh criou para “Cinderela” se aproxima da animação de 1950. Só não reproduz a passagem antológica em que Cinderela, lavando o chão, levanta bolhas de sabão em que sua imagem é refletida incontáveis vezes e todas elas cantam em coro. De fato, na versão de 2015, Cate Blanchett é a âncora do filme, mas não se demora tanto em cena para ser cogitada como oscarizável em 2016.

 

Mateusinho viu

 

Publicado hoje na Folha Dois

 

Confira o trailer do filme:

 

 

FHC: “Outro dia perguntei ao presidente Lula por que ele sumiu. Como sumiu? A filha é sua”

Fernando Henrique Cardoso

 

 

Por Mariana Sanches

 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) fez duras críticas à presidente Dilma Rousseff e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na noite desta segunda-feira, em São Paulo. Para o tucano, o ajuste fiscal proposto pelo governo equivale a uma cirurgia sem anestesia, já que, segundo ele, tanto Dilma como Lula “sumiram” dos holofotes e não têm dado explicações à população. Segundo o ex-presidente, Dilma perdeu a credibilidade e “acabou” com os recursos nacionais como o petróleo.

— Estão operando sem anestesia— disse Fernando Henrique, para quem há poucas chances de o ajuste fiscal funcionar.

As declarações foram feitas em uma palestra voltada para empresários e Fernando Henrique ironizou o desempenho da presidente, afirmando que ela deveria ganhar um prêmio Nobel porque “acabou com o petróleo, com o etanol e com a energia elétrica”.

Fernando Henrique comparou a crise econômica atual à vivida por seu governo em 1999 e disse que, na época, ia à televisão e ao Congresso para dar explicações. Mas que, hoje, Dilma não aparece para tratar do tema. Ele também criticou o ex-presidente Lula:

— Os maiores responsáveis têm que assumir. Outro dia eu perguntei ao presidente Lula por que ele sumiu. Como sumiu? A filha é sua — disse ele, referindo-se a Dilma.

Para Fernando Henrique, Lula e Dilma pensaram ter encontrado para a economia do país uma “fórmula mágica”, a qual seguiram sem se preocupar com investimentos e contas públicas.

Segundo o ex-presidente, os políticos que quiserem se colocar como interlocutores das manifestações que têm ocorrido nas ruas “vão quebrar a cara”.

A audiência da palestra foi formada por centenas de empresários, que aplaudiram ao tucano por duas vezes, de pé. O evento foi organizado por um escritório de arquitetura.

 

Impeachment

O ex-presidente Fernando Henrique falou ainda sobre o movimento que pede o impeachment da presidente Dilma. Ele disse que, na época do ex-presidente Fernando Collor, foi um dos últimos políticos a aceitar essa solução porque temia até a volta dos militares. Na situação atual, disse não ser contra, mas ponderou que é preciso ver como o caso evolui. Segundo ele, não há ainda relato de nenhum delito cometido pela petista que a ligue às ilegalidades do escândalo da Petrobras.

 

Publicado aqui, no globo.com

 

Com déficit de 7,4 bilhões em fevereiro, governo Dilma tem o pior desempenho desde 1997

Dilma em queda 1

 

 

Por Eduardo Rodrigues e Victor Martins

 

Em meio ao duro embate político em torno da aprovação do ajuste fiscal, o Tesouro Nacional anunciou um déficit primário de R$ 7,357 bilhões em fevereiro das contas do Governo Central. É o primeiro resultado negativo do Governo Central — que reúne as contas do Tesouro, Previdência Social e Banco Central — apresentado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Trata-se também do pior resultado para o mês desde 1997, quando começa a série histórica do dado

O resultado de fevereiro foi pior que mediana estimada pelo mercado financeiro, positiva em R$ 200 milhões, e também ficou abaixo do piso do intervalo das expectativas, que variaram de déficit de R$ 5,9 bilhões a um superávit primário de R$ 3 bilhões, conforme coleta da Agência Estado.

A abertura do dado mostra que o Tesouro Nacional teve um déficit de R$ 1,504 bilhão; o INSS, um saldo negativo de R$ 5,651 bilhões e o BC, um déficit de R$ 140,5 milhões. O resultado já conta com o impacto de parte dos efeitos de medidas anunciadas pela equipe econômica no início do ano. O déficit seria maior se não fosse uma receita extraordinária de R$ 4,64 bilhões obtida pela Receita Federal por causa de uma operação de transferência de ativos.

Com o déficit de fevereiro, o superávit primário do Governo Central caiu para R$ 3,093 bilhões no ano, no pior resultado no primeiro bimestre desde 2009. Em 12 meses, o Governo Central acumula um déficit de R$ 24,9 bilhões, o equivalente a 0,48% do Produto Interno Bruto (PIB).

As despesas do Governo Central somaram R$ 171,4 bilhões no primeiro bimestre, com ligeira alta ante os R$ 171,3 bilhões registrados no mesmo período do ano passado. Já as receitas caíram para R$ 174,6 bilhões no primeiro bimestre, ante uma arrecadação de R$ 182,1 bilhões nos dois primeiros meses de 2014.

 

Resultado esperado

O secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, avaliou que o déficit primário de R$ 7,357 bilhões em fevereiro das contas do Governo Central é um resultado “de certa forma esperado”. Esse foi o pior resultado para o mês desde 1997, quando começa a série histórica do dado. “O resultado de fevereiro contrapõe um pouco o mês de janeiro, mas todos sabemos que o mês de fevereiro é mais fraco em termos de receitas e isso impactou o resultado. Não foi tão diferente do resultado de fevereiro de 2014”, disse Saintive. “Há uma queda nas receitas administradas e decidimos fazer uma adequação de pagamentos pelo lado do custeio, o que fez com que o resultado tivesse essa performance”, completou.

O secretário destacou uma queda de R$ 916,5 milhões em fevereiro na comparação com o mesmo mês de 2014 na cota de compensações financeiras, devido à queda no preço do petróleo. Essa rubrica apresentou receitas de R$ 1,194 bilhão no mês passado. Saintive também citou a redução de R$ 2,981 bilhões nas receitas com dividendos na mesma comparação, para R$ 132,9 milhões.

O secretário afirmou ainda que no bimestre houve queda de 4,6% das receitas e manutenção das despesas. “Estamos atentos e vigilantes na contenção das despesas, e na arrecadação há uma tendência atual de queda, confirme já anunciado pela Receita Federal”, completou.

 

Primeiro bimestre

Apesar do esforço da equipe econômica para aumentar o esforço fiscal em 2015, o resultado das contas do governo central no 1º bimestre é o pior desde 2009, quando havia sido de R$ 2,866 bilhões.

Segundo dados do Tesouro Nacional, o superávit primário das contas do Governo Central apresentou no 1º bimestre do ano um recuo de 68,8% em relação a janeiro e fevereiro do ano passado.

Apesar do déficit primário de R$ 7,357 bilhões em fevereiro, o resultado ainda não foi suficiente para converter o desempenho positivo do ano. Em janeiro, o Tesouro Nacional havia registrado superávit primário de R$ 10,4 bilhões. Com isso, o acumulado do ano está positivo em R$ 3,093 bilhões.

Esse desempenho do primeiro bimestre foi puxado por um resultado negativo do INSS de R$ 11,437 bilhões no ano até fevereiro. O resultado primário do Tesouro Nacional ficou positivo em R$ 14,738 bilhões; o do Banco Central ficou negativo em R$ 118,3 milhões.

As contas do governo central acumulam em 12 meses, até o mês passado, um déficit primário de R$ 24,9 bilhões, o equivalente a 0,48% do PIB. A meta do governo central para 2015 é de R$ 55,3 bilhões. Os dados foram divulgados há pouco pelo Tesouro Nacional.

 

Publicado aqui, no estadao.com

 

André Singer: “Não acho que o lulismo acabou, mas ele está diante da sua maior crise”

O cientista político André Singer é um intelectual ligado ao PT — e também uma das vozes mais ponderadas do partido. Na contracorrente dos setores petistas mais estridentes, Singer defende que o partido faça uma autocrítica, com o afastamento temporário dos acusados de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras. Singer encara também sem alarmismos as manifestações contra o governo, cujo caráter predominante, afirma, foi de protesto democrático. Crítico da guinada econômica do governo Dilma Rousseff, Singer considera, porém, que o “lulismo”, como ele batizou o alinhamento político dos brasileiros mais pobres ao PT sob a liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está diante de sua maior crise.

 

Voz da ponderação —  André Singer, no jardim de sua casa, em São Paulo. “Nós construímos este sistema partidário e custou muito construí-lo” (Foto: Roberto Setton - Época)
Voz da ponderação —
André Singer, no jardim de sua casa, em São Paulo. “Nós construímos este sistema partidário e custou muito construí-lo” (Foto: Roberto Setton – Época)

Época – Alguns analistas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, avaliam que nosso sistema político degenerou de um “presidencialismo de coalizão” para um “presidencialismo de cooptação”.

André Singer – Eu vou discordar. No Brasil, sempre houve essa tendência de achar que os partidos políticos são podres, que o sistema político está podre.

 

Época –  A reação do governo Dilma, ao propor, de novo, reforma política, não foi nessa linha? 

Singer – Uma coisa é você dizer que há inúmeros problemas e que eles precisam ser enfrentados. Eu sou a favor de mudanças pontuais, mas que sejam feitas. Acho que nós temos três grandes partidos – o PT, PSDB e PMDB – que conformam um sistema: situação, oposição e um partido de centro, que faz o papel de fiel da balança. Com um monte de problemas? Sim, mas eles expressam interesses sociais e visões que existem na sociedade brasileira.  Nós construímos esse sistema partidário e custou muito construí-lo. Não adianta ficar pensando que vamos de uma hora para outra dissolver tudo e que vai emergir um sistema ideal. Não é assim que funciona no Brasil e em lugar nenhum. Não estou defendendo qualquer tipo de conformismo, mas devo alertar para determinadas ilusões, que não levam a nada.

 

Época –  O que vimos no dia 15 de março foi uma continuação de junho de 2013?

Singer – Há pontos de conexão, mas não há propriamente uma continuação, porque junho de 2013 foi um fenômeno muito complexo, que misturou de tudo. Em um momento, havia da extrema-esquerda à extrema-direita na mesma avenida. Agora, houve uma manifestação, pela primeira vez, de setores de oposição ao governo, nos quais existem centro, direita e extrema-direita. São setores que estavam ansiosos por ir à rua desde 2005. E nunca tinham conseguido massa crítica para se manifestar. Tentaram em 2007, com o “Cansei”, fizeram algumas manifestações não tão grandes depois da eleição e, finalmente, chegaram a 15 de março. O ponto de contato entre esses eventos é esse centro novo.

 

Época – O senhor discorda então de uma avaliação corrente no PT de que as manifestações de 15 de março foram organizadas pela direita? 

Singer – Eu acho que elas foram puxadas pela direita. Quem está à frente dos movimentos é a direita.

 

Época – O que o senhor caracteriza como direita?

Singer – Eu acho que o “Fora, Dilma” expressa isso, de um modo geral. Claro que “Fora, Dilma” pode ser uma maneira de dizer “eu sou contra a Dilma”. Aí há uma certa ambiguidade, porque não dá para saber exatamente se a pessoa que está dizendo “Fora, Dilma” está literalmente querendo defender o impeachment ou se ela está dizendo “eu sou contra a Dilma”. Quem diz “Fora, Dilma”, no fundo, pode aceitar que a Dilma tem de governar. Essa era a maioria das pessoas que foi à Avenida Paulista, em São Paulo. Essa é a minha intuição.

 

Época – O senhor acha então que o grupo de direita que puxou a manifestação não era o grupo majoritário?

Singer – Não é o grupo majoritário. Tanto não é o grupo majoritário que o PSDB, de maneira muito inteligente, percebeu que a bandeira do impeachment não agrega e recuou. Não recuou apenas por uma questão institucional, mas também porque percebeu que não é a bandeira que empolga a maioria. É a bandeira que está na cabeça apenas dos que estão puxando as manifestações. O que é compreensível, porque quem puxa é quem está mais irritado e tem posições mais radicalizadas.

 

Época – Mas qual é a bandeira que empolga?

Singer – Protestar contra o governo. A questão da corrupção, sim, é um catalisador importante. Ela tem uma ligação forte com a questão econômica. Quanto mais a situação econômica é ruim, mais as pessoas vão depositar sua irritação no problema da corrupção. Se a situação econômica estivesse boa, é claro que as pessoas seriam contra a corrupção. Mas seria muito mais fácil para o governo defender a posição, justa na minha opinião, de que tudo está sendo feito para combater a corrupção. Mas as pessoas estão muito irritadas com a situação econômica, e isso potencializa muito o mau humor com a corrupção, o que é absolutamente legítimo e compreensível.

 

Época – Quando houve a manifestação, parte expressiva do PT disse que ela, de alguma forma, era golpista. 

Singer – Em certo momento, sim, parecia mesmo uma movimentação golpista. De um lado, havia esses grupos que pedem abertamente intervenção militar, o que é golpe. Do outro, grupos que pedem o impeachment que, a meu ver, seria um golpe branco. Como esses grupos puxaram as manifestações, parecia que elas teriam esse caráter. Mas, quando foi chegando perto, a situação mudou. A manifestação atraiu muita gente que não tem essa postura. Se a manifestação tivesse mantido a feição golpista, haveria um número menor de pessoas na Paulista. À medida que a manifestação foi crescendo, foi se moderando. Ela se tornou uma manifestação mais moderada de protesto contra o governo.

 

Época – O senhor escreveu que a crise do governo está relacionada ao que muita gente chama de estelionato eleitoral. Reeleita, a presidente Dilma adotou políticas que ela criticou na campanha e dizia que seriam adotadas por Aécio Neves. Mas era possível dobrar a aposta na política econômica do primeiro mandato? 

Singer – Dou uma resposta de cientista político, e não de economista. Se a presidente Dilma tinha a avaliação de que precisava fazer um ajuste recessivo, ela não podia ter prometido que ia envidar esforços imediatos na retomada do crescimento e dizer que o ajuste recessivo seria feito pelo adversário. O preço é muito alto: o eleitor não perdoa esse tipo de mudança abrupta. Eu não tenho uma fórmula econômica, mas me parece que ela teria de dar curso ao que ela falou na campanha. Tentar reativar a economia e evitar o que está acontecendo agora, que é o desemprego. Nós vamos ver um desemprego maior como resultado do ajuste recessivo que está começando a ser adotado.

 

Época – Não está faltando autocrítica por parte do PT? 

Singer – Está na hora, sim, de o PT fazer uma autocrítica. Ele precisa fazer uma revisão de sua postura, porque nasceu para ficar à margem de qualquer desvio ético. Essa característica prevaleceu durante muito tempo e deu muita energia moral para o PT. O partido não deveria colocar em risco esse patrimônio. Tenho defendido que as pessoas que estão sendo investigadas sejam provisoriamente afastadas, para que o partido possa começar um processo de revisão. Ao mesmo tempo, é correto dizer que está caindo sobre o PT um peso que não está sendo aplicado aos outros partidos. Especificamente ao PSDB, que está saindo ileso de todo o processo do mensalão mineiro e do chamado Trensalão, em São Paulo. É preciso fazer as críticas e cobranças, mas precisamos perceber que o PT é um partido fundamental no sistema partidário. Demonizar o PT não vai ajudar a democracia brasileira.

 

Época – Dado o cenário de desgaste político e crise econômica, o senhor diria que o lulismo acabou?

Singer – Não, não acho que acabou, mas ele está diante de sua maior crise, de seu maior desafio. A desaprovação do governo alcançou as camadas sociais que são a base propriamente do lulismo, o subproletariado e a  nova classe trabalhadora. Isso é um tremendo problema, que não tinha acontecido até aqui. Quando a classe média se afastou do PT e do Lula, veio essa nova base que sustentou as três eleições seguintes. Se a eleição fosse hoje, olulismo não ganharia. Mas estamos no começo de um processo. Temos a eleição do ano que vem e depois a eleição de 2018. Muita coisa vai acontecer. A liderança política do ex-presidente Lula por enquanto está mantida. Ele é um líder que tem demonstrado grande capacidade de invenção. Ninguém sabe dizer  o que vai acontecer nem com a economia internacional nem com a economia brasileira. A gente não pode decretar ainda o fim do jogo.

 

Publicado aqui, na epoca.com