Por sua autofagia, a crise do Petrolão é única na história do Brasil

atrás do próprio rabo

 

Jornalista e escritor Zuenir Ventura
Jornalista e escritor Zuenir Ventura

Uma crise autofágica

Por Zuenir Ventura

 

Uma leitora reclama dos jornalistas atenção maior ao que acontece de bom no país. “Vocês nem se esforçam para isso, preferem o pior”. A questão é que nem sempre somos nós que procuramos as más notícias, muitas vezes elas é que se oferecem, sem serem chamadas. O exemplo mais recente é o do escândalo da Petrobras. A imprensa divulgou e está divulgando o que se passa ali, mas quem denunciou e continua denunciando os malfeitos são e foram os próprios atores do degradante espetáculo. Se não fossem as delações premiadas, ou seja, as acusações de dentro da empresa — gerentes e diretores confessando seus desvios e dedurando os de seus colegas — não teríamos o “propinoduto”, esse festival de corrupção numa escala como nunca houve igual.

É difícil estabelecer uma olimpíada de crises para saber qual foi a pior, mesmo para quem, como eu, assistiu como observador a várias delas — a de 1954, com o suicídio de Getúlio Vargas; a de 1961, com a renúncia de Jânio Quadros; a de 1964, com o golpe militar; a de 1968, com o golpe dentro do golpe; a de 1992, com o impeachment de Fernando Collor. O que talvez diferencie todas elas da atual é o processo autofágico, de autocorrosão, que caracteriza a de agora, quando as maiores dificuldades não são criadas pela oposição, mas pelos aliados. A última é a entrada na Justiça de Eduardo Paes contra a presidente para fazer valer a lei que reduz a dívida da prefeitura. Com isso, a briga vai para o terreno judicial, e é possível que ganhe a adesão do petista Fernando Haddad. Outro motivo interno de irritação da presidente é a insistência de João Vaccari Neto em não largar a tesouraria do PT, mesmo agora que passou (aqui) à condição de réu na Lava-Jato. Teme-se que isso possa arrastá-la para o centro da crise.

Até a relação Lula-Dilma, de criador e criatura, atingiu seu ponto crítico de desgaste. Pressionada pela maioria do PT no Congresso para rever medidas do ajuste fiscal, ela tem ainda que enfrentar o fogo amigo de dois perigosos aliados: os presidentes da Câmara e do Senado, ambos investigados no processo que será aberto no Supremo Tribunal Federal por causa da Operação Lava-Jato. Incluídos na lista do procurador-geral da República por seus próprios “méritos”, eles atribuem (aqui) a inclusão a Dilma, ou pelo menos acham que ela deveria tê-los livrado do vexame. Daí desafiá-la publicamente com afrontas e pirraças. Um, o deputado Eduardo Cunha, não sossegou enquanto não se consumou (aqui) a demissão do ministro que o xingou de “achacador” em plena Câmara. O outro, Renan Calheiros, não compareceu a jantar de senadores do PMDB com a presidente e, para contrariá-la, devolveu a medida provisória sobre a desoneração da folha de pagamento das empresas.

Com aliados assim, o governo não precisa de oposição.

 

Publicado aqui, no globo.com

 

fb-share-icon0
Tweet 20
Pin Share20

Deixe um comentário