Vingadores: Era de Ultron — Um filme de super-heróis, como “Vingadores: Era de Ultron”, comporta leituras em níveis diversos. Para adolescentes e adultos amantes de ação tão somente, o filme é fabuloso. Seis super-heróis com poderes inatos ou adquiridos se reúnem para lutar pela justiça e pela segurança do planeta. Eles se hostilizam com gracejos, mas conseguem trabalhar juntos com a orientação sábia de meros mortais. As lutas e destruições mostradas pelo filme agradam muito os expectadores simplórios.
Num nível mais profundo, o filme se mostra como produto de muito dinheiro investido para obter altíssimos lucros de bilheteria. De fato, o espetáculo de tecnologia e efeitos especiais impressiona e fascina o tolo e o observador crítico.
Descendo mais fundo ainda, a arrogância dos Estados Unidos, os efeitos da globalização e mesmo os erros do ocidente para com outros países, mormente os árabes, aparecem nos super-heróis. A reunião dos super-heróis corresponde mais ou menos à coalização de países ocidentais em luta contra o resto do mundo. Embora aliados, eles manifestam suas rusgas.
Quem representa os Estados Unidos não é o Capitão América, como poder-se-ia pensar à primeira vista. Ele é um herói que saiu da Segunda Guerra Mundial. Não passa de um soldado forte, com um escudo poderosíssimo, mas disciplinado, com aptidões para liderar e proteger os civis. Mas é só. O verdadeiro representante dos Estados Unidos é o Homem de Ferro. Ricaço, inteligente, cientista, charmoso com as mulheres, mas arrogante e debochado, ele pensa, comete acertos e erros. De vez em quando, é desastrado e cria inimigos. Já Thor representa o sobrenatural entre os Vingadores, com seu destruidor martelo. Mesmo fortíssimo, ele conta com a ajuda de um mentor. Hulk é uma versão atual de “O médico e o monstro”. Quando sóbrio, é um brilhante cientista. Quando alterado, é puro instinto. No entanto, mesmo na condição de monstro verde, ele distingue os bons dos maus, os inocentes dos vilões.
Já Gavião Arqueiro, Viúva Negra e os Gêmeos não passam de heróis menores, de países aliados aos quatro grandes, mas que podem servir como excelentes coadjuvantes e até resolver as trapalhadas do quarteto principal.
O perigo no mais recente filme dos Vingadores não vem do espaço nem de um inimigo externo como a União Soviética no tempo da Guerra Fria. Vem do Homem de Ferro, dos próprios Estados Unidos. Robert Downey Jr., convincente como Tony Stark no papel de playboy da ciência, mas inconvincente como Homem de Ferro, leva Mark Ruffalo, que faz o papel do Dr. Robert Bruce Banner e de Hulk, a criar Ultron, um androide indestrutível com inteligência artificial, para proteger a Terra e a humanidade. O tiro sai pela culatra, e Ultron se torna o arqui-inimigo da humanidade, desejando sua extinção pela evolução. O erro de Stark já estava definido na década de 1960, com a criação de Ultron por Stan Lee, que indefectivelmente aparece numa ponta dos filmes com os personagens idealizados por ele para a Marvel.
Numa leitura atual, poderíamos entender Ultron como o resultado da política externa dos Estados Unidos e da União Europeia para o Oriente Médio. Ultron poderia ser uma espécie de grupo extremista islâmico do Oriente Médio e da África? O próprio Barak Obama já reconheceu que os extremistas do Estado Islâmico cresceram por descuido dos Estados Unidos, que até inundaram a região com armas nas suas guerras.
A interpretação pode não ter pé nem cabeça, mas não é descabida. Nem interessa aos ingênuos admiradores dos Vingadores, da vaidade de cada um e dos seus desentendimentos. Afinal, eles são humanizados por seus dilemas, suas angústias e suas dúvidas, aproximando-se da maioria dos expectadores. Além do mais, com erros ou sem eles, no final os bons vencem os maus.
Publicado hoje na Folha Dois
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