Crítica de cinema — Rascunho de bom cinema

De olhos bem abertos

 

 

Entre abelhas

 

Mateusinho 3Entre abelhas — As abelhas estão sumindo das colmeias, e ninguém sabe para aonde vão. O que lhe acontece a Bruno, o personagem de Fábio Porchat em “Entre abelhas” é diferente: ele passa a não enxergar às pessoas, embora saiba que elas estão lá.

O paralelismo que tenta estabelecer o filme, para justificar o título, parte assim de uma associação imprecisa. Seria um problema menor, que poderia ser atribuído a um capricho dos roteiristas (o próprio Porchat e o diretor Ian SBF) em tentar ornamentar o filme com uma alegoria que lhe forneça sustento ‘artístico’. A questão é, justamente, que tirando a premissa básica da história (sujeito que não enxerga pessoas) todo o resto é enfeite argumental. A partir do instante em que o Bruno suspeita ter um problema, o roteiro se dedicará a mostrar, primeiro, algumas situações que confirmem a sua ‘doença’. Depois, virão as tentativas de entender o porquê isso lhe está acontecendo, ajudado pela mãe (Irene Ravache, a melhor artista do filme).  Entretanto, as limitações de Porchat e SBF aparecem logo, a partir do instante em que não conseguem fazer a história avançar, e assim, na tentativa de rechear o filme com minutos, criam uma subtrama que não chega a lugar nenhum — o amigo que se envolve com uma amante supostamente grávida dele.

O estilo tragicômico alterna situações de comédia (Luis Lobianco utilizado como ‘porquinho da India’ pela mãe de Bruno na tentativa de descobrir o problema do seu filho) com cenas dramáticas que revelam um Porchat pronto para descolar a etiqueta de humorista e se adentrar em outras categorias interpretativas. Infelizmente, a direção de Ian SBF não conseguiu maneirar em duas obsessões muito presentes nas realizações nacionais: as alusões sexuais e os palavrões. Os diretores brasileiros deveriam entender que não estão obrigados a colocar nas suas obras tudo aquilo que a Globo proíbe nas suas novelas.

O último ato do filme é resolvido de forma tão abrupta quanto uma festa com hora marcada para finalizar. O final, embora ‘aberto’ (outra moda contemporânea) fornece algumas pistas para que o espectador possa interpretar o que lhe aconteceu a Bruno, especialmente ao se reparar na música dos créditos finais. Mas o desfecho chega ao público antes que este possa criar alguma empatia com os envolvidos.

Porém, todos os defeitos no roteiro e na direção acima apontados se originam de uma nobre decisão, que é a de fazer um tipo de cinema diferente daquilo que hoje se realiza no Brasil. A despeito do sucesso e a popularidade de ‘Porta dos Fundos’, os autores assumiram o risco de se afastar daquele formato e daquele humor e apresentar uma comédia dramática, o que evidentemente traz conseqüências (por exemplo, com uma semana de exibição, uma parcela dos espectadores acharam que iam assistir um esquete prolongado de PdF, e saíram do cinema desapontados. Mas isto é problema do  espectador, não do filme).

Encarar uma história fantástica como a proposta em “Entre Abelhas” requer perícia na direção e no roteiro, dado que esse gênero está sempre desafiando os limites da lógica e da verossimilhança (um grande exemplo de filme fantástico bem realizado é “Feitiço do Tempo” de Harold Ramis, aquele onde o personagem de Bill Murray devia viver sempre um mesmo dia que se repetia eternamente). Enfrentar esse desafio, e ainda por cima evitar a tentação de trasladar automaticamente um sucesso para um outro formato, é uma decisão que merece ser aplaudida, embora a ousadia tenha alcançado apenas para fazer um filme aceitável. Tomara que “Entre Abelhas” seja o ensaio do grande filme fantástico brasileiro que ainda está a ser realizado.

 

Mateusinho viu

 

Publicado hoje na Folha Dois

 

Confira o trailer do filme:

 

 

 

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