Mad Max: estrada da fúria — Depois de três filmes da série “Mad Max” (1979, 1981, 1985), George Miller, aos 70 anos de idade, retorna dirigindo “Mad Max: estrada da fúria”. Sua volta às telas com o personagem que o projetou e a Mel Gibson lhe permitiu se valer de toda a tecnologia que a arte cinematográfica desenvolveu nos últimos 30 anos. O novo “Mad Max” foi filmado em 3D. Nele, as correrias, as perseguições, as lutas são tantas que, confesso, senti falta de um pouco de calma para refletir melhor. É preciso, por um momento, suspender a ação em 3D para pensar mais sobre o roteiro coescrito pelo próprio Miller.
Como os anteriores, “Mad Max” é uma distopia, ou seja, uma concepção pessimista de futuro. Distopia é o oposto de utopia, concepção otimista de futuro. As utopias foram muito frequentes na Europa dos séculos XVI e XVII, mas a tecnologia, que prometeu dias melhores à humanidade, está estimulando distopias, principalmente depois das duas bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos sobre o Japão em 1945, encerrando a Segunda Guerra Mundial. Vários são os motivos para a germinação de distopias, no mundo atual, e uma guerra nuclear não é tanto um deles. A superpopulação do planeta, as pandemias e a crise ambiental são campos mais férteis para elas.
“Mad Max” é uma distopia ambientada num futuro em que a humanidade, ou o que restou dela, vive em situação de extrema escassez de terras férteis, de água, de Estado, de governo, de leis e de tudo aquilo que nós ainda denominamos civilização. “Mad Max” é fruto da destruição da civilização pela civilização, que vem, de fato, provocando a esterilidade do solo e a escassez de água. A civilização ocidental globalizada fabrica desertos e esgota as águas. “Mad Max” pode advertir o Oriente Médio e a Rússia, onde os desertos se ampliam, ou o Sudeste Brasileiro, onde a água, outrora abundante, torna-se cada vez mais rara.
Em 1981, o escritor brasileiro Ignácio de Loyola Brandão publicou a distopia “Não verás país nenhum” sobre o Brasil do futuro. Na minha opinião, trata-se do melhor romance futurologista que conheço. E, neste terreno infértil, tenho lido quase tudo que sai no Brasil e no exterior. O romance de Brandão é mais detalhista que “Mad Max”. Na minha avaliação, ele só peca por mostrar que este futuro sombrio está restrito ao Brasil. Nos Estados Unidos, ele já teria se convertido em filme.
Embora distopia, “Mad Max” abriga uma utopia chamada Vale Verde. O herói solitário, sem querer, acaba se juntando a um grupo de mulheres liderado pela imperatriz que persegue este paraíso no meio do caos. Contudo, o herói convence as mulheres que o futuro promissor está no passado, no lugar de onde eles partiram. O filme é também um manifesto feminista que não convence muito num mundo dominado por homens rudes minimamente organizados em classes sociais constituídas por pessoas estropiadas, por guerreiros criados como formigas e por uma elite formada por figuras teratológicas e violentas, sob a égide de fanatismo religioso. Invocando as fábulas fabulosas de Millôr Fernandes, num mundo assim, não há lugar para os bons sentimentos. Todos são seres vivos lutando pela sobrevivência. No máximo, são reconhecidos mulher e homem como seres para os quais o sexo é uma necessidade básica. Mas não há cenas de sexo no filme.
Publicado hoje na Folha Dois
Confira o trailer do filme: