Poema do domingo — Os gritos

O despertar de um pesadelo na madrugada o imprime como tormenta pelo resto do dia, até que a poesia o exorcize em catarse. Nele, pareceram claramente impressas a memória de um filme, “Alien, o oitavo passageiro” (1979), do inglês Ridley Scott, e de um livro, “A metamorfose”, publicado a primeira vez em 1915, do tcheco Franz Kafka (1883/1924), que tanto marcaram uma adolescência curiosa de cinema e literatura. Depois, trocando ideia com um amigo, a lembrança ainda que inconsciente, mas como deve ser no terreno dos sonhos, ao quadro “O grito”, pintado em 1893 pelo expressionista norueguês Edvard Munch (1863/1944), pareceu também oportuna.

E assim, no meio de tantas leituras para tentar racionalizar o pavor de um pesadelo, ficou o poema:

 

“O grito”, óleo sobre tela de Edvard Munch (1893)
“O grito”, óleo sobre tela de Edvard Munch (1893)

 

 

os gritos

(p/ gregor samsa)

 

acharam dois gritos dentro do corpo

por apêndices sobre cada pulmão

se os cortassem, matariam o resto

do hospedeiro em científica ficção

 

os gritos tinham metástase em ecos

aprisionados na mão errada da boca

mudos de fora, foram cristalizados

como duas vidas internas da outra

 

a memória do cérebro foi apagada

ao vaticínio do último pensamento:

enquanto o corpo num grito sumia,

os gritos assumiam forma de corpo

 

atafona, 18/05/15

 

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