Poemas do domingo — Entre os segredos do mar e as nuvens do verso

Adriano Moura
Adriano Moura

Como externei na orelha do seu primeiro livro, “Liquidifca(dor) — Poesia para vita mina”, de 2007, pela Imprimatur, conheci o Adriano Moura nos FestCampos de Poesia realizados no Palácio da Cultura, ainda nos anos 1990. Antes mesmo de ler, lembro do impacto que foi ouvir os versos de “Os donos do poder”, meu primeiro poema dele, e perceber alguém da mesma idade, vivendo na mesma cidade, fazendo a mesma coisa, mas por caminhos que eu ainda sequer sabia existirem. Naquilo que Cazuza (1958/90) chamou de “inveja criativa” em relação a Renato Russo (1960/96), dois ícones da nossa geração, dividir tempo, espaço e lida com Adriano, fez crescer muito meu fazer poético, levado adiante a partir da leitura e do estudo que vi refletidos nos versos dele. Em Campos, talvez seja o mais destacado exemplo de poeta egresso do magistério em Letras, fenômeno contemporâneo que tem dominado a arte de versejar nas grandes capitais do Brasil.

Independente da origem, assumo não sem orgulho que, entre conterrâneos e contemporâneos, “ninguém outro poeta no mundo” me influenciou tanto — na referência de Manoel de Barros (1916/2014) a Vladímir Maiakóvski (1893/1930). E é força de gravidade ainda presente, engordada pela leitura prévia dos originais de “Todo poema merece um dedo de prosa”, novo livro de poesia que Adriano projeta lançar nos próximos meses, ainda neste ano da Graça de 2015. Aliado ao “lirismo profundamente amargo, mutilante e sem concessões” que a professora Analice Martins tão bem define no prefácio do primeiro livro, o segundo evidencia uma clara influência sintática de Manoel de Barros, como por outro lado revela o uso mais desavexado do humor, quase sempre cáustico e debochado, herdado da prosa de um autor também dramaturgo, e talvez dos poemas-piada de Oswald de Andrade (1890/1954), que tanto marcaram o Modernismo brasileiro.

Entre seus dois livros de poemas, Adriano deu-se a conhecer em prosa:

“Minha produção poética atual permanece bastante diversificada, assim como a que deu origem ao meu primeiro livro ‘Liquidifica(dor)’. Porém acredito que eu esteja amadurecendo e caminhando para uma poética de voz mais definida. Tenho me ocupado mais com o trabalho de elaboração de imagens poéticas e, em alguns poemas, optado por certo rigor formal. 

A poesia de autores como Manoel de Barros e do moçambicano José Craveirinha (1922/2003) me tem servido de escola no plano imagem, assim como os clássicos de sempre como Arthur Rimbaud (1854/91) e Fernando Pessoa (1888/1935). A influência é importante. Por meio dos grandes mestres do passado e do presente, atingimos nossa dicção poética pessoal e única.

Os poemas de meu novo livro ‘Todo verso merece um dedo de prosa’ ainda são poemas de um autor em formação. Talvez eu nunca tenha uma voz poética definitiva, já que me vejo sempre buscando  novas experimentações.

Minha inspiração, se é que isso existe, tem brotado mais de experimento do que de musas.

Mas o essencial mesmo para mim é o incômodo e o espanto com os fatos da vida, sejam os mais extraordinários ou cotidianos”.

Emblematicamente, no poema “Técnica”, do novo livro, o poeta verseja a confissão: “pra poesia não basta inspiração/ tem de saber olhar as coisas/ pela janela”. Através das muitas abertas pela obra desse irrequieto imagético das letras campistas, foram escolhidos dois poemas, um de cada livro, para ilustrar este domingo nascido tímido e ainda úmido de chuva, entre os segredos do mar e as nuvens do verso:

 

 

Atafona, agosto de 2015
Atafona, agosto de 2015 (foto de Aluysio Abreu Barbosa)

 

 

Com quantas conchas se faz um verso

 

Apanhar palavras no vento

É como ouvir os segredos do mar

Nas conchas do caramujos,

São notas perdidas no tempo

À espera de composição.

Cato palavras no vento

Que não me lança contra rochedos em dia de fúria

Mas segredos…

Não há como os do mar!

Então eu ouço os segredos de um,

Colho palavras do outro

E conto para o mundo:

Eis a minha infidelidade.

Queria aventurar-me a maiores turbulências

Mas sou poeta de horas vagas e concursos literários,

Subtraído pelos livros de ponto

E prestações de conta.

Deito a tranquilidade das brisas

E guio o leme dos meus versos.

Vez em quando cato uma concha das grandes

E fico sentido saudade do Ulisses que não fui.

O vento sabe da minha preferência pelo mar,

Por isso em dia de fúria

Varre todos os caramujos da minha margem.

 

 

Atafona, novembro de 2014
Atafona, novembro de 2014 (foto de Aluysio Abreu Barbosa)

 

 

Não meta linguagem

 

Hoje amanheci de poesia

mas não soube dizer,

esperei o verso cair do céu

mas ele quis continuar nuvem,

pensou que mais chuva inundaria meus rios

bueiros

buracos

beiras,

provocaria deslizamentos,

frases orações períodos inteiros

e viraria texto.

Entendo a condição de nuvem do verso:

metamorfose

pode ser planta bicho monstro gente: Deus.

Chuva: apenas gota água lama onda lágrima.

Mas enquanto durar a estiagem,

aprendo a pilotar aviões

e a navegar nuvens.

 

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Este post tem 12 comentários

  1. Artur Gomes

    Magnífico Aluysio, Adriano é um luxo nesta cidade de lixo. Um orgulho para nós campistas que o vimos crescer e tê-lo como conterrâneo.
    grande abraço. Artur Gomes

  2. Adriano Moura

    É um privilégio ser objeto de sua análise, leitura e publicação, devido ao grande poeta que você é e leitor sempre atento. Obrigado,Aluysio.

    Adriano

  3. Ocinei Trindade

    É bom ler poesia na cama ao despertar. Não tem problema não ser Ulisses quando se é e se tem Adriano, palavras e “Memórias de Adriano” aliados às palavras de Aloysio em impressões…

  4. Ocinei Trindade

    Aluysio em vez de Aloysio, perdão. Difícil lutar com teclas minúsculas em digitação quase às cegas…

  5. PC Moura

    Muito bom!!

  6. Savio M. Gomes

    Parabenizo e saúdo aos poetas e ofereço minha poesia menor. Desde 1967, todos os anos, escrevo uma crônica ou um poema sobre os ipês.

    IPÊ QUÂNTICO
    Sávio Roberto Moreira Gomes

    POEMA-IPÊ 2015
    (48º poema-ipê).
    01/09/2015
    – I –
    Esteja atento(a) aos ipês,
    Não importa a cor da florada
    Pois cada cor é a espera
    Do que o amor representa
    E na flor foi plasmada.

    (A cor que você vê
    lembra cor parecida
    Do tempo de criança,
    De pessoa querida,
    Que não lhe sai da lembrança).

    O ipê revela em cada florada
    A cor que vem da espera
    Do que ficou na amada
    Que de tanto amor
    Transformou-se em flor.
    Todo tempo ao mesmo tempo
    O ipê ensina
    Que mudou sua cor
    Mas você mantém na retina
    A cor anterior.
    O ipê colore a sua ilusão
    Imprime a cor-espera
    Do desejo no coração
    No tecido da flor se compondo
    E se abrindo em coro e canção.

    Todo ano, cada ipê
    Escreve outras histórias de amor
    Não passe sem o ver
    Muitas vezes há de florescer
    Mas um dia não mais para você.
    – II –

    E freme este poema
    Em bater asas borboletas
    Teima e treme como tempestade
    Buscando a palavra certa
    Num pôr-do-sol de fim de tarde.

    O poema é onda que brinca,
    Que vem, mas não quebra
    Se desfaz em carícia
    Na fina areia do mar
    Onde tudo aflora e não pode explicar.

    E torna-se o poema-ipê
    Novamente devedor
    De tudo que escrevo
    E do que ficou por escrever

    O poema é sempre imperfeito
    Pela angústia de não trazer à luz
    A inconsciência de sua criação
    Mas o que ainda não se sabe
    Só se intui pela emoção.
    Poemas-ipês são incompletos
    Quando tentam captar a imagem
    De uma flor se abrindo silenciosamente
    Mirando o nascente
    Dourando-se no poente.
    O que importa
    Se o poema perdeu o rumo,
    Desfez-se quanticamente
    E no delírio do ipê
    Voltou a ser semente?

  7. Aluysio

    Caro Artur,

    Sim, Adriano e sua obra, tanto qt vc e a sua, são um orgulho para todos nós, seus conterrâneos e contemporâneos.

    Abç e grato pela chance de ampliar a concordância!

    Aluysio

  8. Aluysio

    Das Mouras,

    Não dou ou empresto um privilégio que foi todo meu. Ao mais, meu camarada em armas, repito aqui o que disse lá na democracia irrefreável das redes sociais: “Dias desse, por motivo semelhante, lembrei do último juiz e primeiro profeta da antiga Israel: ‘Honrarei aqueles que me honram’ (1 Samuel 2:30)”.

    Abç fraterno!

    Aluysio

  9. Aluysio

    Caro Ocinei,

    Quando na terra dos Feácios, após a Guerra de Troia, em seu penoso regresso à ilha de Ítaca, disse o grego Odisseu, o “Ulisses” da tradução latina:

    “Todos os homens que vivem sobre o dorso da terra, os cantores
    sabem cultuar e os veneram, por verem que as Musas os prezam
    como a discípulos. Todos a casta dos bardos prezamos.”

    Odisseia (VIII, 479 – 481)

    Em outras palavras, nas suas próprias, Ulisses tb sentiu saudade do Adriano que não foi.

    Abç e grato pela chance do diálogo!

    Aluysio

  10. Aluysio

    Caro PC,

    Sim, Adriano é mt bom. Talvez o melhor entre nós, versejadores viventes nesta planície cortada pelo Paraíba do Sul.

    Abç e grato pela deixa ao complemento de opinião!

    Aluysio

  11. Aluysio

    Caro Savio M. Gomes,

    Responder à poesia com poesia, como as folhagens e florações umas às outras no ciclo da natureza, não pode ser coisa menor.

    Abç e grato pelos versos!

    Aluysio

  12. Savio M. Gomes

    Obrigado, Aluysio! É sempre um prazer, e jamais descuido de estar atento à poesia. Parabéns a você, ao Adriano, e a quantos produzem versos. Nestes nossos tempos difíceis, é melhor consumir bons poemas do que tomar remédios!

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