Impossível ler e escrever poesia em Campos sem conhecer o Artur Gomes. Entre todos nós, versejadores desta planície parida e fatiada pelo Paraíba do Sul, o “Gato Véio”, como o chama o também poeta Fernando Leite, é aquele que mais vive de e para a poesia, levando a sua, e a nossa a reboque, para todos os rincões do Brasil, figura carimbada de festivais e saraus do Norte ao Sul deste país continente. Particularmente, a parceria com Artur está impressa em brasa na carne da minha gênese enquanto poeta, pois foi ele o intérprete dos meus versos, num hoje distante FestCampos de Poesia de 1992, ano em que multidões saíram às ruas brasileiras para pedir impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, hoje senador da República investigado pela Lava-Jato e aliado político do governo Dilma Rousseff. Mudaram os tempos?
No anfiteatro do Parque Alberto Sampaio — acredite, aquele lugar já serviu de palco à poesia — acabei tirando primeiro e segundo lugares, respectivamente, com “Calvário” e “Caçula”, poemas que não guardo, por frutos de uma fase inicial com a qual rompi a ferro e, literalmente, fogo, na violência de todas as revoluções. Mas tenho até hoje a certeza de que o sucesso inesperado para um jovem de apenas 19 anos, concorrendo em meio a feras já consagradas da poesia goitacá, se deveu muito à capacidade dramática do Artur, que acabaria, na minha visão e na de muita gente, vítima de flagrante injustiça ao não levar o prêmio de melhor intérprete, numa provável atitude “politicamente correta” do júri.
Tempo depois, no verão de 2010, eu e Artur retomaríamos a parceria, quando o diretor de teatro e também poeta Antonio Roberto de Góes Cavalcanti, o Kapi (1955/2015), concebeu o espetáculo “Pontal”. Reunindo 17 poemas meus, dois dele, dois do Artur e um da Adriana Medeiros, que tinham Atafona como tema ou pano de fundo, Kapi os transformou com brilhantismo cênico em causos contados entre pescadores. A peça seria encenada no próprio Pontal, junto à boca da foz do Paraíba, na antiga casa de barco da família Aquino, onde o folclórico Neivaldo Paes Soares (1957/2015) morava e mantinha seu bar, levado pelo mar dois anos depois.
“Pontal”, no Pontal, acabou se revelando um sucesso inesperado de público, além de ter sido, provavelmente, o último grande momento de um lugar mágico, repleto de histórias de realismo fantástico para Gabriel García Márquez (1927/2014) nenhum botar defeito. Além de coautor, Artur foi fundamental à manutenção da peça, depois que um dos seus três atores iniciais resolveu abandoná-la no meio da temporada, sem maiores satisfações, num papel assumido bravamente, de última hora, por quem, mesmo Gato Véio, conferiu muito mais vigor à interpretação.
Pois hoje, daqui a pouco, no quintal da minha infância e adolescência, mais conhecido antes e depois como pracinha do Liceu, o Festival Doces Palavras (FDP!) será encerrado, em outra dessas estranhas coincidências, com a encenação de “Pontal”, às 21h, no palco “Bar Doce Bar” (no coreto menor da praça), seguido no mesmo local, às 22h, da apresentação “SagaraNAgens Fulinaímicas”, do Artur Gomes. Com a direção de Kapi assumida pelo ator Yve Carvalho, a peça traz no elenco, além dele, o Sidney Navarro e o Saullo de Oliveira. Por sua vez, o espetáculo de Artur é homônimo ao livro, 13º do autor, reunindo poemas por ele escritos nos últimos 20 anos, numa edição artesanal feita pelo jornalista e também poeta Winston Churchill Rangel, que terá apenas 10 exemplares vendidos no local.
Com a imagem da capa capturada pelo fotógrafo Dudu Linhares, batizada “Barqueiro do Paraíba”, o livro traz o prefácio do consagrado poeta Tanussi Cardoso, cuja própria obra poética já foi traduzida em castelhano, francês, italiano e russo. E é de Tanussi aquele que talvez seja a melhor definição da poesia do Artur:
“SagaraNAgens Fulinaímicas nos apresenta uma peça de tom quase operístico e, paradoxalmente, para um só personagem: o Amor. E o desenho poético dessa montagem pressupõe uma grande carga lírica, alegórica e, tantas vezes, dramática, ao retratar o som universal da Paixão, perseguindo a imagem ideal dos limites do desejo. Seus versos são movidos por esse sentimento dionisíaco, e por tudo que é excesso, por tudo que é muito, como na música de Caetano(…)
Dono de uma sonoridade vocabular repleta de aliterações e assonâncias, que remetem à intensa oralidade e à pulsão musical, refletindo no leitor o desejo de ler os poemas em voz alta, o poeta brinca com as palavras, cria neologismos, utiliza-se de colagens originais, e soma ao seu vasto arsenal de recursos, o uso das antíteses, dos paradoxos, das metonímias, das metáforas, dos pleonasmos e, principalmente, das hipérboles, através de poemas de impactante beleza. Esse jogo vocabular, que a tudo harmoniza, transforma a dinâmica do verso, dá agilidade, tensão e ritmo envolventes a uma poesia elétrica e eletrizante. Um bloco de tesão carnavalizante e tropical — atrás de Artur Gomes só não vai quem não o leu”.
É na vertigem desse ritmo egresso dos palcos, como já disse aqui da poesia de Castro Alves (1847/71), nosso maior romântico e baiano como Caetano, que convido você, leitor, a ir pessoalmente daqui a pouco, no FDP!. Como pequena prova do que será na pracinha do Liceu, segue abaixo o poema de Artur que mais me impactou, cujos versos volta e meia me pego repetindo na mente ou em voz alta, presentes tanto na peça “Pontal”, quanto no novo livro do poeta. Enquanto a primeira voltará ao palco com Yve, Sidney e Saullo em 31 de outubro, às 21h, no teatro do Sesi, Artur levará “SagaraNagens” para dar um passeio pela gaúcha Bento Gonçalves, durante o XXIII Congresso Brasileiro de Poesia, entre 5 e 10 de outubro, antes de voltar à planície goitacá, para ser apresentada no Sesc em 13 de novembro.
Ao fim e ao cabo, no eco de ambas ao trompete “todo blues” de Miles Davis (1926/91), as crianças serão sempre testemunhas: “Mallarmé passou por aqui”.
pontal.foto.grafia
Aqui,
redes em pânico pescam esqueletos no mar
esquadras — descobrimento espinhas de peixe convento
cabrálias esperas relento escamas secas no prato
e um cheiro podre no AR
caranguejos explodem mangues em pólvora
Ovo de Colombo quebrado
areia branca inferno livre
Rimbaud — África virgem
carne na cruz dos escombros
trapos balançam varais
telhados bóiam nas ondas
tijolos afundando náufragos
último suspiro da bomba na boca incerta da barra
esgoto fétido do mundo grafando lentes na marra
imagens daqui saqueadas Jerusalém pagã visitada
Atafona.Pontal.Grussaí
as crianças são testemunhas:
Jesus Cristo não passou por aqui
Miles Davis fisgou na agulha
Oscar no foco de palha
cobra de vidro sangue na fagulha
carne de peixe maracangalha
que mar eu bebo na telha
que a minha língua não tralha?
penúltima dose de pólvora
palmeira subindo a maralha
punhal trincheira na trilha
cortando o pano a navalha
fatal daqui Pernambuco
Atafona.Pontal.Grussaí
as crianças são testemunhas:
Mallarmé passou por aqui.
bebo teu fato em fogo
punhal na ova do bar
palhoças ao sol fevereiro
aluga-se teu brejo no mar
o preço nem Deus nem sabre
sementes de bagre no porto
a porca no sujo quintal
plástico de lixo nos mangues
que mar eu bebo afinal?
Maravilha Aluysio, todo esse momento é pura emoção. Pontal, Jardim do Liceu. FDP, e a reunião de poemas que vinha criando desde 1995, que não tinham ido para o papel em um livro. E um livro que só existe pela parceira com um outro grande amigo Winston Churchil Rangel, parceria que começa lá pelos idos de 1997. E um outro fato que não deixa de me tocar profundamente, é que há 30 anos passados,1985, que lancei o livro Suor & Cio, no Bar Doce Bar,com show da banda Avyadores do Brazyl.
Então meu caro irmão de letras, é muita história reunida em um só momento. Tenho certeza que se Pontal e SagaraNAgens Fulinaímicas, não foram programados para acontecerem no mesmo espaço, no mesmo dia, e nessa sequência, foi o grande acaso do destino, mesmo não acreditando em casos. E para completar, abro a performance com o poema Um Rio, do nosso querido e saudoso Antonio Roberto Góis Cavalcantri (Kapi). beijos no coração.
Um dos grandes poemas de meu caro Artur.
Artur,
Como poeta, de vc, Kapi e Prata Tavares, antes de irmão, eu sou discípulo. Parabéns pela inesquecível apresentação de ontem!
Bj fraterno, do coração do meu coração, como o príncipe da Dinamarca!
Aluysio
Das Mouras,
Assino embaixo, meu camarada em armas.
Abç e grato pela chance do endosso!
Aluysio
Artur é um avatar! Um orixá! Ave, axé! É uma aparição lá das bandas do Xexé. Traz no alforje os poetas clássicos e não os lê, devora-os, autofágico, pra depois, ruminar a poesia e moldá-la com o a argila da baixada da égua. Território de lobisomens, descoberto pelos argonautas Zé Cândido e Osório Peixoto.
Aluysio lhe faz justiça com perfil tecido em letras brilhantes e o traz para a vitrine, querido Gato Véio. Nem Paulo Cesar Pereio seduz a palavra como tu.
Ave!
Caro Fernando,
Como nas de Adriano, assino embaixo tb das suas palavras sobre Artur. E agradeço pela generosidade daquelas para comigo.
Abç e grato pela participação!
Aluysio