Artigo do domingo — A arte do encontro

A arte do encontro

 

 

Dos versos de “Samba da benção” a lugar comum na cultura brasileira, o poetinha Vinicius de Moraes lecionou: “A vida é a arte do encontro / Embora haja tanto desencontro pela vida”. Depois da abertura do “Ponto Final” da última terça (aqui), seguido pela reprodução da crônica do escritor capixaba Fabio Bottrel (aqui) e do artigo do advogado e blogueiro José Paes Neto (aqui) na quinta, além do artigo do vereador e pré-candidato a prefeito Rafael Diniz (aqui), bem como do misto de artigo e crônica do professor Sérgio Arruda de Moura (aqui), na sua coluna semanal “Paralaxe”, ambos publicados na sexta, as páginas da Folha desta semana reverberaram as ondas deixadas no leito da cultura goitacá pelo impacto do Festival Doces Palavras (FDP!), realizado na praça do Liceu e seu entorno entre a quarta-feira (23) e o domingo (27) da semana anterior.

Depois desses textos, todos reproduzidos no blog “Opiniões”, pouco ou nada resta a dizer do que foi o festival. Talvez só pudesse acrescê-los das sensações pessoais, colhidas, sobretudo, no último dia do evento. Nele, ao cruzar com o professor Luiz Antonio Cosmelli, o “Altura”, que lançava seu livro de poemas “Gaiolas e luas”, no espaço Antonio Roberto Cavalcanti, o Kapi (1955/2015), além do poeta Artur Gomes, a quem coube fechar com chave de ouro o FDP!, na apresentação do espetáculo “SagaraNAgens Fulinaímicas”, título também do seu último livro de poemas, inevitável a lembrança de um outro festival 23 anos antes.

Em 1992, no FestCampos de Poesia Falada, realizado no anfiteatro do Parque Alberto Sampaio — acredite, leitor, aquele espaço já serviu de palco à poesia —, foi Artur quem defendeu dois poemas meus, cujas interpretações acabariam dando o primeiro e segundo lugares a um autor estreante de apenas 19 anos, que tinha como concorrente mais forte (e generoso) justamente Altura, poeta então já consagrado, que ficaria com o terceiro lugar, na decisão de um júri integrado por Kapi. Ainda nos festivais de poesia daqueles anos 1990, depois de transferidos ao hoje interditado Palácio da Cultura, conheceria também o professor e escritor Adriano Moura, cujos versos tanto me influenciariam, presente e exultante por igual motivo em meio à efervescência contagiosa daquele último dia de FDP!

Tão gratificante quanto reencontrar velhos camaradas em armas, foi testemunhar algo do que fizemos de certa maneira justificado por quem veio depois. No projeto “Domingo Livre”, as apresentações em sequência das jovens bandas Dedo da Macaca, Jewish Madiolo e da Equalizando Live Band, do irrequieto rapper Dizzy, todos apresentando trabalhos autorais, numa sábia exigência da organização do evento, fizeram ecoar aos ouvidos mais veteranos os versos do poeta estadunidense Walt Whitman (1819/92), pai de tudo aquilo que depois se chamaria Modernismo:

 

“Poetas de amanhã: arautos, músicos, 
cantores de amanhã! 
Não é dia de eu me justificar 
E dizer ao que vim; 
Mas vocês, de uma nova geração, 
Atlética, telúrica, nativa, 
Maior que qualquer outra conhecida antes 
— levantem-se: pois têm de me justificar!

Eu mesmo faço apenas escrever 
Uma ou duas palavras 
Indicando o futuro; 
Faço tocar a roda para frente 
Apenas um momento 
E volto para a sombra 
Correndo

Eu sou um homem que, vagando 
A esmo, sem de todo parar, 
Casualmente passa a vista por vocês 
E logo desvia o rosto, 
Deixando assim por conta de vocês 
Conceituá-lo e aprová-lo, 
A esperar de vocês
As coisas mais importantes.”

 

Louvável o trabalho que os presidentes da Companhia de Desenvolvimento do Município de Campos (Codemca), da Academia Campista de Letras (ACL), e da Associação de Imprensa Campista (AIC) tiveram para gestar e parir o evento, no sadio conjunto entre poder público e sociedade civil organizada, representada em seus três respectivos presidentes: os professores Wainer Teixeira, Hélio Coelho e Vitor Menezes. Sobretudo este, idealizador primevo do FDP!, passa a ser depois dele um credor legítimo da cultura de Campos, saldo ao qual me curvo e reverencio.

Mas seria bom que o exemplo do FDP!, tão exitoso, excedesse a cultura Stricto Sensu para alcançar o Lacto Sensu de uma cultura da tribo goitacá, em todos os seus setores. Achássemos aquilo que nos une, mais do que nos separa, as graves crises que se abatem sobre o município e o próprio país teriam sua transposição facilitada.

Nos cinco dias do FDP! provamos ser possível. Fora da “arte do encontro”, não há alternativa aos demais 360 dias do ano.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã

 

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Este post tem um comentário

  1. ninobellieny

    MuitoBom!

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