Poema do domingo — E amanhã tem que acordar cedo pra trabaiá

Era um domingo frio de vento assobiado, virado sudoeste desde o sábado anterior. Ao sopro do novo horário de uma hora mais cedo, acordara pouco após a aurora e, a contragosto, a deixara no plantão de final de semana. E pensou em si, na idade dela, de quando morava sozinho em Atafona, enquanto aprendia a ler os ventos e escrevia versos:

 

 

(Foto de Tércio Teixeira - Folha da Manhã)
(Foto de Tércio Teixeira – Folha da Manhã)

 

 

tempo

 

ver Deus olhando nuvens

do pôr do sol da praia

sopro do vento nordeste

virando terral

virando o mar

virando outro cheiro

virando o tempo

mas tempo é tempo

é nada mais

é só tempo

tempo da morte

tempo da vida

crediário duma

prestação doutra

território do ponteiro

demarcado por mijo monótono

comum lugar do tic

perseguido por tac

e amanhã tem que acordar cedo

pra trabaiá

 

atafona, 08/12/95

 

fb-share-icon0
Tweet 20
Pin Share20

Este post tem 3 comentários

  1. ocineii trindade

    Tempo é tempo…poesia de tempos em tempos…

  2. Aluysio

    Para qualquer tempo, amigo Ocinei, a poesia de Caetano:

    Oração ao tempo

    És um senhor tão bonito

    Quanto a cara do meu filho

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    Vou te fazer um pedido

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    Compositor de destinos

    Tambor de todos os ritmos

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    Entro num acordo contigo

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    Por seres tão inventivo

    E pareceres contínuo

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    És um dos deuses mais lindos

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    Que sejas ainda mais vivo

    No som do meu estribilho

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    Ouve bem o que te digo

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    Peço-te o prazer legítimo

    E o movimento preciso

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    Quando o tempo for propício

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    De modo que o meu espírito

    Ganhe um brilho definido

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    E eu espalhe benefícios

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    O que usaremos pra isso

    Fica guardado em sigilo

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    Apenas contigo e migo

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    E quando eu tiver saído

    Para fora do teu círculo

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    Não serei nem terás sido

    Tempo, Tempo, Tempo, Tempo

    Ainda assim acredito

    Ser possível reunirmo-nos

    Tempo, Tempo, Tempo, Tempo

    Num outro nível de vínculo

    Tempo, Tempo, Tempo, Tempo

    Portanto peço-te aquilo

    E te ofereço elogios

    Tempo Tempo Tempo Tempo

    Nas rimas do meu estilo

    Tempo Tempo Tempo Tempo

  3. Deneval Filho

    Muito interessante este teu diálogo com o grande poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade, cujos poemas tinham , em sua maioria, o tempo como grande mote. Teu poema, Aluysio, traz uma certa melancolia pós-moderna, eu diria uma ruína romântica, muito bem estruturado para nos fazer sentir a atualidade atemporal dos versos, tornando todo canto uma ode universal a todos os tempos para fora do relógio, da felicidade à angústia, da ida ao eterno retorno platônico, para nos agitar na caosmose. Bravo!

Deixe um comentário