Ponto Final — Do “câncer” ao “azedume”, à livre ação dos ladrões em Campos

Ponto final

 

 

“Câncer” e “azedume”

Repercutido no mesmo dia pelos blogueiros Ralfe Reis (aqui) e Alexandre Bastos (aqui), o secretário de Governo da prefeita Rosinha Garotinho (PR), seu marido Anthony Garotinho (PR), reagiu ontem às declarações de Geraldo Pudim (PMDB), deputado estadual e pré-candidato à sucessão de Rosinha, dadas em entrevista publicada (aqui) na Folha do último domingo. Sempre usando a rádio do seu grupo de comunicação, ao responder à afirmação “o governo Rosinha está infestado de células cancerígenas em plena metástase”, feita por Pudim na entrevista, Garotinho tentou ironizar seu ex-aliado de 30 anos: “Esse aí azedou”.

 

Por trás das palavras

Em relação ao que os dois blogs noticiaram, um reparo apenas à postagem de Ralfe, melhor blogueiro de Campos entre aqueles alinhados ao governo municipal: como deixa claro o trecho da entrevista transcrito na nota acima, as referências “cancerígenas” e “metástase” foram claramente endereçadas por Pudim ao conjunto do governo Rosinha, não particularmente ao secretário de Governo. Isto posto, a ressalva mais importante, no entanto, deveria ser feita não às palavras que Pudim escolheu ou a quem as destinou, mas àquilo que existe de verdade por trás delas.

 

O que interessa

Nesse sentido, antes mesmo que Ralfe e Bastos se manifestassem ontem, a observação mais pertinente coube (aqui) dois dias antes a outro blogueiro de credibilidade: Ricardo André Vasconcelos. Sobre o trecho já destacado na primeira nota deste “Ponto Final”, contendo as contundentes críticas de Pudim ao governo Rosinha, Ricardo André provocou no próprio domingo em que a entrevista foi publicada: “Durante a campanha (se for mesmo candidato), Pudim terá chances de ser mais específico quanto às ‘células cancerígenas’ que ‘infestam o governo Rosinha’”.

 

Cura “oncológica” de Campos

No eco de Ricardo a Pudim, outro a cobrar mais precisão nesse diagnóstico “oncológico” foi o vereador e também pré-candidato a prefeito Rafael Diniz (PPS). Em matéria publicada (aqui) ontem na Folha, ele disse: “Penso que Pudim falou pouco do que ele realmente tem condições de falar, como por exemplo mostrar onde estão e quem são as células cancerígenas”. Se realmente existe, saber qual a causa (e a dimensão real das consequências) desse “câncer” na administração pública de Campos, é a melhor maneira para tentar extirpá-lo e evitar que nasça de novo, por quem for assumir o corpo doente do município a partir de 1º de janeiro de 2017.

 

Ladrões ignoram PM

Tema de matéria do jornalista Marcus Pinheiro na Folha (aqui) do último dia 24, a livre ação de assaltantes sobre o público universitário, notadamente mulheres, no entorno da Faculdade de Direito de Campos (FDC), continua acontecendo quase diariamente, sobretudo nos horários de entrada e saída dos estudantes. Como já observou o presidente do Diretório de Estudantes de Campos (DCE), Roger Azevedo, esses assaltos são reflexo da ineficácia do policiamento ostensivo no corredor de segurança mantido pelo 8º Batalhão de Polícia Militar (BPM) na área. Prova da total falta de temor dos bandidos pela polícia é que a FDC fica na mesma rua Tenente Coronel Cardoso (antiga Formosa) do 8º BPM, a apenas dois quarteirões de distância, em pleno Centro de Campos.

 

Publicado hoje na coluna “Ponto Final”, da Folha da Manhã

 

Chico Alencar: “Os que se calam vão se encaminhando para a vala comum do lamaçal”

Petista arrependido de primeira hora, saindo do partido logo assim que veio a furo o escândalo do “Mensalão”, em 2005, o desde então reeleito deputado federal Chico de Alencar (Psol) é figura das mais respeitadas no Congresso Nacional, tanto pelos colegas, mesmo a maioria que não goza do mesmo prestígio, quanto pelos eleitores, independente do matiz ideológico. Também historiador conceituado no meio acadêmico, foi mesclando seus conhecimentos nesta área com os do político, que ele uniu duas figuras marcantes da nossa história recente, não por coincidência em campos ideológicos diversos: o ex-presidente Jânio Quadros (1917/92) e o ex-governador Leonel de Moura Brizola (1922/2004).

Na união da “vassourinha” com que Jânio chegou um dia à presidência, ao “mar de cumplicidades” sobre o qual Brizola sempre alertava, Chico teceu um interessante artigo, publicado hoje, aqui, no Blog do Noblat. Nele, as cobranças devidas àqueles que “preferem o silêncio quando seus aliados são flagrados”, independente de serem contra ou a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) — processo que, como o blogueiro Christiano Abreu Barbosa bem ressaltou aqui, já se perpetrou de maneira velada. No final, o alerta de um raro homem de bem no cenário político nacional: “Os que calam vão se encaminhando para a vala comum do lamaçal onde chafurdam quem não têm a mínima grandeza para ocupar as funções para as quais foram investidos”.

Confira abaixo a íntegra do artigo de Chico Alencar, seguido de um vídeo do pronunciamento recente do autor sobre o mesmo tema, na Câmara Federal, diante à eloquente mudez do presidente daquela Casa:

 

 

Os “políticos antigos” Jânio Quadros e Leonel Brizola
Os “políticos antigos” Jânio Quadros e Leonel Brizola

 

 

Chico Alencar, deputado federal e historiador
Chico Alencar, deputado federal e historiador

O dever de falar

Por Chico Alencar

 

Certa vez, lá se vão três décadas, Jânio Quadros foi indagado sobre como ele, um homem que se dizia sem grandes posses, fazia campanha à prefeitura de SP (que acabou conquistando, em 1985, ao derrotar FHC de forma surpreendente) com tanto dinheiro. Jânio respondeu com sagacidade:

— Por favor, alguém me cede um cigarro? — começou. Choveram maços sobre sua mesa.

— Também estou sem isqueiro… — continuou o ex-presidente, apalpando os bolsos do paletó. Várias pequenas chamas iluminaram seu rosto, completando a senha para sua resposta, com o inconfundível sotaque e seu dom de iludir:

— Está explicado como consigo tantos recursos, não?

Na outra ponta do espectro político, Leonel Brizola costumava dizer, quando indagado sobre como teria fundos para tantos projetos, como os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), que queria construir no Rio de Janeiro, “que os recursos estão na cabeça do bom administrador”.

Verdade ou não, esses e outros políticos ‘antigos’ sempre respondiam ao que lhes era indagado. Não fugiam da liça, bem ao contrário de Paulo Maluf, que ainda está em cena, e de várias ditas ‘lideranças’ políticas atuais. Investigações da Lava Jato? Assunto incômodo. Contas na Suíça? Deixa isso para lá.

O pior: quase todos os parlamentares, da quase totalidade dos partidos, também não se dispõem a ‘incomodar’ Suas Excelências, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. No caso de Eduardo Cunha, acusado de ser beneficiário de contas no exterior, a ‘proteção’ é edificada por razões baixas: uns se calam por considerá-lo útil ao processo de impeachment de Dilma; outros, para não melindrá-lo, evitando que, assim, ele acelere o impeachment.  É também patético que não ocorra a quase ninguém que seria estranho, à luz da moralidade pública, ter um processo de cassação por supostos mal feitos coordenado por alguém que é investigado pelos Ministérios Públicos da Suíça e do Brasil por mal feitos similares aos que atingiriam o Executivo.

Diante desse “mar de cumplicidades”, expressão usada recorrentemente por Brizola, só mesmo a vassourinha de Jânio — operadas para valer, pelas mãos da indignação cidadã. Para varrer todos os que, na vida pública, preferem o silêncio quando seus aliados são flagrados.

A vida pública não comporta esse nível de degradação. Os que calam vão se encaminhando para a vala comum do lamaçal onde chafurdam quem não têm a mínima grandeza para ocupar as funções para as quais foram investidos. Logo serão cobrados pela omissão cúmplice.

 

 

 

 

 

Ponto Final — Repercussões da entrevista de Geraldo Pudim

Ponto final

 

 

Entrevista de Pudim

Repercutida em blogs e redes sociais locais tão logo saiu publicada (aqui) no início da manhã do último domingo, a entrevista com Geraldo Pudim (PMDB), deputado estadual e pré-candidato a prefeito de Campos, provocou várias reações. Algumas delas, no meio político, você, leitor, pode buscar na matéria (aqui) que dá a manchete da página anterior desta edição da Folha.

 

Repercussão desfavorável

Para além dos políticos, entre aqueles que os elegem, as reações pareceram majoritariamente desfavoráveis ao ex-aliado que atacou com veemência não só o casal Garotinho e suas práticas, como também a Wladimir, filho da prefeita e seu secretário de Governo. No blog “Opiniões”, hospedado na Folha Online, e primeiro a reproduzir a íntegra da entrevista, 24 comentários tinham sido feitos (aqui) à postagem até o fechamento desta edição. E entre eles, apenas um foi favorável ao entrevistado.

 

Só após 30 anos?

Em sua maioria, a reação geral parece ter sido melhor resumida no comentário feito no blog pela leitora Marcia (aqui): “Alguém que leva 30 anos para descobrir que a liderança que seguia cegamente está errada, que leva 30 anos para perceber que a forma de fazer política do grupo a que pertence não vai ao encontro dos interesses públicos, etc, merece a confiança do eleitor? É subestimar em demasia a inteligência alheia”.

 

Pudim x Pudim

Por outro lado, houve quem, como o advogado, publicitário e crítico de cinema Gustavo Oviedo, utilizasse a democracia irrefreável das redes sociais (aqui) para simplesmente contrastar o dito na entrevista, no dia da sua publicação, com as palavras do entrevistado em passado bem recente. Em 7 de julho de 2014, escrevia Pudim e lembrou Oviedo: “Sou feliz por ter caminhado ao lado de Garotinho até aqui e mais feliz ainda por saber que ainda caminharei nos desafios que se colocarem à nossa frente na incansável luta pelos direitos do povo”.

 

Publicado hoje na coluna “Ponto Final”, da Folha da Manhã

 

Sérgio Moro: “Um povo inteiro que paga propina é um povo sem dignidade”

O texto é grande e Sérgio Moro não aparenta ter, como prosista, o mesmo talento que demonstra na magistratura, à frente da Lava-Jato. Mas vale muito a pena ler até o fim esse relato de um credor da República, a quem reputo entre os maiores brasileiros do meu tempo de vida, sobretudo para não cedermos aos panos quentes da canalha que ecoa “o Brasil é assim mesmo”, desperdiçando uma oportunidade histórica para superar dogmatismos ideológicos insustentáveis, à esquerda e à direita, e nos passar a limpo enquanto país. Do contrário, fica a advertência final: “O tempo está passando e o momento, em parte, está sendo perdido”.

Confira o texto, publicado hoje, aqui, no Blog do Noblat, seguido de um vídeo do que um juiz pode inspirar numa nação:

 

 

Protesto - Moro

 

 

Sérgio Moro, juiz federal
Sérgio Moro, juiz federal

Caminhos para reduzir a corrupção

Por Sérgio Fernando Moro

 

A corrupção faz parte da condição humana. Isso não é um álibi, mas uma constatação. Sempre haverá quem, independentemente das circunstâncias, ceda à tentação do crime.

Outro fenômeno é a corrupção sistêmica, na qual o pagamento de propina torna-se regra nas transações entre o público e o privado. Isso não significa que todos são corruptos ou que todas as interações entre agentes privados e públicos envolvam sempre propina.

Mas, na corrupção sistêmica, o pagamento da propina, embora não um imperativo absoluto, torna-se um compromisso endêmico, a regra do jogo, uma obrigação consentida entre os participantes, normalmente refletida no pagamento de percentuais fixos de comissões sobre contratos públicos.

A economia perde eficiência. Além dos custos óbvios da propina, normalmente inseridos nos contratos públicos, perde-se a racionalidade na gestão pública, pois a apropriação dos valores passa a guiar as decisões do administrador público, não mais tendo apenas por objetivo a ótima alocação dos recursos públicos.

Talvez seja ela a real motivação para investimentos públicos que parecem fazer pouco sentido à luz da racionalidade econômica ou para a extraordinária elevação do tempo e dos custos necessários para ultimação de qualquer obra pública.

Mais do que isso, gera a progressiva perda de confiança da população no estado do direito, na aplicação geral e imparcial da lei e na própria democracia. A ideia básica da democracia em um estado de direito é a de que todos são iguais e livres perante a lei e que, como consequência, as regras legais serão aplicadas a todos, governantes e governados, independentemente de renda ou estrato social.

Se as regras não valem para todos, se há aqueles acima das regras ou aqueles que podem trapacear para obter vantagens no domínio econômico ou político, mina-se a crença de que vivemos em um governo de leis e não de homens. O desprezo disseminado à lei é ainda um convite à desobediência, pois, se parte não segue as regras e obtém vantagens, não há motivação para os demais segui-las.

Pior de tudo, a corrupção sistêmica impacta o sentimento de autoestima de um povo. Um povo inteiro que paga propina é um povo sem dignidade.

Pode-se perquirir quando o problema começou, mas a questão mais relevante é indagar como sair desse quadro.

Há uma tendência de responsabilização exclusiva do poder público, como se a corrupção envolvesse apenas quem recebe e não quem paga. A iniciativa privada tem um papel relevante no combate à corrupção. Cite-se o empresário italiano Libero Grassi. Em ato heroico, no começo da década de 90 na Sicília, denunciou publicamente a extorsão mafiosa, recusando-se a pagar propina.

Ficou isolado e pagou com a vida, mas seu exemplo fez florescer associações como o Addiopizzo, que reúne atualmente centenas de empresários palermitanos que se recusam a ceder à extorsão. Não se pretende que empresários daqui paguem tão alto preço para tornarem-se exemplos, mas, por vezes, poderão se surpreender como a negativa e a comunicação às autoridades de prevenção, que podem mostrar-se eficazes.

Mas o poder público tem igualmente um papel relevante. As regras de prevenção e repressão à corrupção já existem. É preciso vontade para torná-las efetivas. Se a Justiça criminal tratasse a corrupção com um terço da severidade com que lida com o tráfico de drogas, já haveria uma grande diferença.

Em parte, a inefetividade geral da lei contra a corrupção e contra figuras poderosas é um problema de interpretação e não de falta de regras. O exemplo do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal 470 deve ser um farol a ser considerado por todos os juízes.

Dizer que as regras existem não significa que não é preciso melhorá-las.

O que mais assusta, em um quadro de naturalização da propina, é a inércia de iniciativas para a alteração das regras legais que geram as brechas para a impunidade. O processo penal deve servir para absolver o inocente, mas também para condenar o culpado e, quando isso ocorrer, para efetivamente puni-lo, independentemente do quanto seja poderoso.

Não é o que ocorre, em regra, nos processos judiciais brasileiros. Reclama-se, é certo, de um excesso de punição diante de uma população carcerária significativa, mas os números não devem iludir, pois não estão lá os criminosos poderosos.

Para estes, o sistema de Justiça criminal é extremamente ineficiente. A investigação é difícil, é certo, para estes crimes, mas o mais grave são os labirintos arcanos de um processo judicial que, a pretexto de neutralidade, gera morosidade, prescrição e impunidade.

Um processo sem fim não garante Justiça. Modestamente, a Associação dos Juízes Federais do Brasil apresentou sugestão ao Congresso Nacional, o projeto de lei do Senado 402/2015, que visa eliminar uma dessas grandes brechas, propiciando que, após uma condenação criminal, em segunda instância, por um Tribunal de Apelação, possa operar de pronto a prisão para crimes graves e independentemente de novos recursos.

Críticos do projeto apressaram-se em afirmar que ele viola a presunção de inocência, que exigiria o julgamento do último recurso, ainda que infinito ou protelatório. Realisticamente, porém, a presunção de inocência exige que a culpa seja provada acima de qualquer dúvida razoável, e o projeto em nada altera esse quadro.

Não exige, como exemplificam os Estados Unidos e a França, países nos quais a prisão se opera como regra a partir de um primeiro julgamento e que constituem os berços históricos da presunção de inocência recursos infinitos ou processos sem fim. O projeto não retira poderes dos Tribunais Superiores que, diante de recursos plausíveis, ainda poderão suspender a condenação. Os únicos prejudicados são os poderes da inércia, da omissão e da impunidade.

Mas há alternativas. Em sentido similar, existe a proposta de emenda constitucional 15/2011, originária de sugestão do ministro Cezar Peluso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. O Ministério Público Federal apresentou dez propostas contra a corrupção que deveriam ser avaliadas pelo governo e pelo Congresso, assim como os projetos citados, com a seriedade que a hora requer.

O fato é que a corrupção sistêmica não vai ceder facilmente. Deve ser encarada da forma apropriada, não como um fato da natureza, mas como um mal a ser combatido por todos.

Os tempos atuais oferecem uma oportunidade de mudança, o que exige a adoção, pela iniciativa privada e pela sociedade civil organizada, de uma posição de repúdio à propina, e, pelo Poder Público, de iniciativas concretas e reais, algum ativismo é bem-vindo, para a reforma e o fortalecimento de nossas instituições contra a corrupção.

Milhões já foram às ruas protestar contra a corrupção, mas não surgiram respostas institucionais relevantes. O tempo está passando e o momento, em parte, está sendo perdido.

 

 

 

 

Do que nos acode nos finais de tarde

Há pouco tempo à frente da editoria de esportes da Folha, Aldir Sales Gomes tem se destacado, mesmo aos 22 anos, por ser um jornalista completo, cuja sensibilidade se reflete não apenas em seus textos, mas nas imagens capaz de capturar também com uma máquina fotográfica. Na junção sensibilíssima dessas duas artes, ele publicou texto e foto aqui, no coletivo fotográfico Registro Urbano Autoral (R.U.A), organizado por cinco fotógrafos, incluindo o Tércio Teixeira, profissional com experiência no Rio e São Paulo, recentemente contratado pela Folha. Curioso que, mesmo trazendo no nome sua urbanidade, o coletivo tenha abrigado os registros de uma vida rural que vai deixando de existir, submersa pelo asfalto.

Quem quiser conferir mais da arte do jovem jornalista como fotógrafo, que desceu o pé da Serra do Mar, em Conceição de Macabu, para desaguar na planície goitacá, pode fazê-lo aqui, no fotolog “Aldirzices”. Abaixo, sem destoar da letra de Vinicius de Moraes e Chico Buarque para a música de Garoto, seu registro na voz Maria Bethania e o matrimônio das imagens de Aldir:

 

 

Gente humilde - Aldir Sales

 

 

“Tem certos dias em que penso em minha gente. E sinto assim todo meu peito se apertar”.

O trecho da música “Gente Humilde”, de Chico Buarque, praticamente diz tudo sobre essa foto. Quando se é de uma cidade pequena, algumas coisas muito simples tocam o coração. Fazia tempo que eu não tinha a oportunidade de visitar a família. Acabei sendo engolido por essas coisas de cidade grande. Chamam de correria ou rotina. Mas, dessa vez, consegui. Era a oportunidade de fazer novamente a viagem que fiz diariamente por cinco anos da minha vida.

Cada lugarzinho, cada pessoa que passa pela janela do ônibus se torna especial. Como é bela a imagem do sol se pondo sob a silhueta das montanhas. Ela está lá todos os dias, mas estava com saudades.Cada crepúsculo é como se fosse a lembrança do fim, pois ele nunca mais se repetirá, assim como todos os momentos deixados para trás.

Uma parada. Na BR-101, em Serrinha. Enquanto os passageiros embarcam, a senhora maternalmente cuida da criança, provavelmente seu neto. A distração do final de tarde é sentar em uma raiz improvisada de banquinho à margem da rodovia, vendo o ir e vir desenfreado e apressado das pessoas, enquanto eles têm o privilégio de sentir o vento no rosto. Enquanto o sol cai e leva consigo o calor de uma tarde de verão. Naquele momento, meu peito se apertou. E continua se apertando. É saudade de quando eu era esse garoto.

Hoje, a casinha não existe mais, o asfalto vai passar por cima. A árvore virou lenha, a pressa do ser humano a derrubou. Mas sempre existe um outro banquinho para se prosear. Pois as lembranças não morrem. Elas são como a senhora, nos acudem em todos os nossos finais de tarde.

 

 

 

 

Artigo do domingo — A arte do encontro

A arte do encontro

 

 

Dos versos de “Samba da benção” a lugar comum na cultura brasileira, o poetinha Vinicius de Moraes lecionou: “A vida é a arte do encontro / Embora haja tanto desencontro pela vida”. Depois da abertura do “Ponto Final” da última terça (aqui), seguido pela reprodução da crônica do escritor capixaba Fabio Bottrel (aqui) e do artigo do advogado e blogueiro José Paes Neto (aqui) na quinta, além do artigo do vereador e pré-candidato a prefeito Rafael Diniz (aqui), bem como do misto de artigo e crônica do professor Sérgio Arruda de Moura (aqui), na sua coluna semanal “Paralaxe”, ambos publicados na sexta, as páginas da Folha desta semana reverberaram as ondas deixadas no leito da cultura goitacá pelo impacto do Festival Doces Palavras (FDP!), realizado na praça do Liceu e seu entorno entre a quarta-feira (23) e o domingo (27) da semana anterior.

Depois desses textos, todos reproduzidos no blog “Opiniões”, pouco ou nada resta a dizer do que foi o festival. Talvez só pudesse acrescê-los das sensações pessoais, colhidas, sobretudo, no último dia do evento. Nele, ao cruzar com o professor Luiz Antonio Cosmelli, o “Altura”, que lançava seu livro de poemas “Gaiolas e luas”, no espaço Antonio Roberto Cavalcanti, o Kapi (1955/2015), além do poeta Artur Gomes, a quem coube fechar com chave de ouro o FDP!, na apresentação do espetáculo “SagaraNAgens Fulinaímicas”, título também do seu último livro de poemas, inevitável a lembrança de um outro festival 23 anos antes.

Em 1992, no FestCampos de Poesia Falada, realizado no anfiteatro do Parque Alberto Sampaio — acredite, leitor, aquele espaço já serviu de palco à poesia —, foi Artur quem defendeu dois poemas meus, cujas interpretações acabariam dando o primeiro e segundo lugares a um autor estreante de apenas 19 anos, que tinha como concorrente mais forte (e generoso) justamente Altura, poeta então já consagrado, que ficaria com o terceiro lugar, na decisão de um júri integrado por Kapi. Ainda nos festivais de poesia daqueles anos 1990, depois de transferidos ao hoje interditado Palácio da Cultura, conheceria também o professor e escritor Adriano Moura, cujos versos tanto me influenciariam, presente e exultante por igual motivo em meio à efervescência contagiosa daquele último dia de FDP!

Tão gratificante quanto reencontrar velhos camaradas em armas, foi testemunhar algo do que fizemos de certa maneira justificado por quem veio depois. No projeto “Domingo Livre”, as apresentações em sequência das jovens bandas Dedo da Macaca, Jewish Madiolo e da Equalizando Live Band, do irrequieto rapper Dizzy, todos apresentando trabalhos autorais, numa sábia exigência da organização do evento, fizeram ecoar aos ouvidos mais veteranos os versos do poeta estadunidense Walt Whitman (1819/92), pai de tudo aquilo que depois se chamaria Modernismo:

 

“Poetas de amanhã: arautos, músicos, 
cantores de amanhã! 
Não é dia de eu me justificar 
E dizer ao que vim; 
Mas vocês, de uma nova geração, 
Atlética, telúrica, nativa, 
Maior que qualquer outra conhecida antes 
— levantem-se: pois têm de me justificar!

Eu mesmo faço apenas escrever 
Uma ou duas palavras 
Indicando o futuro; 
Faço tocar a roda para frente 
Apenas um momento 
E volto para a sombra 
Correndo

Eu sou um homem que, vagando 
A esmo, sem de todo parar, 
Casualmente passa a vista por vocês 
E logo desvia o rosto, 
Deixando assim por conta de vocês 
Conceituá-lo e aprová-lo, 
A esperar de vocês
As coisas mais importantes.”

 

Louvável o trabalho que os presidentes da Companhia de Desenvolvimento do Município de Campos (Codemca), da Academia Campista de Letras (ACL), e da Associação de Imprensa Campista (AIC) tiveram para gestar e parir o evento, no sadio conjunto entre poder público e sociedade civil organizada, representada em seus três respectivos presidentes: os professores Wainer Teixeira, Hélio Coelho e Vitor Menezes. Sobretudo este, idealizador primevo do FDP!, passa a ser depois dele um credor legítimo da cultura de Campos, saldo ao qual me curvo e reverencio.

Mas seria bom que o exemplo do FDP!, tão exitoso, excedesse a cultura Stricto Sensu para alcançar o Lacto Sensu de uma cultura da tribo goitacá, em todos os seus setores. Achássemos aquilo que nos une, mais do que nos separa, as graves crises que se abatem sobre o município e o próprio país teriam sua transposição facilitada.

Nos cinco dias do FDP! provamos ser possível. Fora da “arte do encontro”, não há alternativa aos demais 360 dias do ano.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã