Talvez a distância do filho produzisse uma relação melhor do que se convivessem próximos. Constatar o mérito dele naquele terno impensável anos atrás encheria qualquer mãe de orgulho, caso o tivesse criado ao seu lado, acompanhando seu passo a passo cotidiano, vendo os dentes de leite crescer, acolhendo-o em suas dificuldades na escola ou nas decepções com a primeira namorada. O orgulho dela, estranhamente, se redobrava, potencializado seu amor materno em decorrência do afastamentos precoce.
Imiscuída entre convidados desconhecidos, peixe fora d’água entre as finezas tão alheias a ela, ao longe averiguava o calor da mãe adotiva, o olhar igualmente contente por suas conquistas, a expressão feliz de quem cumpriu perfeitamente a tarefa na condução do filho ao longo da vida, guiando-o pelos caminhos obscuros até ele atingir certo grau de maturidade, no qual soltou sua mão para trilhar sozinho os seus passos. Embarcava de gaiata entre comensais com suas taças de espumante e garçons com acepipes nomeados por palavras nunca antes ouvidas — o mundo no qual seu menino embarcava.
Aquela mãe substituta não a incomodava, não provocava inveja nem nenhum reação negativa. Não lançava sobre ela ranhuras de alma em busca de cicatrização pelo embate violento ou pela injúria, comedida em sua simplicidade honrada. Pelo contrário, comparava-se a ela e nela enxergou as competências não presentes em si mesma, a segurança, a estabilidade material e emocional, a dedicação paciente. Delegou-a a função com propriedade: suas características a tornavam uma mãe bem mais eficiente. E abdicou de suas atribuições sem prejuízo.
Ao longo da vida, testemunhou alguns momentos do rapaz, perdida entre os muitos observadores, mais uma na multidão sem nenhum valor especial perante ele. Quando levou a medalha de ouro no judô, lá ela mordia os próprios dedos em nervosismo. Quando saiu a aprovação no vestibular, ela se estabanou com o celular na mão querendo acessar o resultado online e naquela noite se ajoelhou diante da Virgem agradecendo por concretizar suas preces. E, agora, presenciava o rompimento maior, apenas esperando vê-lo mais e mais realizado futuramente.
Em outras mulheres na sua situação, os sentimentos tenderiam a um pêndulo. A maioria se arrependeria de suas escolhas passadas e se ajoelharia diante do filho pedindo perdão pelo abandono, recebendo sua cara trunfada como resposta, revertendo alguma mácula de indesejado remoída intimamente. A minoria abortaria afetivamente a criança, rompendo-a de sua memória, lançado o embrião intangível na privada para depois dar descarga.
Já ela enchia o peito pela congruência do destino. Lançou suas fichas há pouco mais de duas décadas e agora recebia o prêmio por sua aposta. Não se lamentava, tampouco esquecia. Mantinha acesa a chama de seu afeto materno, alimentada cotidianamente pela memórias e pela esperança. A mãe adotiva o abraçava e ela sabia de seu merecimento em cada pequeno alento. Saía dali com uma forte sensação de dever cumprido, agora que finalmente soltava a mão de seu filho.
Oba! Mais um texto que dá prazer, muito bom pra saborear tomando café fresco, forte, acompanhado por uma boa broa de milho. Gosto deste tipo de crônica, lembra-me quando eu lia as que eram escritas por Elmar Martins e o José Cunha Filho, lá pelos anos 70. Eu lia e em seguida recortava cuidadosamente e colava num caderno de desenho. Não fosse o mesmo servir de “refeição” aos malditos cupins, eu os teria até hoje.
Já “copiei” e “colei” na minha pasta “Literatura”. Com certeza vou querer ler de novo!