Para cada golpe dado, Ezequiel guardou uma moeda. Depositou a primeira aos dezesseis anos quando embarcava como punguista e deu continuidade quando na mocidade enveredou para o contrabando. Apesar da longa data passando incólume pela lei, mudou de área aos 40 e fez maior sucesso atuando nos bastidores da política.
Reinaldo vacilou antes de quebrar a porca guardada a vida inteira pelo pai. Primeiro, pela natureza escusa de seus atos. A mãe o afastou de sua influência e a lembrança do velho pilantra não passava de memória remota. Segundo, se ele depositou moedas ao longo da vida, provavelmente não havia ali nada de significativo, apenas um punhado metálico sem valor após tantas mudanças de planos econômicos. No máximo amealharia alguns trocados em algum antiquário.
Diante da insistência da esposa, rachou o porco e se surpreendeu. Ao invés de guardar moedas correntes, o velho colecionou pequenas peças douradas cunhadas com suas iniciais, todas em formas bastante semelhantes, seguindo um molde único durante seus 60 anos de atividade. Aí sim ele viu algo de valor.
Após vender o conjunto de moedas em uma casa de penhores, trocou de carro, comprou uma bela casa e ainda aplicou uma quantia em um investimento financeiro, contando em futuramente enviar os dois filhos para a faculdade de medicina. Se o velho não marcou presença durante a vida, pelo menos na morte cumpriu um pouco seu papel de pai.
Quando recebeu o telefonema de Humberto, dono da casa de penhores, não compreendeu ao certo seu questionamento. Explicou que quatro compradores das moedas faleceram poucas semanas após e isso rendeu perguntas por parte da polícia. Nada demais, tendo em vista limitarem-se a casos fortuitos: uma picada de cobra durante uma pescaria no Mato Grosso, uma falha de freio na estrada, um ataque cardíaco e uma queda no banheiro. Não havia correlação alguma, mas mesmo assim o caso chamava atenção pela morte de quatro colecionadores de relíquias em prazo pouco largo:
— Estão amaldiçoadas — disse em tom crente e assustado de quem perdeu bons clientes. O dono chegou a sugerir o destrato desejando retornar a maldição ao antigo dono, mas Reinaldo não estava disposto a abrir mão do seu novo padrão de vida.
Mal esperava pelas consequências. Poucos meses depois, enquanto saía do trabalho para seu horário de almoço, Reinaldo recebeu uma ligação da esposa avisando sobre o desespero de Humberto segurando uma bolsa ameaçando se jogar de cima de um prédio. Correu para as imediações e encontrou os bombeiros tentando convencê-lo a desistir e a multidão em polvorosa gritando “Pula! Pula!”. Ao longe ele lançava seus gritos, porém Reinaldo não conseguia captar suas palavras, essas abafadas pelo clamor da multidão. Então Humberto abriu sua bolsa e começou a jogar as moedas, iniciando uma forte confusão entre as pessoas, essas caindo ao chão e se digladiando para catá-las. Lançou-se e se acabou em meio àquele tumulto.
As palavras da viúva após o velório soando a desabafo lânguido provocaram uma atmosfera perturbadora em torno dos ânimos. Ela relatou detalhadamente o infortúnio do marido, cada vez mais apegado àquelas moedas e acompanhando a morte de outras pessoas que as compraram. Então decidiu parar de vendê-las e, nesse ato de loucura, jogou-as e se matou.
A partir daí, Reinaldo estabeleceu a meta de prestar contínua atenção nas páginas policiais e no obituário. Cada acidente de carro, homicídio, doenças fatais súbitas e situações congêneres ele tentava associar a algum dos novos donos das moedas.
Envolveu-se tão ferrenhamente em acompanhar obituários que se aproximou mais da morte e se afastou da vida. Converteu-se em um vulto estranho à própria esposa, sempre envolto em associações e conjecturas estapafúrdias. Apenas após bastante tempo imerso em suas suposições ele conseguiu lembrar claramente do sorriso cínico do pai e sentiu-se mais uma mera peça em seu jogo sórdido do qual o velho não se cansou nem após a morte.
Aluysio Abreu Barbosa, dias desses eu disse, que no Opiniões eu sinto uma brisa fértil, aqui eu respiro o oxigênio da Cultura, eu tenho a oportunidade de sorver o contraditório, aqui tem vida inteligente… esse texto do Guilherme Carvalhal é ouro puro e de 24 quilates, é tipo encontrar um baú de tesouro de antigos corsários, eu simplesmente adorei.
Realmente um texto inteligente, interessante e reflexivo! Mas, começo a me perguntar se tais moedas amaldiçoadas quando lançadas à rua no meio da multidão, algumas delas não teriam ido cair nas mãos de certos governantes!
Quem sabe, na loucura de pegar o ouro maldito, lá se foram os royalties da “galinha de ovos de ouro negro” chamada Petrobrás!
Quem sabe, na mesma maldição, trouxe a reboque o desemprego, o fechamento de empresas!
Mas, como maldição é maldição, após toda esta decadência, finalmente, os que usaram mal os recursos públicos, comecem, todos eles, a serem presos e afastados definitivamente dos cargos e de suas carreiras políticas?
__Que, devido à ganância desenfreada, a maldição se cumpra, Amém!