Guilherme Carvalhal — Sortudos

Trevos

 

 

A cigana profetizou ao ler sua mão ainda na gravidez:

— Nunca andou por esse mundo pessoas tão sortudas igual a seus filhos.

Realmente, não se sabia explicar a fortuna a constantemente rodear Maurício e Joaquim. Desde quando nasceram os pais notaram como pequenas eventualidades passaram a receber sua estranha influência. O pequeno comércio de utilidades do lar prosperou e um tio desconhecido apareceu do nada e deixou para a família uma herança considerável. Quando começaram a andar, achavam objetos valiosos, até mesmo carteira com dinheiro. Os pais então se lembraram do presságio da cigana e se felicitaram pelo futuro promissor prometido aos dois.

O passar dos anos gerou diferenças peculiares entre os gêmeos. Ciente de sua sorte, Maurício resolveu se empenhar para exponenciá-la. Enfiou a cabeça nos estudos e obteve notas absurdamente altas em todos os exames, chamando a atenção de bancadas de professores diante do fenômeno. Formou-se com louvores em Economia e embarcou no mercado financeiro, onde cada aplicação sua rendia volumoso retorno. Iniciou com ativos de uma companhia de derivados de fruta e no primeiro mês sequente à compra de ações intempéries atingiram as plantações concorrentes e as produções se perderam. Daí inicou sua vitoriosa carreira.

Já Joaquim enveredou pelo caminho oposto. Se tudo caía facilmente em suas mãos, pouco se preocupava em se esforçar. Na escola nunca estudava, apenas marcava aleatoriamente as alternativas e gabaritava. Podia comprar algo e não se preocupar em pagar; alguma falha no sistema de computadores faria suas prestações sumirem e quando ficava sem dinheiro jogava na loteria e usufruia do que ganhasse. Bastava caminhar sem planejamento algum e tudo indubitavelmente se ajeitava.

Enquanto Maurício começou a auferir lucros cada vez mais altos e figurar entre as pessoas mais ricas do planeta, Joaquim se casou e mudou para uma casa simples e sem luxos, em cujo quintal plantava uma horta que sempre rendia frutos. Somente ouvia o barulho dos pássaros e curtiu sua ociosidade tranquila. Maurício conquistou renome internacional e viajou pelos continentes. Joaquim ergueu seu pequeno reino em um canto isolado e por lá permaneceu. Os caminhos distintos os afastaram e anos seguiram sem se ver.

Quando a mãe idosa faleceu, encontraram-se no velório. Demoraram a se reconhecer, Maurício em suas roupas caras e com seu anel dourado, Joaquim despojado. Um trazia os cabelos bem cortados e uma aparência obtida em academia e com gastos de estética, enquanto o outro ostentava um físico preguiçoso de quem só aproveita a desídia. Abraçaram-se e, assim como na infância, passaram longo tempo juntos.

Na antiga casa materna, relembraram o convívio familiar. À medida em que um contava para o outro de sua atual vida, emergiu o mútuo sentimento de inveja. Maurício desejou por um instante distanciar-se de seu cotidiano corrido e agitado e se entregar à pasmaceira. Joaquim pensou nas múltiplas possibilidades perdidas caso associasse sua sorte com doses de força de vontade.

Assim, presenciaram como muito havia a distanciá-los de sua plena completitude. Após dois dias juntos, cada um retornou para seu próprio refúgio, abismados pela constatação de que nem toda sorte seria capaz de provi-los com todos os seus desejos.

 

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Este post tem 2 comentários

  1. Savio

    Bem interessante e reflexiva, valeu!

  2. Sérgio Provisano

    E eu, meu caro Aluysio Abreu Barbosa, posso bater nos peitos e dizer em alto e bom tom, que sou um cara de sorte, um sortudo pois tenho a sorte de poder ler essas pérolas que o Opiniões propicia a todos nós que apreciam Cultura, que respiram Cultura. Essa conto do Guilherme Carvalhal, é para lá de bom!

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