João Vicente Alvarenga vai, vê e conta o Ocupa TB

A semana encurtada amanhã pelo feriadão de Corpus Christi, termina bem para os artistas de Campos que ocuparam desde o dia 9 (aqui) o Teatro de Bolso Procópio Ferreira. Como anunciou aqui o jornalista Alexandre Bastos, hoje foi publicado no Diário Oficial (DO) a homologação do contrato para instalação do sistema de refrigeração do teatro. Não custa lembrar que, no dia 13, na segunda de suas três reuniões com os artistas, o secretário de Governo Anthony Garotinho (PR) se comprometeu aqui a reabrir o TB dentro de 45 dias, prazo que vence no final de junho.

Muito além das promessas do poder público municipal, quem ontem esteve visitando a ocupação foi um velho conhecido do TB: o professor João Vicente Alvarenga. Ex-companheiro de teatro dos ex-atores Garotinho e Rosinha (PR), além de autor do livro “Três Atos da História do Teatro em Campos” (1993), ele atendeu ao convite da atriz Adriana Medeiros e ao conselho deste blogueiro, num longo e prazeroso debate gerado aqui, na democracia irrefreável das redes sociais, sobre questionamentos (aqui) à pauta protocolada pelo Ocupa TB junto à Prefeitura de Campos.

Inicialmente crítico ao movimento, daquilo que João Vicente viu com os os próprios olhos, ninguém pode pode falar melhor, nem com mais conhecimento do teatro de Campos, do que o próprio:

 

 

(Foto do blog “Ocinei Trindade escreve”)
(Foto do blog “Ocinei Trindade escreve”)

 

 

Professor João Vicente Alvarenga (reprodução de Facebook)
Professor João Vicente Alvarenga (reprodução de Facebook)

Como viver um paradoxo?

Por João Vicente Alvarenga

 

Tivemos muitos motivos para mostrar nossa revolta, agressividade, com um apurado instinto de defesa. Éramos párias dependentes da prática teatral! Uma ditadura militar (1964/85) no auge de sua arrogância e violenta atuação contra a arte e a cultura. Nossa geração se sentia acorrentada, com os movimentos limitados. Mas, de dentro de nossas entranhas brotava um sentimento de liberdade, um conceito de vida sem limites, que nos permitiu expressar um bom punhado de emoções e desejos.

Fazer teatro na rua era uma opção, bem de acordo com o espírito libertário. Mas, ter um teto sob o qual poder desenvolver uma produção teatral era também uma opção. O Teatro Escola de Cultura Dramática, grupo liderado por Orávio de Campos Soares, fez uma ocupação consensual do Teatro de Bolso no início dos anos 70.

Éramos aproximadamente umas 40 pessoas e fomos, com o tempo, aumentando. A idade dos integrantes do Teatro Escola variava entre 12 e 40 anos de idade. Essa conquista, essa ocupação, foi por autorização da presidente da Arta (Associação Regional de Teatro Amador), a atriz Tércia Gomes, em consideração a Orávio, fundadores da Arta, juntamente com outros artistas.

A juventude, quando provocada, é capaz de qualquer coisa. A ameaça e a provocação poderiam vir de onde menos se esperava. Nos sentíamos seguros em grupo, em convivência diária, dentro do Teatro de Bolso, que se transformou em residência de cada um de nós. Uma divertida comunidade, e a força e a ousadia jorravam naturalmente, junto com um intenso instinto de criação.

Não tinha hora para estarmos no Teatro de Bolso: a qualquer hora, a qualquer dia. Poderia ser de manhã, de tarde, de noite, de madrugada, de domingo a domingo. Assim, nos conhecíamos, conversávamos, recebíamos novatos, cantávamos, ensaiávamos, discutíamos textos, criávamos textos etc. Muitas ideias surgiam dessa intensa troca epidérmica. Toda essa movimentação despertou a atenção da presidente Tércia Gomes e do diretor do departamento de Cultura da PMC, poeta Prata Tavares, temendo algum distúrbio que poderia decorrer dessa ausência critérios de utilização daquele espaço.

Ao mesmo tempo, a comunidade já se referia a nós como “um bando de veados, maconheiros, piranhas”. Não cabe aqui discutir isso. Discutir isso é estar admitindo esses epítetos. Foi a ocupação de um grupo hegemônico que muito se doou, se sacrificou para sustentar a ideia do teatro entre estudantes e todos os públicos.

Estamos vivenciando hoje uma ocupação do Teatro de Bolso, que deveria receber a devida atenção da inominável dama de nossa cultura, que se esqueceu de um tão conhecido e batido dito popular: “o povo unido, jamais será vencido!”. E eu acrescento: unido e organizado, jamais será vencido. Aprende essa, inominável criatura.

Em um artigo que publiquei no face, chamei essa ocupação de “ilegítima” e “bastarda” sem explicar e ressaltar o valor positivo que quis imprimir aos adjetivos. Aos olhos do poder público municipal, os agentes sociais e artistas envolvidos no ato de ocupação do Teatro são as ovelhas negras, filhos ilegítimos, bastardos de nossa planície goitacá.

Fiz uma visita ao Teatro ocupado. Fiquei encantado, com jovens educados, solícitos, atenciosos, como o Saulo que se apresentou e me mostrou como a ocupação estava estruturada. Foi uma experiência muito agradável conhecer essa nova geração de artistas. Adriana Medeiros fez questão de estar comigo, cancelando outro compromisso agendado anteriormente, para me encontrar no Teatro de Bolso. Pessoa querida e respeitada entre os jovens.

A juventude é frágil e idealista. Empolgada e responsável. Ao contrário de nossa geração, que enfrentávamos um mostro (o Regime Militar), desencadeando em nós reações inesperadas e “desordeiras”, sujeitas à repressão. Esses jovens, que vi restaurar a vida no Teatro, de forma ordenada e disciplinada, são doces, amáveis, responsáveis. Essa juventude frágil e idealista é propositiva, quer mostrar seu trabalho, nas diferentes linguagens. Até então, o Teatro estava refém para satisfazer interesses e caprichos exclusivos da inominável dama da cultura.

Essa juventude frágil e idealista é robusta porque conseguiu erguer os princípios vitais que controlam a saturação de vitalidade que deve se fazer presente em qualquer ambiente onde estejam a arte e a cultura. Cultuar a apatia e a morte num espaço público, que deveria ser oferecido generosamente aos artistas, para esta perfeita simbiose, que acontece quando a arte se instala em lugar que lhe é destinado.

Rosinha, Garotinho, vocês se perderam em meio à arrogância, prerrogativa do poder. Por que desrespeitar os artistas, desconsiderá-los, não cumprindo a agenda de reuniões no Teatro de Bolso? Vocês se esqueceram de que já estiveram do lado onde hoje estão a nova geração de artistas, e pelos mesmos motivos do passado? Que paradoxal! Que ironia do destino, que coloca vocês em grande dificuldade, diante de um problema tão pequeno: equipar o teatro adequadamente e disponibilizá-lo aos artistas.

 

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Este post tem um comentário

  1. Savio

    Oxalá mais esta importante presença acelere o processo de recuperação do Teatro.

    Aqui pra nós, porque este governo municipal causou tantos empecilhos?Não me parece um “fim do mundo” a recuperação deste importante espaço!

    O problema, sabemos: Uma Prefeita de enfeite e um “Secretário” retrógado, superado, petulante e sem visão. Se fosse pra costumeira breguice a custos milionários, aí estava tudo certo!

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