Num domingo de plantão em Campos dos Goytacazes

Se trabalhar numa redação de jornal é para muita gente uma coisa uma coisa meio mágica, na ebulição de gestos e vozes entre todos produzindo e trocando informações, ao mesmo tempo, sobre os fatos da cidade, da região, do estado, do Brasil e do mundo, esse clima de mercado persa tem também sua versão mais intimista. Se dá nos feriados e finais de semana, onde a equipe é reduzida e se revelam os grandes vazios daqueles grandes espaços abertos e coletivos das redações.

Trabalhei no Jornal do Brasil, em meados dos anos 1990, na sua antiga e imensa sede no prédio da Av. Brasil nº 500, em frente ao Cais do Porto, às margens da Baía de Guanabara. Um plantão ali, isolado em meio àquele bando de mesas, cadeiras e computadores abandonados de gente, lembrava cenas de um filme pós-apocalíptico.

Numa redação média como a da Folha, mesmo sendo a maior de Campos em espaço e número de profissionais, o contraste dos plantões não chega a ser tão fantasmagórico. Ao contrário, com menos gente, as pessoas tendem a se aproximar e a contar mais umas com as outras, reforçando a essência do jornalismo: o trabalho coletivo.

Pois ontem, ocupando a função de editor geral à frente de uma equipe que geralmente não é a que me cabe nos plantões, esse sentido de coletividade fluiu de maneira tão natural e produtiva, que me senti impelido a fazer aqui o registro.

Encarregado da edição das páginas internas, trocando ideia com o jornalista Mário Sérgio Junior sobre o que de mais forte tínhamos de factual, ele me disse que juntaria os cinco feridos à bala em Campos no domingo, entre eles um médico atingido na nuca enquanto guiava seu HR-V emplacado no Espírito Santo, com um morador de rua morto também a tiros, na av. XV de Novembro, à luz do dia e em pleno Centro da cidade, embaixo da ponte Leonel Brizola, no local popularmente batizado de “Sovaco da Rosinha”.

No contraste do médico e o morador de rua como alvos indistintos da mesma barbárie, Mário me disse que estava pensando sua manchete interna, alertando à generalização da violência em Campos. E fiquei com aquela sugestão de paradoxo na cabeça

Diante de tantas ocorrências policiais, estávamos espremidos de espaço nas páginas do primeiro caderno para noticiar a feliz iniciativa do “Dia do Lazer”, no qual o entorno da Praça do Liceu foi fechado no domingo para atividades recreativas, ao ar livre, de crianças, adolescentes e suas famílias. Como o assunto tinha “pegada” mais leve, argumentei com a jornalista Paula Vigneron, que já tinha redigido e editado na capa da Folha Dois uma outra matéria atemporal, para aproveitar em seu lugar a reportagem factual do “Dia do Lazer”.

Se ela gostou da ideia, tanto mais o jornalista Jhonattan Reis, que havia feito tanto o evento no Liceu, quanto a cobertura dos seis baleados naquele mesmo dia, entre eles o médico ferido e o morador de rua executado. Após coordenar essas ações, passei a ligar a minhas fontes para apurar e produzir o “Ponto Final”. Equilibrado pelas novidades mais leves da ExpoAgro nas notas finais feitas pela jornalista Channa Vieira, produzia o resto da coluna de opinião no sentido de me ofertar uma alternativa de manchete política, caso o dia fosse fraco de acontecimentos.

Concluído o “Ponto Final”, dei nele uma última olhada com a foto do velho Barbosa no cabeçalho, antes de partir ao momento que sempre julgo mais prazeroso na edição da capa: escolher as fotos do dia.

Com o casal brasileiro José Aldo e Amanda Nunes conquistando cinturões de campeões mundiais no UFC, na madrugada de domingo, além da inédita conquista de Portugal na Euro, na tarde do mesmo dia, mesmo após Cristiano Ronaldo sair contundido da final contra a França, tínhamos expressivas opções de imagens internacionais.

Todavia, ao conferir a produção local dos repórteres-fotográficos Tércio Teixeira, na cobertura do “Dia do Lazer”, com crianças brincando tanto com a bola redonda das peladas, quanto com a oval do futebol americano, mais a do Rodrigo Silveira, também editor de fotografia, retratando com sutiliza a tragédia da violência urbana de Campos, sobretudo na foto do morador de rua executado, num ângulo baixo sob o fundo do carro que revela apenas as pernas horizontais do morto e dos vivos em pé ao redor, a ideia dada lá atrás pelo Mário foi se ampliando.

Assim, quando fui editar a capa junto ao designer gráfico João Vitor Marques, com sua ajuda, aquilo que já vinha se desenhando na minha cabeça, mediante tantas trocas, ganhou vida própria na capa de hoje da Folha, no eco dos versos da música “Brasis”, de Seu Jorge, Gabriel Moura e Jovi Joviniano:

 

“Tem um Brasil que é próspero
outro não muda
Um Brasil que investe
outro que suga
um de sunga
outro de gravata
tem um que faz amor
e tem o outro que mata”

 

Na certeza de que jornalismo é trabalho coletivo, ou não é nada, ficam aqui meus agradecimentos sinceros ao Mário, ao Jhonattan, a Paula, a Channa, ao Tércio, ao Rodrigo, ao João Vitor e ao prestador de serviço Diego Silva, que também aprovou, como os demais, a cara dada ao corpo do esforço e da criatividade de todos.

Abaixo, para eles e sobretudo a você, leitor, o vídeo da música e a capa que ela ecoou sobre novos fatos da velha antítese humana, um domingo de plantão em Campos dos Goytacazes:

 

 

 

 

Capa da Folha de 11/07/16
Capa da Folha de 11/07/16

 

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Este post tem um comentário

  1. Savio

    ___Como a realidade é dura! Contundente.

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