Artigo do domingo — O voto em Freixo e a eleição de Crivella
“Voto nulo não favorece ninguém”. “O voto é meu, minha obrigação é comigo e com mais nada. E se eu soubesse quem é o menos ruim, votaria nele”. “O que me dá o direito de reclamar do meu prefeito é o fato de morar na cidade, pagar ISS e IPTU. Votar não dá superioridade moral a ninguém”. São todos argumentos respeitáveis para anular o voto hoje na eleição a prefeito do Rio de Janeiro, elencados (aqui) por um dos mais respeitáveis opinadores da democracia irrefreável das redes sociais: Ricardo Rangel, diretor de produção da Conspiração Filmes.
Com algumas pesquisas projetando a abstenção de até 50% do eleitorado da capital fluminense nas urnas de hoje, o discurso do nulo se ergue diante das duas candidaturas que definirão a sucessão do prefeito Eduardo Paes (PMDB): os Marcelos Crivella (PRB) e Freixo (Psol). Do paradoxo, à feição irreverente do carioca, talvez não haja definição melhor que a dada (aqui) em artigo do último domingo (23), pelo jornalista e ex-deputado Fernando Gabeira:
— O Rio é uma cidade surpreendente. Na Olimpíada, lançou a mensagem universal de diversidade e tolerância. Nas urnas levou dois candidatos ao segundo turno cujas campanhas são sacudidas pelos fantasmas do obscurantismo político e religioso.
No lamento pela falta que fez um Gabeira na disputa atual da Prefeitura do Rio, cujo segundo turno disputou e perdeu por muito pouco, em 2008, na primeira eleição de Paes, fica a certeza dos vários erros alheios que conduziram ao afunilamento entre Crivella e Freixo. O primeiro, do próprio prefeito carioca que, oito anos depois, entregará o cargo em 20017.
Tivesse abandonado a estranha obsessão em fazer como seu sucessor o deputado federal Pedro Paulo (PMDB), logo na primeira denúncia deste por agressões físicas assumidas contra a ex-esposa, o “Nervosinho” das planilhas da Odebrecht poderia pavimentar, com seu governo de tantas obras, um acesso tranquilo ao segundo turno. Nele, por motivos igualmente contrários à lógica eleitoral, também ficaram de fora os candidatos Índio da Costa (PSD) e Osorio (PSDB).
Com propostas e perfil de eleitor semelhantes, bastaria somar os 16,12% de votos válidos obtidos por Pedro Paulo aos 8,99% de Índio e aos 8,62%, de Osorio, para constatar que a união dos três (33,73%) no primeiro turno colocaria um único candidato no segundo, à frente não só de Freixo (18,26%), como de Crivella (27,78%). Verdade que, no caso do psolista, merece destaque a divisão dos votos de esquerda, no turno inicial, com Jandira Feghali (PC do B) e Alessandro Molon (Rede).
Todavia, mesmo que fosse agraciado com os 3,34% dos votos conquistados pela senadora comunista, mais o 1,43% do deputado federal do partido de Marina, Freixo não iria além dos 23,39% nessa recontagem hipotética do primeiro turno. Ou seja, a esquerda carioca reunida S.A. ainda ficaria atrás de Crivella e da equação Pedro Paulo + Índio + Osorio.
São por contas parecidas que o sobrinho e herdeiro de Edir Macedo, dono da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), da Rede Record e de uma série de rádios espalhadas pelo país, tem considerável vantagem em todas as pesquisas. E como Crivella lidera, sobretudo, nas comunidades de morro e periferia da cidade do Rio, é antropologicamente curioso constatar: a mensagem pentecostal que condena a criminalidade e aponta a religião como porta de saída faz mais sucesso com quem mais sofre pelo crime, do que quem pretende relativizá-lo como consequência da injustiça da sociedade capitalista.
Em contrapartida, em outra curiosa ironia, é entre a burguesia da Zona Sul carioca que Freixo e a esquerda pregam ao seu eleitorado mais fiel.
Pelos sucessivos erros do envelhecido líder do garotismo — cuja exclusão do seu eventual governo, Crivella foi obrigado a assinar em documento — Campos foi privada da “graça” do segundo turno. Muito embora, com a nova cassação (aqui) na sexta (28) da prefeita Rosinha Garotinho (PR) — sua quinta, em quase oito anos de mandato — pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), e a prisão (aqui) do vereador Thiago Virgílio (PR), ontem (29), pela Polícia Federal (PF), por sua participação naquilo que o Ministério Público Eleitoral (MPE) denunciou como “escandaloso esquema”, o tom da pós-eleição goitacá venha sendo diariamente ditado ao eco de Roberto Carlos: “São muitas emoções!”
Em relação ao segundo turno carioca, tudo que o eleitor campista pode fazer é opinar. Com todo o respeito que merecem os defensores (respeitáveis dialeticamente) do voto nulo, concordo com a surrada, mas veraz sentença do velho Otto Von Bismarck (1815/98), arquiteto daquilo que o mundo chama de Alemanha: “Política é a arte do possível”.
Não por outro motivo, se votasse no Rio, o faria em Freixo, na condição de menos pior. Até porque, quando se fala da mistura de religião e política, sempre me vem à lembrança aquilo que os soldados e oficiais da SS nazista da mesma Alemanha levavam inscrito na fivela dos seus cintos, durante a II Guerra Mundial (1939/45), enquanto transformavam a Europa numa linha de montagem para matar gente e queimar seus corpos em campos de extermínio: “Gott mit uns” (“Deus está conosco”).
Mas como as eleições (e guerras) geralmente são ganhas por quem é capaz de enxergar além do próprio umbigo, não há constrangimento em afirmar: Crivella vencerá a eleição.
Publicado hoje (30) na Folha da Manhã