Fabio Bottrel — Mais profundo que a morte, mais onírico que a vida

 

Sugestão para escutar: Ilusão – Marisa Monte e Julieta Venegas

 

 

 

 

“Abaporu” (1928), óleo sobre tela de Tarsila do Amaral
“Abaporu” (1928), óleo sobre tela de Tarsila do Amaral

 

 

Se eu nunca houvesse amado, jamais teria chorado, que triste ilusão da vida imaginar que as lágrimas aguardam salgar seus lábios quando o sorriso sumir. Não seria tão difícil imaginar o sentido da nossa existência se enriquecemos enquanto guardamos dinheiro e empobrecemos enquanto economizamos amor, quem nega o amor, perde antes, o negador. A quem escreve o seu nome na água solitária d’uma ilha deserta, a brisa que carrega a larva é a mesma que desmancha a mágoa em nuvens envolta a alma, soprando mais profundo que a morte, mais onírico que a vida.

Como tudo parece encontrar o seu oposto, a vida e a morte, o sorriso e a lágrima, a felicidade e a tristeza, que nos encontre em nosso mais alto estado de alma as intempéries conscientes que virão, mas não tenha dúvida, no fim a mão do amor é sempre a que balança a vida no seu berço de esplendor. Acho que chegamos em tempo de parar de achar, de sangrar até a última seiva dentro de nós, num movimento suave colocarmos a máscara ao lado, sorrirmos de lábios nus e aceitarmos que temos muito a crescer, Campos, ver tua cultura dilacerada me lastima a dilacerar a alma. Ver-te sorrir por mentiras, chorar por causa menor do que és, Campos, sonho com o dia que tua cultura levantará desse sono de morte.

Enxergo assim toda a dimensão dessa noite que parece nunca amanhecer transfigurada nesse poema de Ferreira Gullar:

 

Aprendizado

 

Do mesmo modo que te abriste à alegria

abre-te agora ao sofrimento

que é fruto dela

e seu avesso ardente.

 

Do mesmo modo

que da alegria foste

ao fundo

e te perdeste nela

e te achaste

nessa perda

deixa que a dor se exerça agora

sem mentiras

nem desculpas

e em tua carne vaporize

toda ilusão

 

que a vida só consome

o que a alimenta.

 

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Este post tem 2 comentários

  1. Vania

    Parabéns Fábio Bottrel por mais este trabalho de grande reflexão e profundidade.Adorei a composição, texto, música e ilustração, perfeito! Sucesso pra você!!!

  2. Sérgio Provisano

    Juntar Poesia, Música, Tristeza – que não tem fim – Felicidade, como disse o Poeta – sim – com mais um texto do Fabio Botrell, pungente, lírico, primoroso, aqui neste espaço culto, privilegiado, Aluysio de Abreu Barbosa que é o Opiniões, é tudo que eu queria, para dormir querer tem a paz de criança dormindo… Ah! E com Marisa Monte, aí a coisa vira um orgasmo total. Adorei, que mais posso dizer?

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