Artigo do domingo — Adeus, ano velho!

 

Luís Alberto e seu filho Pedro, Toca dos Amigos, 22/12/16 (Foto: Aluysio Abreu Barbosa)
Luís Alberto e seu filho Pedro na Toca dos Amigos, 22/12/16 (Foto: Aluysio Abreu Barbosa)

 

 

Adeus, ano velho!

Por Aluysio Abreu Barbosa

 

Não lembro se era época de Natal, ou fim de ano. Talvez não. Mas guardo nítido o registro de quem acabara de descobrir o significado da palavra: tio-avô.

Saía da casa ampla da minha bisavó materna, Noêmia Rangel da Silva. A bela construção da Salvador Corrêa, que hoje abriga um curso de Inglês, continua de pé e conservada. Mas como sua ex-dona morreu em 1981, minha memória é anterior aos 9 anos de idade. A partir dela, na cabeça da criança ao adulto que a sucedeu, tio-avô passou a ser sinônimo de alguém necessariamente velho, que ficara para trás no passar das gerações: o irmão de um avô.

Do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) à eleição de Rafael Diniz (PPS) a prefeito, ainda no primeiro turno, em todas as sete Zonas Eleitorais de Campos, 2016 foi um ano movimentado — do Planalto Central à Planície Goitacá. No desvelar da corrupção generalizada na política nacional, eviscerada a partir da operação Lava Jato, enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fecha o ano como réu, por enquanto, em cinco ações, ganharam destaque as prisões do ex-presidente da Câmara Federal Eduardo Cunha (PMDB) e dos ex-governadores fluminenses Sérgio Cabral (PMDB) e Anthony Garotinho (PR).

Preso por interferência nas investigações da Polícia Federal (PF) sobre a denúncia de crime eleitoral na eleição perdida em Campos, o guloso “Bolinha” (aqui) da delação do fim do mundo da Odebrecht, agora investigado na Lava Jato, acabaria liberto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, no entanto, degredou o político da sua cidade natal. Mas antes disso rendeu, segundo eleição do jornal O Globo, a cena mais patética do ano: a encenação familiar (aqui) que conferiu caráter tragicômico à transferência de Garotinho do Hospital Souza Aguiar ao Complexo Penitenciário de Bangu.

Entre comédia pastelão e terror trash — onde o monstro se levanta em mais uma investida, depois de dado como morto —, o ato foi encerrado tão logo se fecharam as portas da ambulância que o levou a Bangu, segundo revelou (aqui) relato da própria PF.

Mas o ano que se encerra gerou apreensões muito além das fronteiras de Campos, do Rio ou do Brasil. A imensa maioria que se surpreendeu negativamente com a vitória de Donald Trump ao cargo mais importante do planeta Terra, talvez ainda não tenha se apercebido que seu maior cabo eleitoral foi o ocupante do segundo cargo mundialmente mais relevante, pelo menos belicamente: o ex-chefe da KGB (serviço secreto da extinta União Soviética) e atual presidente vitalício da Rússia, Vladimir Putin.

Para quem quiser saber o que isso pode querer dizer, que (re)assista (aqui) as dramáticas cenas da reconquista recente de Aleppo, maior cidade da Síria, pelas forças de Bashar al-Assad, na guerra civil que desde janeiro de 2011 devasta aquele país — berço da civilização. Sem compaixão e com o apoio de Putin tão aberto quanto o recebido por Trump, o ditador sírio estrangulou o último suspiro da “Primavera Árabe” que sacudira o mundo islâmico, a partir de dezembro de 2010, com ampla mobilização popular através da democracia irrefreável das redes sociais.

Quem conhece um pouco de História e sabe que a Guerra Civil Espanhola (1936/39) serviu como “tubo de ensaio” à II Guerra Mundial (1939/45), que torça para estar errado no que de mais grave a Guerra Civil Síria parece prenunciar. Quem conhece um pouco mais, que lamente pelo destino de Aleppo, uma das primeiras cidades do mundo, habitada continuamente, por gente como você e eu, há 7 mil anos. E se indague: nestes 70 séculos, quantas vezes os pais de família da velha cidade consultaram seus sacerdotes para saber se seria pecado matar esposas e filhas, como única forma de evitar que fossem estupradas pelos invasores?

Já para quem não conhece nada de História, mas adora ricochetear a própria ignorância sobre seus discordantes políticos, que continue a bravatear infantilmente “Não passarão!” à cada nova contrafeita. Criado pelos republicanos espanhóis, o slogan foi por estes ecoado diante às forças do generalíssimo Francisco Franco (1892/1975), que os esmagaram com o apoio de um tal Adolf Hitler (1889/1945) — embevecidos da mesma “candura” que Assad agora demonstra ao mundo, com o apoio de Putin.

Sem saber o que será de 2017, com o início do governo Trump, enquanto o de Michel Temer (PMDB) fica cada vez mais encurralado politicamente, pelo julgamento das contas da eleição presidencial de 2012 no TSE e o avanço inexorável das investigações da Lava Jato, 2016 teve no seu encerramento particular a praxe múltipla das confraternizações. Numa delas, na última quinta (22), entre os integrantes do Cineclube Goitacá — ilha de resistência durante a ruinosa gestão de Rosinha Garotinho (também) na cultura do município —, fui o primeiro a chegar, por ter feito a reserva na Toca dos Amigos.

Enquanto os demais não apareciam, divisei numa das mesas meu sobrinho Luís Alberto, filho da minha irmã Ana Maria. Ele estava com seu filho, Pedro, menino mais ou menos com a idade de outro que, décadas atrás, descobria o significado das palavras na casa da bisavó. “Criança bonita de riso e natural” — como descreve seu menino Jesus, pela pena de Alberto Caeiro, o poeta português Fernando Pessoa (1888/1935) —, descobri que Pedro, torcedor do Flamengo, gosta de futebol, de vídeo game e, como todas da sua geração, mexe no iPhone do pai com uma destreza que este ou eu jamais possuiremos.

À medida que os cineclubistas foram chegando, fui apresentando um a um ao pai e ao filho com quem estava sentado: “Estes são Luís Alberto, meu sobrinho, e Pedro, meu sobrinho-neto”. Na conexão súbita entre os meninos do passado e presente, só então percebi como, a exemplo de 2016, eu também tinha ficado velho.

 

Publicado hoje (25) na Folha da Manhã

 

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Este post tem 7 comentários

  1. Savio

    Meu caro Aluysio, é incrível o seu poder de síntese! Deu “uma geral” no panorama anual de 2016 ao mesmo tempo em que costurou o tema do sobrinho-neto e todas as suas constatações e “espantos”, coisa de quem tem intimidade com as palavras e todos os seus fios!

    Aproveito para saudá-lo, bem como a todos os amigos do Cineclube e ainda a todos que produzem a Folha da Manhã em todas as suas modalidades de mídia, por conta das festas natalinas.

    Boas Festas! E vamos torcer para que neste ano de 2017 muitos fantasmas sejam devidamente exorcizados, principalmente na área política internacional, nacional, estadual e municipal.

    __Que venha 2017! Juntos, somos mais fortes!

  2. Sandra Santos

    Muito boa confraternização .Riso fácil .Muitas recordações .Papo leve e descontraído Obrigada pela oportunidade.

  3. Bel

    Excelente texto, Aluysio! Agora é agradecer pelo que 2016 deixou pra trás e tomar um banho de descarrego, antes de aproveitar tudo que 2017 reserva.

  4. José Couto

    Artigo que poderia estar em qualquer grande jornal do Brasil e do mundo. No dia de natal convidou a reflexão no lugar do consumismo. Parabéns.

  5. carolina

    E 2016 ainda levou o George Michael ….

  6. Savio

    Aluysio,

    Soube hoje do falecimento do radialista Salvador (Beraldi) Macedo! Lastimo profundamente. Quando iniciei minha vida na radiofonia campista, na extinta Rádio Campista Afonsiana, nos anos 60, tive Salvador como “chefe” e parceiro! Muito aprendi com ele, sempre generoso, atencioso e que sempre aplaudia as novas ideias apresentadas, implementando-as sempre que possível.

    Dono de permanente bom humor, sempre tinha uma piada nova na ponta da língua!

    Os nossos sentimentos à família enlutada.

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