Inspetora – Senhor Adalberto, o senhor pode me dizer o seu nome todo?
Suspeito – Adalberto Lemos da Costa Carvalho.
Inspetora – Lemos da Costa Carvalho… O senhor tem três sobrenomes, seu Adalberto?
Suspeito – Tenho.
Inspetora – E por quê?
Suspeito – Porque os meus pais quiseram assim.
Inspetora – Os seus pais. Lemos certamente da sua mãe e da Costa Carvalho do seu pai.
Suspeito – Não. Lemos da Costa é da minha mãe e Carvalho do meu pai.
Inspetora – Lemos da Costa da sua mãe e Carvalho do seu pai. Sua mãe não tem Carvalho no nome?
Suspeito – Não.
Inspetora – E por quê?
Suspeito – Porque ela quis assim.
Inspetora – E seu pai não se opôs?
Suspeito – Não.
Inspetora – Certamente uma família governada pela mulher. Me diga uma coisa, seu Adalberto… A senhora sua mãe trabalha fora de casa?
Suspeito – Sim.
Inspetora – E qual é a profissão dela?
Suspeito – Ela é professora.
Inspetora – Como eu imaginei… Professora de…
Suspeito – Literatura.
Inspetora – Obviamente.
Suspeito – Mas por que…
Inspetora – E quanto ao senhor, senhor Adalberto: qual é a sua relação com a literatura?
Suspeito – Eu? Nenhuma. Eu…
Inspetora – Então não gosta da Literatura?
Suspeito – Gosto, mas não é que…
Inspetora – Odeia Literatura!
Suspeito – Não! Eu gosto!
Inspetora – Gosta, mas diz que não tem nenhuma relação. Um tanto quanto contraditório, concorda senhor Adalberto?
Suspeito – Não, a senhora não entendeu! Eu não gosto nem desgosto, eu não tenho nada contra, só que também não ligo muito. Literatura é a vida da minha mãe!
Inspetora – “Literatura é a vida da minha mãe”, uma declaração um tanto quanto suspeita, senhor Adalberto? Eu não consigo acreditar que algo que, segundo o senhor, é a vida da tua mãe não tenha nenhuma relação com você. Das duas uma: ou a vida da tua mãe não tem a menor relevância para o senhor ou o senhor está mais envolvido com a Literatura do que me contou até agora. Ham?
Suspeito – Ham? Foi só maneira de dizer… Olha eu não estou entendendo por que a senhora está me perguntando isso tudo. Eu nem sei por que eu estou aqui. Eu trabalho numa empresa, eu me dou muito bem com a minha mãe e eu até tirava nota boa em português na escola.
Inspetora – Empresa?
Suspeito – É, empresa de finanças. Trabalho com contas, empréstimos, renda, cobranças, entendeu? Nada a ver com Literatura.
Inspetora – Entendi. O senhor se ocupa de contar dinheiro?
Suspeito – É, mais ou menos né.
Inspetora – O senhor é feliz nesse trabalho? Se sente realizado?
Suspeito – Ham? Sou, quer dizer, sinto, quer dizer, mais ou menos.
Inspetora – Não é feliz.
Suspeito – Sou sim, às vezes.
Inspetora – E o seu pai, senhor Adalberto?
Suspeito – O que que tem meu pai?
Inspetora – Também trabalha com finanças?
Suspeito – Meu pai foi militar, agora está aposentado. Posso ir embora?
Inspetora – Militar. Linha dura? Me diga uma coisa seu Adalberto, o seu pai foi duro com você na infância? Ele te privou de muitas coisas? Qual é o olhar do seu pai para a arte? O seu pai gosta de teatro, música ou pintura? Qual é a relação do seu pai com a literatura? Por acaso ele acha que arte é coisa de mulherzinha?
Suspeito – Que? Que história é essa?
Inspetora – Confessa!
Suspeito – Eu não estou entendo aonde a senhora quer chegar!
Inspetora – Confessa!
Suspeito – Mas confessar o que? Eu não estou entendo nada.
Inspetora – Confessa!
Suspeito – O meu pai queria que eu fosse militar e eu não quis. Isso é crime? O que que está acontecendo aqui hein? Eu tenho os meus direitos!
Inspetora – Ah o senhor não sabe o que está acontecendo?
Suspeito – Não.
Inspetora – Não faz idéia?
Suspeito – Não.
Inspetora – Então eu vou te lembrar: o fato, senhor Adalberto Lemos da Costa Carvalho, é que a poesia está morta! E eu tenho razões para acreditar que o senhor seja culpado.
Suspeito – Eu? Mas eu não fiz nada!
Inspetora – Filho de professora de literatura – provavelmente conhece o que é poesia! Filho de militar aposentado – provavelmente conhece o que não é poesia! No entanto, nega qualquer envolvimento com a lírica. Não sabe se gosta ou não gosta. Respostas imprecisas, indecisas, contraditórias… Não é feliz no trabalho.
Suspeito – Mas porque eu faria isso? Um atentado contra a poesia!
Inspetora – Eu disse que a poesia está morta!
Suspeito – Mas eu juro que não fui eu! Por que eu?
Inspetora – O senhor pode muito bem ser um poeta frustrado que resolveu se vingar.
(continua)
Alguns, os que não estão nem aí para nada, dirão Carol Poesia, dirão Aluysio Abreu Barbosa, que a Poesia está morta sim. Só ainda não encontraram o seu corpo, e quando não há corpo, não há crime, dizem os juristas, mas eu não acredito que ela morreu, ela esta presente em cada um que escreve e pensa ou que escrevem o que pensam ou apenas pensam… Mas isso é mera suposição de minha parte, que nem sei se vivo estou, penso que posso ser um produto de minha imaginação que é tão forte que imagina que eu exista mas isso é pura loucura, sei lá. Sei apenas uma coisa, que estou adorando e mal posso esperar o que vem adiante, se é que existo e isso não é fruto de minha imaginação…