Marcelo Amoy – A saída é por ali! (?)

 

Mal enterramos os ossos da ceia de réveillon e fevereiro já se anuncia com recomeços de colocar os do ano novo no bolso e que ameaçam nos deixar de ressaca. Se a modernidade é líquida, os sustos no Brasil são sólidos e as expectativas, tantas vezes… se dissipam no ar como um avião caindo no mar de Paraty, para mim, para todos nós.
A segunda temporada de 2016 – também conhecida como 2017 – já começou massacrando nos presídios e na massiva cobertura midiática daquilo que, há décadas, não sabemos como fazer: oferecer segurança à sociedade via recuperação de infratores presos em locais que não sejam universidades do crime – mas jogamos todos lá indiscriminadamente desejando que se consertem sozinhos (quem sabe por obra e graça do Divino Espírito Santo?) e, se assim não acontecer: lavamos nossas mãos e pensamos como seria bom se todos se matassem para eliminar nosso problema. Para um liberal como eu, uma das (poucas) funções precípuas do Estado é a segurança pública. Resolver o problema da segurança é responsabilidade do Estado; mas o Estado, o fazemos nós – pelo menos assim deveria ser. De alguma forma, falhamos. Reconhecer isso, sem vitimismos vulgares, é o primeiro de muitos passos na busca de soluções efetivas para alcançarmos aquele bem estar típico da civilização: o incrível, mas eventualmente alcançável avanço de podermos andar tranquilos pela rua. Qualquer rua, mesmo sem iluminação adequada – viu ex-candidato?
O Brasil é um projeto que precisa entrar em obra; pra isso, tem que sair da prancheta – se fôssemos modernos, eu falaria em Autocad. Mas… vá lá que seja: entrar em reforma já adianta – desde que urgente! Existem algumas na fila de espera faz tempo e o retorno das atividades do Congresso Nacional agora no comecinho de fevereiro aguça expectativas – ainda que as decepções estejam garantidas. Sim, eu sei da baixa qualidade de nossos políticos, assim como de muitas de suas intenções duvidosas – o que leva muita gente a desejar expulsá-los da vida pública como se isso trouxesse solução. Mas estou convicto de que não há saída fora da política porque até pode haver ditadura com Congresso aberto, mas não há democracia com Congresso fechado. O que cabe a nós é a responsabilidade de melhorarmos a qualidade de nossos representantes – não a covardia de um dar de ombros nem a desculpa de que “eles nunca vão prestar”. Se nós prestamos, eles hão de prestar também. É nossa responsabilidade.
As reformas da previdência e do ensino médio; as tributária, trabalhista e política… independentemente da ordem, precisam ser levadas adiante. Já sabemos que nenhuma será feita de uma forma ideal até porque o ideal é inatingível por definição – quanto mais quando as partes mais afetadas por cada uma delas (tantas vezes antagônicas) sempre terão pleitos atendidos parcialmente e expectativas frustradas totalmente. Espero, contudo, que o saldo seja positivo na média. Sou favorável a todas, mas não sem críticas.
A da previdência, como proposta pelo governo, é draconiana demais: defendo uma idade mínima menor e regras de transição mais suaves e paulatinas, mas concordo com o fim de praticamente todas as aposentadorias especiais por uma questão de isonomia – e acho que o fim da aposentadoria especial dos políticos é questão de honra para o país. A reforma do ensino médio é urgente: seja para diminuir a evasão escolar e o desinteresse dos alunos pelos estudos; seja para habilitar as próximas gerações para os desafios de uma vida profissional cada vez mais exigente, especializada, difícil e longa – detalhes como qual disciplina fica ou sai é trabalho para os especialistas (mas a demanda é que o objetivo de modernizar o ensino suplante interesses particulares). Num país em que 2/3 dos cidadãos sonham em abrir seus próprios negócios (individuais ou com 2 ou 3 funcionários no máximo), as reformas tributária e trabalhista são evidentemente necessárias: não dá mais para esses microempresários (aquelas pessoas que geram a maioria dos empregos nacionais – só pra lembrar aos “distraídos”) gastarem horas a fio tentando decifrar códigos tributários impenetráveis; nem pode ser normal que alguém ainda ache “bacana” que leis septuagenárias vijam hoje como vicejaram no passado – flexibilizá-las é do interesse dos próprios trabalhadores, que ganharão oportunidades sem perder direitos. A reforma política – urgentíssima! – é a que nos dará o maior trabalho e trará as maiores decepções dada a atual composição pouco republicana de nosso Congresso. Torço pelo estabelecimento do voto distrital (puro ou misto: baratearia as campanhas, diminuindo a corrupção; e facilitaria a cobrança e o controle da atividade parlamentar), além do fim do sistema proporcional (que elege gente sem voto) e dessas esdrúxulas coligações contraditórias e mercantilistas. No entanto, não arrisco palpite sobre o que resultará dessas discussões.
Logo no começo de fevereiro, Câmara e Senado escolherão seus novos presidentes e mesas diretoras: os candidatos favoritos já chegam maculados por motivos diversos e seus concorrentes não animam ninguém. A velha política não larga o osso. É osso, pessoal! Enquanto isso, o suspense continua quanto à Lava Jato e se agrava com a morte de Teori – mesmo com (ou até por causa de) sua substituição. Delações se sobrepõem exigindo retratações e complementações nesse roteiro de intrigas que nem Fellini ousaria filmar. Com um pote imenso de pipoca no colo, assistiremos a cada dia mais gente dizendo: “Moro em Curitiba” (ou em Bangu). Além disso, o TSE vai julgar a chapa Dilma-Temer: aquela formada, segundo alguns dos que nela votaram, por uma “cabeça de chapa legítima” e um “vice golpista”. Abomino esse discurso tanto quanto a intolerância que ele cultiva desde sua gênese até suas presentes consequências: o aprofundamento das divisões nacionais. O fato de que o feitiço do “nós contra eles” tenha se virado contra o feiticeiro me apraz – mas não me basta nem deve se encerrar em si. Ao contrário: todos nós que o denunciamos como um feitiço populista altamente danoso aos interesses nacionais, temos a obrigação de não replicá-lo, mas de fazer o certo e continuar a combatê-lo – agora mais do que nunca.
Enquanto o diálogo com defensores de uma visão divergente estiver impossibilitado ou prejudicado, falemos aos flexíveis – essa é a maioria a conquistar: nos corações e nas urnas. Não nos esqueçamos, porém, de buscar o diálogo com a divergência: “água mole em pedra dura tanto bate até que fura” – e isso vale tanto “para eles” quanto “para nós”. Há sempre algo a aprender com quem pensa diferente. Não falo aqui de dar a outra face, mas de assumir a postura correta de trabalhar para o fim da intolerância – aquela que tantos “deles” se esforçaram para exacerbar e muitos “de nós”, inadvertidamente, cultivam para o azar do futuro do país. Chega disso: esse “nós contra eles” não está com nada, nunca esteve. Façamos melhor: o Brasil agradece.
Aliás, sem que nos sirva de consolo, o crescimento da intolerância não é um demérito só brasileiro. Radicalismos de todas as espécies só crescem mundo afora – ameaçando, no meu entender, as liberdades individuais, o liberalismo econômico e, no final das contas, a própria democracia. Neste momento, para a maioria das pessoas, a figura que mais se associa a essa ameaça é Trump – mas não é meu objetivo entrar nesse mérito agora (falta até espaço). Ao contrário, o que me interessa é como fazer desse limão uma limonada docinha pro Brasil inteiro beber. Se Trump fizer metade do que prometeu, nosso país terá uma boa chance de se reposicionar no comércio internacional. Somos deficitários no comércio com os EUA e isso nos exclui do alvo preferencial de prováveis ataques protecionistas norte americanos (o NAFTA e a PTP) – com margem inclusive para aumentarmos nossas exportações pra lá via novos acordos comerciais bilaterais. Paralelamente, os países que perderão mercado nos EUA precisarão de novos destinos para seus produtos com uma urgência que talvez os force a fechar acordos com o Brasil em condições favoráveis para nós. Agora é a hora do Brasil flexibilizar certas regras do Mercosul para poder fechar esses acordos bilaterais sem a obrigatoriedade de fazê-lo em bloco. O próprio Brexit pode nos abrir mais uma bela porta. Não podemos deixar nenhuma dessas portas se fechar antes de passarmos.
Assim, que venha fevereiro: com a certeza do carnaval em seus últimos dias – mas com a esperança de que escolhamos caminhos que não nos façam continuar dançando depois que a folia de Momo terminar.

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