Como de repente despertei sem saber meu paradeiro e muito menos meu destino, deparei-me confuso frente à placa da estação ferroviária. Sem outro rumo nem a mínima orientação do próximo passo, subi pelo lance de escadas que dava acesso a um longo corredor, tendo de um lado a sede administrativa da estação e do outro o amplo horizonte, cuja visão se ampliava livremente em decorrência da altura.
Essa visão serviu como um alívio temporário para a sensação de interrupção reinante. Se acordar no susto me deixou inerte da noção de tempo, perdendo preciosas horas, essas agora irrecuperáveis no passado, a paisagem me preenchia com uma amostra da eternidade. As manchas multicoloridas no céu crepuscular desenhavam um painel convidativo, e eu as interpretava de maneira inexplicável como sendo minha meta alcançá-las.
Além desse corredor, cheguei à área de embarque. Ao contrário do que a aparência desoladora da fachada denotava, me espantei com a quantidade de passageiros no aguardo do comboio. Todos esperavam cabisbaixos, sem interações, sem conversa. Somente o chiado do vento sacudindo as folhas secas do chão ousava romper o silêncio.
Encostei em uma das colunas. Fosse qual fosse o ponto de chegada, sabia que pertencia a esse grupo. Mesmo sem vínculos, mesmo sem conceber a procedência de cada um deles, e reciprocamente me portando como estranho, compreendia nossa fraternidade prescrita. Senhoras idosas, homens com porte de trabalhadores braçais, crianças saídas das fraldas há pouco, todos esses me acompanhariam sem imaginar aonde.
Outra estranheza nesse universo insólito se escondia naquela sede administrativa. Apesar de portas e placas indicativas de setores (almoxarifado, diretoria), não notava nenhum tipo de movimentação. Não havia venda de passagens, estafetas levando mensagens ou carregadores de malas. Aliás, ninguém ali carregava malas; não contávamos com o que vestir após desembarcar. Também chamava a atenção um grande relógio pendurado logo acima do ponto de embarque, de um metro e meio de diâmetro, lustrado com esmero, sendo o único item notoriamente novo. Contrariando seu aspecto funcional, os ponteiros não se moviam.
O barulho da fumaça ao longe presumia o aproximar do trem. Esse barulho levou todos a se levantarem e se organizarem em filas indianas, guiadas por um planejamento aparentemente acima de suas consciências. Igualmente me embrenhei em uma delas, quietamente disciplinado.
Quando o trem parou e suas portas se abriram, a multidão entrou sem atropelos. Guiei-me na cadência do todo, seguindo seu lento andar, aguardando todos se acomodarem nas poltronas. Parei de pé, segurando em uma gancho do teto para não me deslocar contra a inércia.
O trem começou a se mover e aos poucos o cenário iluminado foi escurecendo lá fora. Singraríamos por muitos e muitos quilômetros entre lances de montanhas capazes de cortar plenamente a incidência solar? Eu perguntaria ao maquinista, mas desconfiei que não conseguiria acessá-lo, isso se de fato houvesse um.
Antes que a luz se perdesse por completo, reparei pela primeira vez na minha própria fisionomia desde quando acordei no reflexo da janela. Meu semblante havia perdido o viço e a expressão, igual a todos os demais. Gostaria de lembrar meu nome, mas não consegui. Minha identidade desapareceu. Aí então eu pude finalmente perceber o destino final dessa viagem. Um ponto final de onde jamais encontraria retorno.