Uma notícia cercada de imagens que entrou nos noticiários nesses últimos dias foi o protesto dos paraguaios por causa de uma emenda constitucional que permite a reeleição presidencial. Grupos invadiram o Congresso, atearam fogo e um estudante morreu atingido por uma bala de borracha. Esse tipo de situação mostra algo com o qual a América Latina tende a lidar de maneira corriqueira, que são embates nascidos do conflito entre um pensamento mais modernizador contra o ranço de atraso com os quais as elites políticas estão impregnados. Aponto aqui como item relevante nesse turbilhão algo que os tempos atuais tendem a reproduzir, que é o acesso da população à informação e à capacidade de organização proporcionada pelas novas tecnologias, que gera um novo fator dentro da enorme poça de interesses particulares e de lutas pelo poder que compõem as sociedades.
Pensar em tempos de sociedade da informação é pensar em uma circulação de conteúdo nunca vista antes, mesmo que esse não seja verídico ou então de natureza positiva ou ética. Mesmo assim, esconder a corrupção da população ou manter as políticas arcaicas se tornou mais difícil. Nós mesmos presenciamos o trabalho da Lava-Jato, que utiliza fortemente da divulgação de informação como forma de mobilização da população para assim conseguir apoio a si própria e se sustentar ao longo do tempo.
Porém, pensar em povo nas ruas e em protesto não significa necessariamente uma mudança positiva ou um progresso da sociedade. Basta ver pela Primavera Árabe e sua mobilização online, que levou o Egito a uma ditadura mais grave que a de Mubarak, a Líbia a uma disputa de poder bélica em torno do vácuo de Kadafi e a Síria ao completo caos. Nem se deve pensar inocentemente que protestos populares são guiados unicamente pelo ímpeto da cidadania, já que sempre constatamos um grupo político orbitando tais movimentações. Foi assim no Brasil, em que protestos do ano passado alavancaram um novo grupo de poder e até levou lideranças suas a ocupar cargos eletivos. E, no caso do Paraguai, grupos oposicionistas estão vinculados aos protestos contra a reeleição.
O que se pode constatar é que temos uma nova maneira das pessoas se correlacionarem com o mundo e, portanto, esse modo influencia na relação dessas com a política. Esse processo se vincula estritamente como a Nova Ordem Mundial que surgiu com o fim da Guerra Fria e os processos de globalização. O eixo de influência da União Soviética se perdeu. Os Estados Unidos se colocou enquanto potência mundial predominante, apesar de sua soberania se mostrar menos onipotente e a eleição de Trump indicar um certo cansaço do cidadão estadunidense quanto ao encargo do seu país como xerife do mundo.
Não há como negar esse impacto na América Latina e no Brasil. Em nosso país, vemos ao longo dos últimos anos o peso maior dessa nova relação midiatizada com as relações políticas. Falamos de mobilizações populacionais em manifestações pró e contra o governo Dilma, da troca de informações, da formação de lideranças políticas fomentadas pelas relações online, até mesmo a criação de novos heróis nacionais baseada em fotos e vídeos compartilhados por celular. E os grupos que disputam o poder político já começam a se adequar a essa nova realidade.
Pensar no caso específico de Campos dos Goytacazes nos leva à formação da cultura política da cidade, envolta pelo poder dos proprietários rurais da cana. Essa relação constituiu toda uma concentração de poder que existiu ao longo dos anos, e que ainda hoje encontra seus reflexos. É o ranço do passado, da cultura latifundiária, que permeia a cidade, apesar do choque de modernidade proporcionado pelo petróleo. Se a transição da economia cafeeira para uma economia industrial forçou a cidade adiante, fomentando a estruturação tecnológica e a maior circulação de dinheiro, a cultura política permaneceu atrelada ao passado, ramificando-se e se mascarando das mais diferentes formas.
A eleição de Rafael Diniz se associa a essa pulsão por mudanças que a modernidade exige e aos conflitos entre atualidade e passado que surgem. Ele é jovem, passa a ideia de modernizador. Justamente a figura idealizada dentro dessa realidade, a de que é o ponto de mudança em uma política que sempre se retroalimentou através do coronelismo.
Outra característica de nível nacional que se associa à imagem do prefeito é a da figura não-política, de quem se constrói por fora das estruturas típicas da política brasileira. Esse fenômeno ficou marcado notoriamente em 2016 com a eleição de João Doria Jr, que se colocou como empresário e administrador, a figura de fora da política, respondendo a um interesse popular por renovação.
A formação desse governo que surgiu de um interesse popular por mudança terá a missão de dar as respostas que a sociedade campista espera. Vivemos atualmente um mundo em que o imaginário criado pelo poder da sociedade datacêntrica gera opinião e poder. Mais do que nunca na história, parecer se tornou mais importante que ser, então a construção de uma imagem é algo preponderante nos processos políticos e eleitorais. E esse universo digital torna mais difusa a distinção entre real e imaginário.
Pergunte a pessoas nas ruas sobre política. Um vai falar bem de prefeito X, outro falará mal do mesmo prefeito. A forma de encarar a gestão pública entra em um grande oceano de subjetividade, cada um avaliando segundo seu próprio crivo. E esse crivo é fortemente afetado pelas informações que a pessoa recebe, sejam fidedignas ou falsas. Basta ver o clima de “antigamente não tinha nada disso” que permeia o discurso de muita gente, como se o Brasil fosse um jardim do Éden há quatro ou cinco décadas.
Esse deve ser um desafio para as gestões públicas não apenas em Campos, mas em todo país, a de lidar com as subjetividades formadas pela era da informação. No caso específico da cidade, essa subjetividade se mescla ao passado político, ao ranço, a pessoas que de fato admiram o populismo enquanto política. O passado permanece arraigado nas entranhas da política municipal e permeia as relações. Nem a era da informação parece ser suficiente para aumentar a visão popular, para reduzir o clientelismo e as antigas práticas. E, além de lidar com esse panorama, ainda resta à municipalidade dar as respostas esperadas por quem depositou seu voto no atual prefeito.