Fabio Bottrel — Sem dias para cem dias

 

Maria Bethânia – Quem me leva os meus fantasmas (Pedro Abrunhosa)

 

 

 

 

“Golconda”, pintura de René Magritte

 

As luzes de Campos se deitando à meia-noite no rio Paraíba refletem meus sonhos culturais outrora desvanecidos, será que agora vai ser diferente?

Penso: Cem dias

sem dias

em dia

e dia

ia-me a ideia de cultura campista,

mas a devolução do Teatro de Bolso à população já induz uma resposta positiva, certo de que nem todos os esforços do mundo seriam suficientes para ser pior do que a administração anterior, ser melhor ainda está longe de ser bom. Ínfimo acontecimento, este, diante de toda calamidade que desabrocha sobre a jugular aberta de Campos a manchar de vermelho seus cidadãos: há gente morrendo, nos hospitais escassos de materiais; nas mentes que se transformam em terrenos baldios: há crianças tendo seu futuro escrito sem lápis, arranhando no concreto os dizeres de sua própria lápide.

Diante das mazelas herdadas, resta-nos a difícil pergunta: vai ser diferente, a partir de quando? Certo de que cem dias é muito pouco para aferir uma grande mudança, mas as decisões tomadas já são um prelúdio do caminho que virá. Diante de todas as diretrizes de boa conduta e a esperança do povo que o prefeito carrega consigo, creio que sabedoria não lhe faltará para guinar.

Importante alcançar e sentir os duelos da guerra surda nos bastidores da gestão Rafael Diniz, tentando fazer uma ultrapassagem no meio da curva com dezenas de entraves à margem da estrada para lhe sabotar a empreitada. Jamais seriam brandas as negociações que tornaram o novo presidente da câmara diante da esmagadora maioria opositora; o que não ouvimos, sentimos: as feridas do governo anterior ainda não cicatrizaram. Diante desse cenário, de cargos chaves engaiolados feito canários a piar manso sob as vozes dos vereadores, diga Pedro Abrunhosa:

 

“De que serve ter o mapa se o fim está traçado?

De que serve a terra à vista se o barco está parado?

De que serve ter a chave se a porta está aberta?

De que servem as palavras se a casa está deserta?”

 

Os ventos mais fortes que já solaparam a minha face são os ventos campistas, a sussurrarem pelos ouvidos a esperança que nunca cessa, e por ser, esperança, é a semente ainda não edificada em sorriso. Brisa que traz na eterna turbulência de uma lágrima social o pensamento que convoco reiteradas vezes: “a cultura é a mãe de todas as instituições, mas somente a política pode salvá-la dela própria quando engendra por um caminho transgressor ao desenvolvimento humano. ” Por isso vibrei quando soube da vitória de Rafael Diniz, junto à mesa, no momento do anúncio de sua conquista, dividiram o mesmo grito os representantes do coletivo casinha e a poetisa Adriana Medeiros, que perduravam a amizade em goles longos e palavras molhadas em minha casa.

Que o grito ecoe pelos passos de uma cidade em busca de sua identidade, com os melhores desejos de um futuro melhor.

 

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Este post tem 2 comentários

  1. Savio

    Belíssimo texto!No Governo local, enquanto há desejos, há também mazelas, tendências a um fisiologismo ilógico, por exemplo, há um projeto de lei na Câmara, de um tal Alonsimar não-sei-o-quê, que quer que cada servidor público tenha o dia livre na data do seu aniversário! Se tal data coincidir num feriado ou domingo a mesma seria transferida para um dia útil na escolha do aniversariante!

    O que passa na cabeça de um cidadão eleito pelo povo, diante de um município com graves problemas financeiros, querer inventar uma coisa absurda dessas? Será que não tem noção, ou será que não sabe quantos servidores públicos servem ao Governo? Será que não interessa ao vereador qual o tamanho do prejuízo que isto causa aos cofres públicos? Ou será que é apenas a pequenez, falta de visão, falta de compromisso com os cidadãos?

    Tem gente que se elege e não sabe para que foi eleito! Aí brincam com perfumarias, se especializam em “votar moções”, inventar “comendas” e criar leis imbecis, como se a cidade não tivesse um monte de necessidades! Para mim, “chequinhos” à parte, fica o mistério: __Como gente sem preparo e sem visão comunitária consegue se eleger?

  2. Fernando Leite

    Em qualquer circunstância, a Poesia é a melhor conselheira. Não é a toa que os evangelhos e todos os livros sagrados são vazados em Poesia. Quanta Poesia no seu texto.
    Meu caro Bottrel não foi dessa vez que tive o imenso prazer de trocar dois dedos de prosa com você e Francisco Antonio. Lamentei muito, mas vou preparar um café com broa de milho para uma conversa sem hora pra acabar.
    Abraço,
    Fernando.

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