Muitas são as lembranças quando mencionam a Universidade Estadual do Norte Fluminense. Tem aquela advinda da formação acadêmica e o início do aprendizado político, a importância da mesma para o contexto do Norte Fluminense (e do Brasil), além das lembranças afetivas de quem foi graduada em ciências sociais pela mesma. E agora me proponho a escrever um texto sem advérbios de modo. Quando muito, para indicar o tempo, mas não para me desculpar hoje ao leitor.
Sobre a formação acadêmica, conheci a Uenf em tempo de recursos com fluxo normal no início dos anos 2000. Estudei ciências sociais no Centro de Ciências do Homem, praticamente todos os meus colegas tinham alguma bolsa de apoio acadêmico, o que garantia as condições materiais de existência — aluguel para aqueles que vinham de outras cidades, comida e xerox. Esse apoio acadêmico poderia significar o desenvolvimento de uma atividade, seja como bolsista da Casa de Cultura Villa Maria catalogando livros, ou extensão acadêmica assistindo aos direitos da população da área rural, ou mesmo realizando uma pesquisa com base na leitura de cânones das ciências sociais brasileiras.
Nota: Isso era possível em um curso com poucos recursos no âmbito da universidade, marcado pelo rótulo de ser eminentemente “de esquerda” e outros tantos juízos de valor que não vale a pena mencionar.
O meu primeiro trabalho de pesquisa na graduação em ciências sociais na Uenf foi na área de sociologia quantitativa. Com tudo o que tem direito, desde questionário de 12 páginas a me entender com SPSS (Statistical Package for Social Sciences — Pacote Estatístico para as Ciências Sociais). Pensando no que o sociólogo Howard Becker propõe de maneira bastante didática sobre o estudo da realidade social: “[Esta] pode ser descrita de muitas maneiras, já que as descrições podem ser respostas para qualquer uma entre as diversas perguntas. Podemos concordar em princípio que nossos procedimentos devem nos deixar obter a mesma resposta para a mesma pergunta, mas de fato só fazemos a mesma pergunta quando as circunstâncias de interação social e organização produziram consenso em relação ao que constitui uma ‘boa pergunta’”. Sinto que vivemos uma “enxurrada” de muitos números na mídia – desde a impressa até as redes sociais. Todos os índices, a polarização do governo, o (des) caminho do Estado do Rio Janeiro geram uma larga massa de dados a serem consultados. Pensemos em outras “perguntas boas para pensar”.
Falo de outro lugar, com um posicionamento engajado. E esse lugar de fala me trouxe hoje aqui a Universidade Federal de Roraima. No extremo norte do país, mas com problemas tão comuns. As dificuldades de repasse de recursos para a pesquisa (ensino e extensão); as intempéries relacionadas a permanência do aluno na universidade, como transporte público de qualidade, acesso a um restaurante universitário condizente com as necessidades nutricionais e sanitárias; bem com a sobrecarga de funcionários e docentes com as inúmeras tarefas de gestão. São somente alguns exemplos de necessidades dentre as várias para se ter acesso ao conhecimento. Público, gratuito e de qualidade. Compreendido na sala de aula, nos laboratórios de pesquisa e durante a primeira etnografia no trabalho de campo no mercado municipal.
Parecem que todos os meus textos são em primeira pessoa. Alguém diria que é um vício de antropóloga. Sim, trata-se de algo “de dentro”. Aprendi com as ciências sociais e, sobretudo na Uenf, que o nosso referencial de pesquisa é a interação humana. Essa interação humana é posicionada, no entanto, nunca neutra. São os “imponderáveis da vida real”, como diria o polonês Bronislaw Malinowski, reverenciado como fundador do trabalho de campo na antropologia, ou mesmo os “aspectos românticos da disciplina”, para citar o célebre antropólogo brasileiro Roberto DaMatta, que nos informam.
Esse desmonte político orquestrado das universidades, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, nas quais estão incluídas a Uenf, além da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), bem como a UEZO (Fundação Centro Universitário Estadual da Zona Oeste), é covarde. Muitos discentes e docentes que acreditam no potencial transformador da educação pública, gratuita e de qualidade hoje se revezam entre resistir e padecer de agonia.
Agonia pública e também privada. Daqueles que viveram a Uenf e da impossibilidade eminente de tantos outros e outras poderem ter acesso à educação.
Quando estava na graduação, sempre tive a atitude comedida de não me expor politicamente, porque julgava não ter voz. Essa qualidade atribuía à falta de reverberação política, e não maniqueísta, de qualquer opinião que pudesse emitir. Mas hoje, depois de ter cumprido parte do rito acadêmico, e sentindo na pele o trabalho visível (e muito também do invisível) que é ser docente, servidora de uma universidade pública, galguei alguns passos na direção almejada. Mesmo diante de todas as incertezas políticas do momento e do futuro desse projeto de educação pública, queria expressar minha indignação pela covarde falta de investimento em um patrimônio, pago com dinheiro de todos, tendo como principal objetivo a transmissão da educação.
Mas ainda não perdemos a luta. Peço desculpas ao leitor se não consegui revisar o texto as várias vezes necessárias, porque com certeza faltaram muitos elementos que gostaria de trazer à tona. Mas o tic-tac do relógio está me deixando aflita para repassar a aula de hoje, a preparação da atividade de paralisação à noite, além da aula da pós-graduação de amanhã que tanto lutamos para conquistar. Isso tudo porque, em teoria e prática procuro resistir e, citando Darcy Ribeiro, eu detestaria estar do lado de quem (por ora) me venceu.