“Choro na Villa” hoje: Casa de Cultura da Uenf busca seu caminho

 

Por Aluysio Abreu Barbosa

 

Após passar seis dias de portas fechadas (aqui) por falta de energia, a Casa de Cultura Villa Maria reabriu no último dia 24 e hoje recebe em seus jardins o “Choro na Villa”. O evento mensal é um dos programados pela diretora da Casa, a professora Simonne Teixeira, que busca na sensibilização da comunidade a maneira para tentar contornar os muitos problemas financeiros do Estado do Rio, que ameaçam a sobrevivência da própria Uenf.

 

À frente da Casa de Cultura Villa Maria, sua diretora, a historiadora e arqueóloga Simonne Teixeira (Reprodução)

 

 

Folha Dois – Qual foi a sensação de ter a Villa Maria fechada por seis dias?

Simonne Teixeira – Uma sensação de desolação, principalmente. A CCVM (Casa de Cultura Villa Maria) é um lugar de cultura. Enquanto tal, um lugar de movimento e dinamismo. Vê-la com as portas fechadas é muito triste. Mas também é um sinal dos tempos:  governantes que desprezam o valor da cultura e sua importância na formação cidadã.

 

Folha – O problema foi só técnico, na subestação de energia? Corre o risco de se repetir? Quanto a Casa de Cultura da Uenf deve hoje a Enel?

Simonne – O problema foi ocasionado pelo rompimento de um fio, externo à Casa. O reestabelecimento foi demorado por diversas razões, entre elas uma divergência sobre a responsabilidade que somente foi dirimida depois que a prefeitura da Uenf se dispôs a colaborar e, juntamente  com seu corpo técnico, tratar do assunto junto a Enel. Por outro lado, temos equipamentos obsoletos em nossa subestação que podem ter problemas a qualquer momento. Não posso dizer com certeza, mas a dívida deve girar em torno de R$ 50 mil.

 

Folha – Além dos problemas de energia, o solar da Villa sofre hoje com infiltrações. Seu patrimônio arquitetônico e histórico está em risco?

Simonne – Bom, temos muitos problemas que a longo prazo implicam em riscos significativos. Alguns destes problemas podem ser facilmente resolvidos, como uma infiltração na casa principal, ocasionado por algum vazamento na tubulação que recolhe as águas do ar condicionado do segundo piso. O maior de nossos problemas é que como não se toma providências rapidamente, o dano vai ficando maior. No ano passado tivemos um reparo emergencial no telhado da casa principal. Foi possível pela doação de dois professores do CCTA (Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias), e de um empreiteiro local, que se sensibilizaram com as numerosas goteiras no interior da Casa em dias de chuva. A CCVM pertence a Uenf é um patrimônio da universidade, mas principalmente é um patrimônio da cidade de Campos dos Goytacazes. Nas condições atuais, a parceria entre a Uenf e a comunidade é fundamental para sua preservação.

 

Folha – Pelo valor simbólico da Villa Maria, prédio histórico de Campos doado em testamento por Finazinha Queiroz à futura universidade pública instalada no município, servindo antes como sede da Prefeitura a quatro governos, acredita que seu fechamento foi o alerta que faltava para o campista reagir à crise da Uenf?

Simonne – No ano passado, exatamente no dia 02 de maio, a Ampla cortou o fornecimento de energia para a Villa Maria por falta do pagamento que deveria ser realizado com o orçamento da Uenf e que o Estado não repassa desde outubro de 2015. Neste mesmo dia, foi organizada uma “velada”, que reuniu muitos professores, servidores, estudantes das diferentes IES (Instituto de Ensino Superior) e o público em geral que imediatamente aderiram ao nosso chamado para manifestar apoio à CCVM. Foi impressionante a rápida resposta de todos em defesa da Villa, que possui uma simbologia muito forte enquanto espaço de cultura no município. O problema foi rapidamente resolvido por via jurídica. O problema que tivemos nestas ultimas semanas imediatamente trouxe de volta aquele impacto experimentado há uma ano atrás de ver a CCVM de luzes apagadas. Creio que coincide com os primeiros movimentos mais organizados em defesa da Uenf e como tivemos um ano em que as coisas realmente não melhoraram e as ameaças à instituição continuaram, o problema que tivemos recentemente parece ter lembrado a todos da necessidade de continuar na luta em defesa da Uenf. Evidentemente, depois de 24 anos, a Uenf está totalmente inserida na vida do município. As pessoas sabem de sua importância na formação de quadros e em vários outros setores. A Uenf é também um patrimônio da cidade.

 

Folha – Ao assumir a Villa em janeiro de 2016, você foi sua primeira diretora após oito anos. Como foi encarar a missão no momento de maior crise da Uenf? Por outro lado, o fato da Casa de Cultura ter ficado tanto tempo sem diretor não indica pouco caso da universidade?

Simonne – Ser indicada pela reitoria para assumir a CCVM foi animador, embora já tivesse contato com os problemas acumulados. Isso porque no processo de transição, do qual participei, realizamos um levantamento exaustivo de todos os setores, a CCVM inclusive. A Villa tem poucos funcionários e neste período anterior, sem a presença de um diretor, os projetos foram acabando, e os setores foram encolhendo em suas atividades. Assim que pudemos aprofundar o conhecimento sobre a Casa e suas competências, nos dedicamos a escrever projetos em busca de recursos financeiros e humanos. Apesar de ter projetos aprovados, estes não estão sendo pagos. Mas temos tido sucesso com os recursos humanos, com a presença de bolsistas que têm desenvolvido suas pesquisas ali e professores, muitos da UFF (Universidade Federal Fluminense), que têm colaborado de diversas maneiras. Concordo que as duas últimas gestões não deram muita atenção à CCVM, deixando que os projetos acabassem e não promovendo novos, que tornassem a Casa mais presente na Uenf. A Villa Maria dos anos 1990 já não é possível por diversos fatores. A Uenf mudou, se tornou uma das mais importantes universidades do Brasil. Também a o modo como tratar cultura mudou. Hoje a cultura é um campo importante de conhecimento e a CCVM deve assumir este lugar na Uenf. Estamos, sempre em parceira, promovendo alguns eventos de perfil solidário, porque entendemos que ali também é um espaço para acolher eventos. Mas, como parte de uma importante instituição de prestígio no campo da ciência, a Villa deve encontrar seu caminho no campo da cultura. É o lugar privilegiado para isso.

 

Folha – Algumas salas da Casa de Cultura hoje são usadas como depósito para entulho cujo descarte é difícil, por se tratar de patrimônio público. Como desocupá-las e abrir seus espaços novamente à população?

Simonne – Ao longo destes 24 anos não tivemos na Uenf uma política muito clara de descarte de equipamentos, mobiliário e outros. O processo de recolhimento do material fora de uso começou mais recentemente. Com isso a instituição tem hoje seu galpão abarrotado de material usado. Como são bens patrimoniados, não se pode simplesmente descartar, há todo um processo. Atualmente a Uenf está empenhada em resolver este problema, mas sua resolução é bem lenta. No caso específico da Villa Maria, parece que não houve nestes anos todos nenhum recolhimento dos equipamentos obsoletos e demais objetos em desuso. Assim que temos diversas salas ocupadas com este entulho, aguardando uma oportunidade para transferir para o galpão da Uenf. Quando isso acontecer, teremos liberado espaços importantes para a realização de diversas atividades na Casa, podendo acolher trabalhos de professores da Uenf e da comunidade. Ansiamos por este momento, pois temos diversos projetos que precisam de espaço para serem realizados. Temos muita expectativa de ter estes espaços liberados para o centenário da CCVM que será no próximo ano.

 

Folha – Neste sábado, dia 29, os jardins da Villa sediarão um evento de choro, que começa às 16h, quando se apresentarão o violonista e estudante da Uenf Felipe Ábido, acompanhado da flautista carioca Gigi Mascarenhas e do sanfoneiro baiano Marcone Cruz. O “Choro na Villa” será mensal?

Simonne – Sim. O “Choro na Villa” é um projeto da CCVM, com o Felipe Ábido como produtor e mais alguns parceiros que apoiam a sua realização. Esta parceria é fundamental para que seja possível realizar o evento, levando em consideração a crise financeira da Uenf. A ideia é promovermos um evento por mês. O projeto ainda está em desenvolvimento, mas o mais importante a destacar é que é um projeto que se pretende institucional, pretende se consolidar como um projeto da Uenf em estreita colaboração com seus parceiros.

 

Folha – Já no sábado seguinte, 6 de maio, será a vez dos jardins da Casa de Cultura receberem o Rock Goitacá. Esses eventos serão mantidos e ampliados? Eles são a solução para manter a Villa viva, como nos tempos de Finazinha?

Simonne – Sim. Vamos manter todos os eventos. O Rock Goitacá aconteceu o ano passado na Villa e volta a acontecer este ano. Este evento é também fruto de uma parceria que tem se mostrado profícua. E pode anotar aí: nos dias 07, 08 e 09 de julho, teremos a 4ª edição do Bazar do Villa.

 

Folha – Como historiadora e arqueóloga, além de professora da Uenf, qual a sua visão da crise que atravessa a universidade como um todo? Qual seria a solução?

Simonne – Estou na Uenf desde princípio de 1996. Quando cheguei com meus filhos pequenos, vim para morar. Minha carreira está totalmente vinculada a esta instituição e a esta cidade. Para mim são coisas absolutamente indissociáveis. Neste período pude vivenciar outras crises, mas nunca uma como esta. Aliás, acreditava que nossas instituições públicas universitárias estariam a salvo destes ataque que temos visto nos últimos. Não é só a Uenf. São as três universidades do Estado. As consequências do desmonte destas instituições afetará  toda população do Estado, que terá menos oportunidade de estudar em uma instituição pública, gratuita e de qualidade. Afetará o desenvolvimento de pesquisas que podem resultar em melhoria da qualidade de vida da população, em remédios, em soluções de baixo custo para diferentes produtos, etc. A falta de recursos e investimentos em Ciência & Tecnologia, torna nosso Estado e, em última instancia, o país, dependentes de outros países. No âmbito cultural empobrece o sentimento de pertencimento e tolhe a criatividade. Não sou capaz de apontar uma solução. Mas sei que precisamos de todo o apoio da comunidade de Campos dos Goytacazes e região para assegurar que a Uenf vai continuar. A palavra de ordem é Uenf resiste! Somos todos Uenf!

 

 

Capa da edição de hoje (29) da Folha Dois

 

 

Publicado hoje (29) na Folha da Manhã

 

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